O FANTÁSTICO APOIADO EM UMA MUNDIVIDÊNCIA AFRO-DESCENDENTE – ASPECTOS DAS AMBIÊNCIAS SOCIAIS, GEOGRÁFICAS E HISTÓRICAS.

Estou lendo e gostando do livro dos meus amigos acadêmicos Ronaldo Senna e Itamar Aguiar, que tem como objeto de estudo a comunidade de Remanso, em Lençóis, encravado na Chapada Diamantina. Os professores fazem uma distinção muito clara do que seja uma comunidade quilombola e afro-brasileira, objeto de estudo de Remanso, confundido com a primeira classificação popular.

Na apresentação da obra, a professora Graziela de Lourdes Novato Ferreira, ressalta que os próprios autores informam que o grupo não se autorreconhece como quilombola e faz referência como “terra de herança”. Os professores usam a nomenclatura comunidade auto-indígena brasileira. Quilombo nasce dos negros fugidos das chibatas dos patrões que se refugiavam em algum lugar. Trata-se de um movimento de resistência.

No caso de Remanso, são pessoas remanescentes dos garimpos de diamantes, que também subsistem da pecuária e da agricultura. “ Remanso é uma comunidade com características de preservação de valores culturais próprios de um pertencimento ao arquétipo das populações da Chapada Diamantina. Traz fortes elementos ligados ao processo de garimpagem do diamante. Sua vivência e tradições se traduzem num místico cultural e religioso…”Os autores são defensores da preservação ético-culturais da região.

A professora explica que Itamar, em suas conversas sempre fala dos traçados dos caminhos, capaz de nos fazer viajar por um universo mágico-poético, com seus apaixonados relatos sobre Lençóis e sobre a manifestação religiosa, denominada de Jarê, um candomblé dos encantados caboclos, que se dá sob o toque da viola. “Vejo uma presença indígena aí muito forte, salve os caboclos! Orixás, caboclos e encantados que agregam elementos indígenas e católicos.

Itamar conceitua que o Jarê demonstra a pluralidade das expressões religiosas neste nosso “sertão profundo”. No prefácio do livro, editado pela Universidade Estadual de Feira de Santana, Josildeth Gomes fala das lavras diamantinas e diz que a obra é o resultado do esforço de dois apaixonados pelo mundo do garimpo que não chegaram às lavras em busca do diamante, mas que se tornaram garimpeiros da alma e de coração.

Ele classifica Remanso como uma comunidade garimpeira afro-indígena. Diz que os autores procuram esclarecer que Remanso é uma comunidade resultante da ocupação de negros, provavelmente de origem banto, que se deslocaram no século XVIII para a região direita dos Marimbus, um imenso pantanal existente na região.

O Jarê é uma expressão religiosa de origem africana que cultua orixás e caboclos, um candomblé de caboclos, ou candomblé do sertão.  Nessa religião, o Caboclo Boiadeiro ocupa o lugar de maior destaque no Jarê de Remanso, mas faz seu ritual é feito através do vaqueiro cuidador do gado. O Boiadeiro é mais o dono da fazenda e da boiada.

Ao lado do Boiadeiro, os caboclos Sete Serras e o Tomba Morro fazem parte dos personagens mais representativos da cultura da Chapada. O primeiro numa alusão à mineração, aos mistérios da mata. O segundo na presença do jagunço arruaceiro briguento.

Nas considerações iniciais, o professor Itamar faz uma viagem sobre o tempo dos coronéis (Horácio de Matos) e o papel dos jagunços como servidores dos mandantes do poder na época, muito diferente dos cangaceiros. Ele traça um mapa geográfico da região com seus municípios, grutas e principais rios que formam o marimbus.

O leitor é fisgado pelas histórias do coronel Horácio de Matos, um dos mais famosos do sertão nordestino, espécie de governador do interior dentro de um estado. Descreve sobre a criação da vila de Jacobina, em 5 de agosto de 1720, por determinação do rei. Jacobina abrangia uma vasta região que ia do Arraial da Conquista, das Minas Gerais, Cachoeira, Ilhéus e o Vale do São Francisco.

Em sua introdução, Itamar descreve a estrutura coronelista da época, sobre os donos de garimpos, lapidários, pedristas, campamgueiros, bambúrrios e demais comerciantes de pedras, Cita vários pesquisadores do assunto, como Américo Chagas, Olímpio Barbosa, Walfrido Moraes, dentre outros.

Em 1906, quando os diamantes estavam esgotados. Itamar lembra da criação do de um dos primeiros colégios do interior em \ponte Nova (Wagner) por missionários presbiterianos, de onde saíram grandes cabeças intelectuais. Tem também as histórias dos valentes João Requisado que enfrentava do alto da serra as tropas do Governo do Estado, do curador Zé Rodrigues, o tenente Zacarias, do deputado, poeta e intelectual Manoel Alcântera de Carvalho, Horácio de Matos e do jagunço Montalvão.

São histórias empolgantes que despertam a curiosidade do leitor, ávido pelos causos contados pelos nossos ancestrais e que serviram de subsídios para pesquisadores e estudiosos. Quem já ouviu fala do livro de São Supriano da Capa Preta? De acordo com a lenda, a reza era capaz de transformar o “devoto” numa moita, num touco, num animal e tantos outros seres. Possuía o encantamento de tornar invisíveis o jagunço, o valente ou o coronel aos olhos dos seus inimigos. Leia que é muito interessante o trabalho de Ronaldo e Itamar. .