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:: 25/abr/2025 . 0:13

A VISITA DE CRISTO NA TERRA

Depois de dois mil anos, o Cristo rebelde e revolucionário resolveu voltar à terra de carne e osso para experimentar sua aprovação, mas teve que pedir permissão ao Pai que se opôs à aventura arriscada, sabendo que a coisa aqui está braba e seu filho seria renegado e odiado pelos falsos profetas seguidores de araque.

Jesus insistiu, e Ele, para não ser rabugento e autoritário, decidiu satisfazer seu pedido, mas impôs certas condições, como não operar milagres, não multiplicar pães, não abrir a boca para afirmar que é seu filho (seria considerado herege), se virar para sobreviver e quando ficar na pior dos sofrimentos não rogar para afastar dele esse cálice.

– Se quer ver de perto as injúrias, as injustiças e a miséria, que vá. Criei o livre arbítrio e a liberdade. Depois não me venha com mimimi. Cuidado com as malandragens e artimanhas dos humanos! Eles são selvagens e perigosos! Alertou o Pai.

A mãe chorosa e piedosa, como todas as mães, implorou em sua partida para que ele desistisse dessa empreitada maluca, mas Jesus não cedeu e só desejava ver como estavam as coisas por aqui. Bem, não foi por falta de aviso e conselho. Se você quer se meter nessa enrascada dos diabos, que arrume sua mochila e vá – respondeu o Pai, todo sisudo.

De lá do seu alto donde Ele estava cansado de ouvir tantas mentiras, pedidos de perdão pelos crimes que cometeram e até investidas de subornos das almas penadas para alcançar um lugar confortável, Cristo decolou e, por acaso, aterrissou no Brasil, caiando justamente de paraquedas numa favela barra pesada de traficantes, em meio a um cerrado tiroteio entre facções rivais e a polícia.

– Êta bagaceira do cão! Vim pousar logo aqui no inferno de um morro do Rio de Janeiro dominado por criminosos! A turbulência foi tanta que nem deu para ver sua imagem lá no Corcovado. Caiu num beco estreito e escuro num tiroteio cruzado, mas foi salvo por um paraíba que lhe deu guarita em sua casa.

– Sou o mensageiro da paz e do amor e agora estou em meio a uma guerra fraticida. Aonde estou mesmo, meu amigo irmão? Que terra é essa, meu camarada?

– Aqui é Brasil, morro carioca da Rocinha, cheio de nordestinos lascados saídos lá das secas em busca de sobrevivência. O que não temos aqui é paz, meu senhor! Cristo sacudiu a poluição do ar e se disfarçou de baiano perdido. Agradeceu a acolhida e pernoitou no barraco cheio de crianças famintas. Lembrou do Pai que havia lhe advertido. Ufa, foi minha primeira prova de fogo!

Até que se safou bem do sufoco. Coisa foi quando saiu cedo e ganhou o asfalto lá embaixo e ficou embasbacado ao ver aquele formigueiro de gente, uns em ônibus, metrôs e carros na corrida pelo dinheiro. Logo a fome bateu e ele teve que se tornar em mendigo de rua. Aprendeu ligeirinho a pedir uns trocados para comer.

Se enturmou com os moradores de rua e dormia em abrigos. Começou a condenar aqueles que passivamente viviam de esmolas, cestas básicas e bolsas famílias, aceitando a palavra de que aquilo transforma o ser humano, quando, na realidade, a miséria continua. Repudiou a lamúria dos fracos que passam o tempo todo se reduzindo a pó. De uma coisa Ele gostou, das mulheres brasileiras!

Trabalhou lavando pratos e de garçom em restaurantes. Em suas caminhadas, ficou espantado quando viu tantas igrejas, a maioria de mercenários cobrando dízimos, explorando os pobres, traindo seus ensinamentos e enganando os humildes com feijão, água e outros objetos “milagrosos”, sem falar nos truques de curas. Bando de cafajestes – esbravejou.

Com seus bicos, Cristo ganhou uns trocados e adquiriu um celular de segunda mão e entrou numa fria quando descobriu que o aparelho era roubado. Tentou ser um influenciador digital, mas sem sucesso diante de tantas besteiras e marginais com milhões de seguidores. – Essas redes só têm imbecilidades, golpistas e garotas nuas!

Mesmo assim, suas pregações despertaram a atenção de um punhado de admiradores e parte da mídia. Um homem que falava diferente e numa linguagem revolucionária de mudanças espirituais, ao ponto do Malafaia, Edir Macedo, Feliciano, pastores da mesma laia e a turma bandida do lema Deus, Pátria e Família terem lhe coberto de xingamentos de esquerdista comunista e vagabundo. Recebeu críticas até dos católicos.

– Que me lembre, quando andei nesta terra há dois mil anos não fundei nenhuma igreja e religião. Agora tem uma em cada esquina e o satanás é mais popular do que eu – pensou Jesus consigo mesmo, com um sentimento amargurado em seu coração.

– O humano ficou mais idiota, imbecil, sagaz, corrupto e finge amar o seu Pai sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Aqui só enxergo hipócritas e fariseus. Os poderosos massacram e os pobres ainda o seguem, submissos como escravos.

Em pouco tempo, Cristo ficou entediado do Brasil e foi correr mundo por aí, mas os estragos da decadência da humanidade estavam por todo lugar. – Estão destruindo a minha terra que tanto amei e me sacrifiquei pela sua salvação – imaginou consigo mesmo, cada vez mais depressivo, decepcionado e macambúzio.

Lá do alto, seu Pai e sua mãe acompanhavam seu sofrimento e tristeza, mas Ele havia insistido em descer aos infernos. Viu as guerras, os conflitos e uns matando cruelmente os outros, sem compaixão. – São todos uns bárbaros em fim de vida, ou imolando a própria vida.

Antes de retornar, Jesus sentiu que pregava num deserto, mas quis pisar em sua terra natal. Encontrou outro inferno maior de bombas ceifando crianças e idosos. Como judeu que foi, chorou lágrimas de sangue quando viu sua própria nação sendo comandada barbaramente por um tirano sanguinário ordenando exterminar os palestinos.

Jesus não se conteve e descarregou toda sua fúria contra o neonazista do holocausto palestino. Foi o bastante para entrar na lista de terrorista perigoso por Israel e Estados Unidos, do Trump. Viu os foguetes rasgando os céus e deixando um rastro de escombros.

Não tardou e logo foi preso e torturado pelos seus próprios algozes que lhe levaram ao calvário da cruz. Aguentou firme sem recorrer ao Pai que afastasse de si aquele cálice. Mesmo com a mente debilitada, lembrou da sua condição para vir à terra.

Como pai é pai, e mãe é mãe, Eles se compadeceram do filho agonizante e enviou um batalhão de anjos antes que ele fosse morto pelas mãos dos carrascos do César judeu “Bibi”, que em seu tempo era Tibérius, o romano. Assim Ele foi salvo e aprendeu a lição, mas veio e viu que a coisa aqui anda de mal a pior. Os humanos que se virem e se matem!

 

 

 

 

PAIXÃO DE CRISTO NO PALCO

(Chico Ribeiro Neto)

Quem já saiu de anjo numa procissão, quando criança, lembra a grande labuta. Aquela roupa branca de manga comprida, um calor retado, e as asas do anjo, ah!, as asas!, sempre entortava uma, e não apontava mais pro céu.

Ninguém queria ser Judas na encenação da Paixão de Cristo no auditório do colégio.

Foi num colégio do Ceará ou de Pernambuco, não me lembro. Mas recordo bem a história que me contaram.

Combinaram fazer uma representação da Paixão de Cristo no colégio estadual da cidade. Durante a encenação, o aluno que fazia o papel de Cristo, sentindo a cruz balançar, virou-se para o bom ladrão e disse entredentes: “Essa zorra vai cair! Pai, perdoai-lhes, porque eles não sabem o que fazem”. O bom ladrão aconselhou: “Guenta mais um pouco, falta pouco pra acabar”.

“Cristo” aguentou (afinal, já tinha aguentado tanta coisa na vida!) até que sentiu a cruz oscilar com maior intensidade e disse apreensivo ao bom ladrão: “Essa zorra vai cair!” “Guenta mais um pouco”. Não deu outra. PAM! A cruz de “Cristo” caiu pra frente e atingiu até a segunda fila do auditório, ferindo alunos, pais e professores. Com o nariz ensanguentado, “Cristo”, com os pulsos amarrados à cruz, gritava: “Me tirem daqui! Me tirem daqui!”

XXX

 

Li recentemente “O Evangelho segundo Jesus Cristo”, de José Saramago, e reproduzo o belo parágrafo final do livro:

“Jesus morre, morre, e já o vai deixando a vida, quando de súbito o céu por cima da sua cabeça se abre de par em par e Deus aparece, vestido como estivera na barca, e a sua voz ressoa por toda a terra, dizendo, Tu és o meu Filho muito amado, em ti pus toda a minha complacência. Então Jesus compreendeu que viera trazido ao engano como se leva o cordeiro ao sacrifício, que a sua vida fora traçada para morrer assim desde o princípio dos princípios, e, subindo-lhe à lembrança o rio de sangue e de sofrimento que do seu lado irá nascer e alagar toda a terra, clamou para o céu aberto onde Deus sorria, Homens, perdoai-lhe, porque ele não sabe o que fez. Depois, foi morrendo no meio de um sonho, estava em Nazaré e ouvia o pai dizer-lhe, encolhendo os ombros e sorrindo também, Nem eu posso fazer-te todas as perguntas, nem tu podes dar-me todas as respostas. Ainda havia nele um resto de vida quando sentiu que uma esponja embebida em água e vinagre lhe roçava os lábios, e então, olhando para baixo, deu por um homem que se afastava com um balde e uma cana ao ombro. Já não chegou a ver, posta no chão, a tigela negra para onde o seu sangue gotejava”.(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)





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