ANISTIA TEM O SENTIDO DE IMPUNIDADE
Carlos González – jornalista
“Sem anistia!”. O pedido é feito pela multidão que acompanha a flagelação e crucificação de Cristo, no Monte das Oliveiras, em Jerusalém. O cartum, do desenhista Laerte, publicado na capa da “Folha de S. Paulo” na edição de Sexta-Feira da Paixão, é um apelo, totalmente justificável, que faz mais de 60% da população brasileira a um grupo de deputados que já mostrou, em diversas ocasiões, que são movidos pelo ódio aos seus adversários políticos. A palavra “anistia”, nos dias atuais, soa como grosseira, obscena, como uma ação inconsequente de uma minoria que atenta contra o Estado Democrático de Direito.
A anistia deve ser “ampla, geral e irrestrita”, assim exige o ex-presidente Jair Bolsonaro, líder do movimento golpista, que visava a derrubada do governo legitimamente eleito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O plano do golpe previa a morte de Lula, do seu vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Uma explicação chinfrim à nação num discurso em cadeia de rádio e televisão, seguida do estabelecimento do estado de sítio, seriam os primeiros atos do novo período ditatorial.
Assistidas por milhões de brasileiros pela TV, as cenas de vandalismo contra as sedes dos três Poderes, na tarde de 8 de janeiro de 2023, significaram uma das etapas do plano traçado pelos líderes golpistas. O jogo teve que ser interrompido porque o time titular não entrou em campo – a tropa permaneceu nos quartéis, indiferente às prisões de centenas de “civis patriotas”, os autênticos “buchas de canhão”, expressão que usávamos no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR).
Antes dos atos terroristas, marcharam como idiotas na frente dos acampamentos, vestindo a camisa amarela desbotada da Seleção, usando, criminosamente, a Bandeira Brasileira como se fosse um pano de chão.
Às vésperas de se tornar um presidiário – nos anos 80 passou 15 dias detido numa unidade do Exército, por ter reclamado do soldo que recebia -, Bolsonaro foi chamado de “mau militar” pelo general Ernesto Geisel na entrevista concedida aos historiadores Maria Celina de D’Araújo e Celso Castro. Na ocasião, Geisel procurava com os líderes no Congresso Nacional uma fórmula para entrega do poder aos civis.
Inconformado com o fim das sessões de tortura, Bolsonaro planejou colocar bombas, que ele mesmo fabricaria, na Vila Militar, na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) e na represa do Guandu, sistema crucial para o abastecimento de água potável do Rio de Janeiro. A culpa pela tragédia, abortada em tempo, seria colocada sobre os adversários da ditadura, chamados de comunistas, atentados que, sem dúvida, estenderia o regime autoritário, por tempo indeterminado.
Dividir o pão com aqueles que têm fome; preservar a Amazônia; proteger o imigrante; abraçar a inclusão social; combater os preconceitos; condenar as guerras e o extermínio do povo palestino pelo exército de Israel, são atos e gestos que personificam aqueles que promovem uma sociedade mais justa e igualitária. Na cartilha dos bolsonaristas, os que agem ou pensam dessa forma são comunistas, ideologia atribuída até mesmo ao Papa Francisco, cujo falecimento foi comemorado por facções golpistas. Quanto aos neopentecostais, seus pastores e bispos adotam como padrão a Teologia da Prosperidade. São chamados de mercadores da fé. Pregam a ideia de que se deve buscar a riqueza, o que eles conseguem, à custa das doações dos incultos e pobres seguidores.
Qual o interesse das igrejas neopentecostais em se aliar a um grupo político, de extrema direita, conservador e preconceituoso? A resposta foi dada há 11 anos num artigo publicado pelo reverendo Carlos Eduardo Calvani, da Igreja Anglicana no Brasil. “Não nos iludamos. Os evangélicos têm um projeto de tomada do poder”, revelou Calvani, citando como orientadores Malafaia, Feliciano, Macedo e Soares. O sobrenome Messias deve ter influenciado na escolha do candidato ao Planalto. Membro de uma família católica italiana do interior paulista, Jair trocou, por conveniência, de religião, recebendo o batismo nas águas do rio Jordão, em Israel.
Pastores em todo o país foram orientados a obter os votos necessários junto às suas “ovelhas”, que os levariam – desafio a quem achar um membro da Igreja Católica na política – a ocupar cadeiras nas casas legislativas. A tarefa foi fácil. Na lista dos deputados que pedem urgência na tramitação do projeto de anistia há pastores, generais, coronéis, além de um vampiro, do PL capixaba. Com um substancial currículo criminoso, o capitão expulso de Exército deve encabeçar a lista daqueles que pedem perdão. Não será surpresa se forem incluídos nessa relação os pastores Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda, condenados a 21 anos de prisão pelo estupro e assassinato do menor Lucas Terra, crime ocorrido em Salvador, em 21 de março de 2001. Os criminosos estão em liberdade aguardando novo julgamento, protegidos pela Igreja Universal (IURD).
Filiados aos partidos Liberal (PL), União Brasil, Progressistas (PP). Republicanos e Avante, 10 deputados baianos, com suas assinaturas na lista, apoiam a impunidade. São eles: Alex Santana, Capitão Alden, Márcio Marinho, Pastor Isidório, Roberta Roma, João Carlos Bacelar, José Rocha (há 47 anos no Congresso em defesa dos dirigentes da CBF), João Leão, Cláudio Cajado e Leur Lomanto Júnior.
A senilidade não permitiu ainda que Lula vislumbrasse qualquer ameaça no horizonte. Seus líderes no Senado e na Câmara dos Deputados não se dispuseram a frear o movimento que exige o perdão para os golpistas. Entre os 264 parlamentares que assinaram a lista, 146 fazem parte, de alguma forma, da base do governo, ocupando inclusive ministérios. O presidente aumentou para 39 o número de ministérios para poder abrigar todos os partidos, exceção ao PL, e os seus ambiciosos membros.