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:: 11/abr/2025 . 22:58

“A GUERRA ME FEZ BEM E MAL”

Na segunda parte do oitavo capítulo do livro “Um Pouco de Ar, Por Favor”, o escritor George Orwell fala do seu personagem George Bowling que participou da I Guerra Mundial e afirmou que “a guerra me fez bem e mal”. Em sua concepção, o pior é o pós-guerra.

“Você se lembra daqueles hospitais de campanha em tempos de guerra? As longas filas de cabanas de madeira que pareciam galinheiros, presas bem no topo daquelas colinas geladas bestiais – a “Costa Sul”, as pessoas costumavam chamá-la assim, o que me faz imaginar como seria a “Costa Norte” – onde o vento parece soprar em você de todas direções ao mesmo tempo”.

Através da sua personagem, o autor da obra detalha em minúcias como era a vida nas trincheiras fedorentas onde os soldados se arrastavam na lama e “um cigarro a cada homem era exatamente como alimentar os macacos no zoológico”.

Relata que os homens nas trincheiras não eram patriotas, não odiavam o Kaiser, não ligavam a mínima para a pequena e galante Bélgica, e os alemães estuprando freiras nas mesas (era sempre “nas mesas”, como se isso tornasse tudo pior) nas ruas de Bruxelas.

A guerra fez coisas extraordinárias com as pessoas – descreveu George Bowling. O extraordinário era a maneira como matava as pessoas e como deixava de matar. “Era como uma grande enchente que o empurrava para a morte e, de repente, atirava você em algum lugar isolado, onde você se pega fazendo coisas incríveis e inúteis e ganhando dinheiro extra por elas”.

George narra que “havia batalhões de trabalho fazendo estradas através do deserto que não davam a lugar nenhum, havia caras abandonados em ilhas oceânicas para cuidar de navios alemães que haviam sido afundados anos antes, havia mistérios disso e daquilo com exércitos de escriturários e datilógrafos que continuaram existindo anos após o fim de sua função, por uma espécie de inércia”.

Durante seu tempo na guerra, George revelou que lia todos os livros onde muitos ficaram esquecidos. “Engoli todos como uma baleia que se meteu em uma espicha de camarões. Apenas me deleitei com eles. Depois de um tempo, é claro, fiquei mais intelectual e comecei a distinguí-los entre imbecis e não imbecis”.

–  Eu peguei Filhos e Amantes, de Lawrence, e meio que gostei, e me diverti muito com O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, e As Nove Mil e Uma Noites, de Stevenson. Wells foi o autor que mais me impressionou.

Num dos trechos da sua narração, George destacou que, se fosse fazer a conta, admitiria que “a guerra me fez bem e mal”. De qualquer forma, aquele ano de leitura de romance foi a única educação real, no sentido de aprender com livros, que já tive. Isso fez certas coisas em minha mente”.

Ainda sobre a leitura, ressalta que lhe deu uma atitude questionadora, que provavelmente não teria se tivesse passado a vida de uma forma normal e sensata. Ele diz que não foram os livros que lhe deixaram impressionados, mas a horrível falta de sentido da vida que levava.

Em 1918, segundo ele, foi um ano sem sentido. “Aqui estava eu sentado ao lado do fogão em uma cabana do exército, lendo romances, e, a algumas centenas de quilômetros de distância, na França, os canhões rugiam, e bandos de crianças infelizes, molhando suas calças de medo, estavam sendo empurrados para a barreira de metralhadoras, do mesmo modo que você atiraria um pedaço de carvão em uma fornalha”.

– A coisa toda tinha tanto sentido quanto o sonho de um lunático. O efeito de tudo, mais os livros que estava lendo, foi me deixar com um sentimento de descrença em tudo. Eu não era o único. A guerra estava cheia de pontas soltas e cantos esquecidos…

“Seria um exagero dizer que a guerra transformou as pessoas em intelectuais, mas, naquele momento, os transformou em niilistas. … Se a guerra não matou você, certamente fez com que começasse a pensar. Depois daquela confusão idiota indescritível, não seria possível continuar considerando a sociedade como algo eterno e inquestionável, como uma pirâmide. Você sabia que era apenas uma confusão”.





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