O SOM DA MADRUGADA
Se você dorme mais tarde, lendo, escrevendo ou fazendo algum trabalho intelectual, já parou para observar o som do silêncio da madrugada, mesmo que seja numa cidade grande agitada? Se nunca fez, experimente e vai descobrir muitas coisas interessantes. A madrugada é um laboratório de experiências.
Lá fora você pode até ouvir o farfalhar das árvores no balanço do vento, o latido do cachorro mais distante na rua ou a voz de um vizinho, o trânsito menos barulhento dos carros, um chiado vindo de longe, a pisada de algum solitário e, o mais poético, são os pingos da chuva calma, sem raios e trovões, nem tempestades!
Ao som da madrugada se escuta até o zunido de uma bala saindo do cano de uma arma. Nesse caso, o tema vira assassinato na madrugada. É um bom enredo literário de romance policial que dá até filme. O pior são as discussões agressivas entre homem e mulher que, às vezes, terminam em morte. Os dramas familiares! Os indivíduos da madrugada são testemunhas das violências.
É na madrugada, depois da meia noite, que se ouve batidas estranhas de fantasmas e “almas penadas” em casas mal-assombradas. Qualquer estalo é motivo de pânico ou medo de ser um ladrão ou coisa de outro mundo. Você fica mais atento a tudo que se move ao seu redor.
– Vejo outras coisas mais interessantes e picantes – disse um amigo meu que também vive da insônia e o chamam de corujão da meia noite. Conheci muitos que não conseguem dormir e já se habituaram com isso. Pode ser esquisito, mas é um requisito peculiar e privilegiado.
Ele me reportou, com seu tom jocoso e sarcástico, sobre a vida de um casal que mora um pouco abaixo do seu apartamento e tem noites certas de fazer sexo com aquele escândalo erótico. Naqueles tempos bicudos, só maiores de 18 anos podiam saber disso.
– Bicho, a mulher morena baixinha é uma histérico e, na hora do vamos ver, grita alto, geme e pede sempre mais e mais. É uma gulosa! Não para, não para – repete a mulher em tom exagerado como se estivesse sozinha num acampamento desértico.
– Aquilo me deixa doido! – Já sei, não precisa falar. Tem palavras que não são convenientes citar aqui, senão moralistas vão me levar para a inquisição. Você que está acompanhando esse papo deve estar imaginando os termos de amor, amor, amor, vai mais!
– É uma loucura, cara, também escuto esse tipo de coisa e me lembro de um casal com esse estilo tarado de transar quando morava em Salvador num prédio de apartamento. Batia o silêncio da madrugada e aí o pau comia. Outros são bem mais discretos na cama.
– Certos animais também têm esse comportamento selvagem dos humanos. Quem já não ouviu uma transa de gatos no telhado! Um negócio de louco! A Gata solta miados e sons estridentes. Eu que diga aqui em minha casa. É tanto barulho que me atrevo a interferir, mesmo sabendo que não tenho esse direito de empatar o amor ou a f… de ninguém.
Posso até ser processado e preso pelos defensores dos direitos animais por importunação e constrangimento ao amor (os humanos não ficam fora), mas é demais e não consigo suportar os chiados que me atrapalham esse tipo de som da madrugada.
Se os sons do silêncio da madrugada urbana chamam a atenção e lhe dão mais inspiração para escrever, filosofar consigo mesmo, refletir e poetar, agora pense como não é no campo, principalmente em noite de lua cheia que prateia o terreiro do seu chão. Lembrei dos uivos dos lobos, coiotes e até do lobisomem.
Lá você curte mais o vento bater na comieira da casa, o casco do cavalo, do burro ou da mula na estrada com seu cavaleiro, no galope cadenciado, o ranger dos galhos das grandes árvores na mata, e o sertanejo percebe de longe quando alguém se aproxima da sua casa.
Posso dizer que é um som mais poético porque já vivi por muito tempo na zona rural, inclusive naqueles tempos que não havia energia elétrica e nem televisão, quando muito um rádio cheio de ruídos. Meu pai sentia até quando um animal se aproximava do nosso rancho. São coisas do homem do campo.











