No livro “Intelectuais das Áfricas”, o filósofo argelino Malek Chebel se debruçou nas questões da cultura árabe-islâmica, enquanto a socióloga ativista marroquina tratou dos problemas da submissão e dos direitos das mulheres mulçumanas, com base na legislação e na religião do islã.

O pensamento de Chebel (1953-2016) é interpretado pelo historiador Murilo Sebe Bom Meihy quando escreve que o trabalho do filósofo merece destaque por retirar o monopólio do conhecimento científico das mãos dos analistas europeus, e por romper a dura supremacia dos teólogos e pensadores do Oriente Médio clássico em relação aos temas e debates sobre o islã.

Murilo destaca ainda que, “no contexto de reconstrução nacional após a independência, uma geração de jovens, incluindo Chebel, tentava sobreviver no interior de uma conjuntura política centralizadora dominada pelos líderes da emancipação, e marcada pelo flerte com o pan-arabismo, o socialismo terceiro mundista da Guerra Fria, e a crença em uma revolução social, política e cultural que não se limitasse às fronteiras da Argélia recém-criada.

De acordo com o historiador, autor de dezenas de livros, a obra de Chebel pode ser dividida em três áreas, tais como, os estudos mediterrâneos, a quebra da imagem do islã como uma ameaça para o Ocidente e a relação entre cultura e sexualidade no islã. Entre suas obras primas, Murilo cita L´esclavage em Terre d´Islam, de 2007.

Na questão sobre as formas de servidão, Murilo diz que o filósofo redireciona a bússola cultural africana para o Oriente, conectando o espaço mediterrâneo do islã ao infame caminho da escravidão que parte do Magrebe (Líbia, Tunísia, Argélia, Marrocos e Mauritânia) para o Golfo Pérsico, não antes de deixar um rastro de sofrimento envolvendo negros, brancos, europeus, africanos, crentes e infiéis.

Nesse sentido, Chebel constrói uma geografia da escravidão quando se relaciona ao território da África. Afirma em sua obra que partes específicas da rota comercial dos escravos tinham uma função bem determinada no interior da cultura escravista desenvolvida nas terras do islã. Assinala que o Egito era o cérebro do tráfico de escravos.

A QUESTÃO DO FEMINISMO

Sobre Fatema Mernissi, a abordagem coube a Isabelle Christine de Castro, doutora em História Social. Ela afirma que Fatema desenvolveu em suas obras a questão do feminismo. “Dedicou-se em sua vida (faleceu em 2015) a demonstrar a necessidade de combater o discurso de uma elite sobre uma propalada inferioridade feminina que, ao contrário do que é disseminado, não teria apoio nas escrituras religiosas”.

Assinalou que Fatema deixou bem claro em seus livros a força da mulher magrebina, mulçumana e africana com seu próprio exemplo ao desafiar o patriarcalismo global. A socióloga argumentava que, mesmo que a religião conceda privilégios aos homens, não há indicações inquestionáveis nos textos religiosos que justifiquem uma posição de subordinação às mulheres.

Isabelle enfatiza que a marroquina sempre questionou premissas tradicionais em busca de demonstrar que a igualdade de gênero não é apenas uma necessidade social, mas uma demanda da religião que se instalou na região há cerca de 14 séculos.

“Mernissi (nasceu na cidade de Fez no ano de 1940) fez parte de uma geração de marroquinas que se beneficiou da abertura promovida para a educação feminina, pouco antes da independência do Marrocos, em 1956. Ela fez doutorado em sociologia, em 1973. Ao contrário de outras mulheres ativistas, como a médica egípcia Nawal el Saadawi, a marroquina não se afastou da religião para combater a privação de direitos que muitas sociedades mulçumanas impõem à metade de seus cidadãos. Ela sempre tentou combater a subordinação feminina usando como arma os ensinamentos ligados ao islã”.

Igual a ela, muitas ousaram desafiar o mundo patriarcal, especialmente no campo da política. “Fatema optou por desafiar o establishment religioso em seus próprios termos, ao acusá-lo de promover uma interpretação equivocada dos fundamentos do islã relativos aos direitos da família. Criticou a falta de políticas estatais para atacar as desigualdades e denunciou o impacto delas sobre as mulheres. Preferiu criticar as bases do discurso religioso”.

Nesse capítulo dedicado à socióloga pela historiadora Isabelle, vamos ainda falar sobre o véu, o harém e as fronteiras e a revolução da informação.