Carlos González – jornalista

“Senhora prefeita, quando vamos começar a receber a terceira dose da vacina contra a Covid-19? Salvador e cidades com populações inferiores à nossa estão bem adiantadas nesse procedimento, que é vital para nossa completa imunização. A pergunta vem sendo feita com insistência pelo público-alvo da campanha, os maiores de 70 anos. O enfrentamento da doença nunca foi prioridade da Prefeitura de Vitória da Conquista, mas temos que admitir que há uma maior dedicação por parte da prefeita Sheila Lemos, se avaliarmos as medidas adotadas por seu antecessor Herzem Gusmão (1948-2021) na fase mais árdua da pandemia.

Observando que na corrida pela vacinação Conquista estava atrás de outros municípios baianos, a prefeita promoveu mutirões e abriu novos postos, redimindo-se dos erros cometidos no início de sua gestão, que resultaram no registro de uma média diária de quatro óbitos, ameaça de rompimento do contrato com a Santa Casa de Misericórdia, aumento do número de pessoas com sintomas da doença. Mal assessorada, a gestora, contrariou decretos estaduais, relacionados com o funcionamento do comércio, de bares e restaurantes, controle sobre os eventos sociais e evangélicos, evidenciando claramente a prática de Desobediência Civil.

A insubordinação foi muito mais ostensiva na gestão passada. Herzem ignorou os protocolos indicados pela OMS para evitar a contaminação, assim como travou uma guerra de palavras com o governador Rui Costa, no período mais letal da pandemia, que tirou a vida de mais de 650 conquistenses. Acreditava no Messias, que zombava daqueles que tinham pânico de uma “gripezinha”, responsável pela morte de quase 600 mil brasileiros.

Com a suspensão das viagens para fora do município, a Prefeitura conquistense fechou os olhos para os ônibus clandestinos que vinham de São Paulo. Sem a fiscalização da Vigilância Sanitária, a ocupação dos leitos de UTI nos três únicos hospitais públicos chegou a 98%. Os pacientes com recursos eram transferidos para os hospitais Sírio-Libanês e Albert Einstein.

Lamentavelmente, Herzem Gusmão não viveu para ler o parecer do Ministério da Saúde sobre a eficácia da cloroquina no combate à Covid-19.  Na linha de frente da vanguarda bolsonarista, o ex-prefeito defendeu o medicamento, recusado até pelas emas do jardim do Palácio do Planalto.

A reeleição, contestada na Justiça pelos adversários políticos, e a construção de uma estação de passageiros – imprópria para os dias chuvosos -, onde foram gastos R$ 10 milhões, verba que poderia ser aplicada na construção e aparelhamento de um hospital de campanha, foram as metas de Herzem em quatro anos. Seus principais consultores foram figuras políticas nacionais condenadas pelo Supremo, os irmãos Lúcio e Jeddel Vieira Lima e o amotinador Roberto Jefferson, sendo que os dois últimos já passaram temporadas atrás das grades.

O episódio crucial dessa discórdia com Rui Costa ocorreu em 23 de julho de 2019, data de inauguração do Aeroporto Glauber Rocha, de propriedade do governo do Estado. Herzem assumiu a condição de anfitrião, convidando Bolsonaro para a solenidade, o que provocou a ausência do governador.

Vale lembrar que foi nessa visita a Conquista que o presidente inaugurou o ciclo de viagens pelo país para inaugurar obras alheias, cujas despesas chegam hoje a R$ 20 milhões. Impossibilitado de ir a Luanda para fazer a defesa da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), acusada pelo governo de Angola de lavagem de dinheiro e evasão de divisas, Bolsonaro enviou o seu vice, Hamilton Mourão e 17 servidores, numa viagem que custou R$ 1 milhão aos cofres públicos. A comitiva ouviu um “não” do presidente angolano José Lourenço aos pedidos de reabertura dos templos evangélicos e a revogação do ato de expulsão do país africano de mais de 50 pastores.

Ciumeira

O grupo político – a maioria dos seus membros navega de acordo com a direção do vento – que se apoderou do poder em Vitória da Conquista, após a queda do PT, acreditava que a vitória de Herzem Gusmão para um segundo mandato lhe dariam, pelo menos, mais quatro anos ocupando cargos nos primeiro e segundo escalões da municipalidade.

Imaginavam os herzistas de carteirinha – muitos deles ex-petistas – que uma lojista, sem experiência em administração pública, seria uma marionete no comando do município. Aproveitando o clima favorável, os que estavam na espreita, em busca de vantagens, fizeram juras de fidelidade a Sheila Lemos.

O adesismo invadiu os partidos políticos e o Legislativo, onde a oposição perdeu quatro vereadores, inclusive o ex-jogador de futebol Chico Estrella, que se elegeu criticando Herzem. Especialista em marcar “gols contra” como político, Estrella, que não sabe explicar o porquê de ter “pulado o muro” depois de uma conversa com a prefeita, dá uma versão errônea da ditadura de 64: “Foi uma intervenção militar feita a pedido do povo e das instituições democráticas, que não suportavam mais a corrupção generalizada”, definiu ao blog “Conquista Repórter”.

Claudicante nos primeiros meses, Sheila Lemos aos poucos mostrou ao povo e aos políticos, aqueles que se diziam seus apoiadores, qual é seu estilo de governar. Afastou os infiéis e elegeu como seu conselheiro político e administrativo ACM Neto, presidente nacional do DEM, seu partido.

O ex-prefeito de Salvador tem como uma de suas virtudes a capacidade de dialogar em alto nível, mesmo com oponentes históricos, como se deu com Rui Costa. Juntos, reuniram suas forças para enfrentamento da pandemia na capital baiana, A parceria foi destaque na imprensa nacional. “O exemplo que vem da Bania”, ressaltou a revista “Veja”. O ato humanitário não sensibilizou Herzem a procurar o governador, ignorando os conselhos dos seus correligionários.

Essa prática de conversar com todos e para todos, visando o bem-estar da população, despertou o ciúme dos costumeiros aduladores. A presença de parlamentares do PT e do PCdoB nos gabinetes e corredores da prefeitura seria improvável na gestão de Herzem Gusmão, que identificava os oponentes políticos como perigosos comunistas.  Recentemente, representantes de Vitória da Conquista no Congresso Nacional, o petista Waldenor Pereira, e na Assembleia Legislativa, Zé Raimundo (PT) e Fabrício Falcão, foram recebidos por Sheila Lemos. Nesses encontros, em clima de civilidade, eles prometeram continuar incluindo o município como beneficiário das verbas orçamentárias.

A direita golpista e os religiosos fanáticos comentam revoltados nas esquinas e nos bares o fato de a prefeita não ter se posicionado em favor da reeleição de Bolsonaro, e de não ter participado das manifestações antidemocráticas do último dia 07, convocadas pelo militar cuja carreira foi interrompida pelo exército, por tentativa de colocar bombas nos quartéis.

 

 

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