PELOS SOFRIMENTOS A QUE FORAM SUBMETIDOS DURANTE SÉCULOS, PRATICAMENTE DIZIMADOS PELOS NAZISTAS DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1938 A 1945), TODA NAÇÃO CIGANA MERECE UMA AÇÃO REPARADORA POR PARTE DA HUMANIDADE, QUE COMETEU BÁRBAROS CRIMES CONTRA UM POVO QUE NUNCA TEVE UMA PÁTRIA.

Entre os séculos XVI a XIX, e ainda no início do XX, por mais de 400 anos, os ciganos (vários nomes por onde passaram) foram vítimas de horríveis crueldades, principalmente nos países europeus do ocidente e do oriente (Império Austro-Húngaro e Império Otomano), como torturas, marcados com ferro em brasa, esquartejamento, enforcamento, separação de suas famílias, trabalhos forçados nas galés, orelhas cortadas, escravidão e outros tipos de barbaridades.

O holocausto dos judeus é bastante conhecido no mundo, mas pouca coisa se sabe sobre os crimes desumanos cometidos durante séculos por reis, rainhas, títeres, príncipes, tiranos sanguinários, condes, duques, policiais, pela Igreja Católica e pela nobreza em geral. França, Espanha, Inglaterra, Alemanha, Hungria, Romênia, Escócia e Holanda foram os países que criaram leis e decretos mais severos de caça aos ciganos.

SEM ORGANIZAÇÃO POLÍTICA

Quase tudo foi apagado da memória desses povos, porque os ciganos, pela própria natureza de suas origens nômades, sempre foram desprovidos de uma organização social e política, para denunciar as atrocidades sofridas e cobrar sua dívida, como fez a comunidade judaica que puniu em tribunais os culpados assassinos. Como os negros africanos, viveram mais de 300 anos de escravidão (Valáquia e Moldávia – Romênia), sendo acorrentados, açoitados, mortos e vendidos em leilão pela nobreza, pela Igreja Católica (mosteiros) e donos de propriedades.

Os tempos mais macabros foram entre os séculos XVII ao XIX, e tudo isso é contado pelo inglês Angus Fraser, acadêmico e uma autoridade no assunto em seu livro “História do Povo Cigano”, com base em profundas pesquisas de escritores, achados arqueológicos, arquivos documentais de vários países, narrações de viajantes, testemunhos e matérias em jornais da época.

Trata-se de uma obra investigativa sobre as origens dos ciganos na Índia (outras teorias falam de egípcios e gregos), para depois traçar um quadro das migrações, desde o começo da Idade Média até hoje. De província em província, circularam pelo Oriente Médio, Armênia, países balcãs (Sérvia, Croácia), pela Europa e pelo resto do mundo. Pela sua semelhança linguística (fonética, morfologia e sintaxe) e antropologia física, tudo indica que a língua Romani veio do Hindi (Hindu) depois do sânscrito.

Chamados de egípcios, sarracenos e tártaros, os ciganos sempre foram conhecidos pelas suas músicas e danças, pelo talento para trabalhar metais, adestrar ursos, ler a sina e negociar objetos e animais, sobretudo cavalos. Diante de todas as adversidades dos preconceitos das populações, vistos como trapaceiros, vagabundos, vadios, ladrões, preguiçosos e até raptadores de crianças, os ciganos sempre foram criativos para manter sua sobrevivência, atuando no mercado como exímios empreendedores.

Ao longo dos séculos, conseguiram preservar sua herança cultural, ultrapassando fronteiras. Desde seu aparecimento na Europa, há mais de nove séculos, sempre recusaram adotar uma vida sedentária e convencional, mesmo diante de todas as pressões vividas. Continuam sendo incompreendidos e ultrajados, mas mantendo suas identidades, conforme concluiu o autor do livro.

PÉRSIA, IMPÉRIO BIZANTINO E OS BALCÃS

Na lenda, o historiador árabe Hanza de Ispahan (950), relata que o monarca persa (Irã) Bahram Gur, cujo reinado terminou em 438, depois de decidir que seus súditos deveriam trabalhar metade do dia e passar o resto do tempo a comer, beber e farrear em companhia de um som musical, um dia encontrou um grupo que trazia vinho, mas não tinha músicos.

Ao censurar por não estar com uma banda, um dos membros explicou que havia tentado contratar os serviços de um músico, mas não conseguiu encontrar ninguém. Então, o monarca conversou com o rei da Índia e solicitou para lhe mandar 12 mil músicos, que foram distribuídos por várias partes da Pérsia. Os seus descendentes, conhecidos como Zott, ainda por lá viveram.

Meio século mais tarde, essa versão é encontrada no poema épico nacional que narra a história do país em 60 mil versos (Livro dos Reis), de Firdawsi, que se refere a um pedido feito por Bahram Gur ao rei Xangul, da Índia, de músicos e artistas, “porque aqui os indigentes bebem vinho sem música, e a classe abastada não pode aprovar esse estilo”. O rei, então, enviou dez mil homens e mulheres que tocavam o alaúde.

No poema, este povo é conhecido também como os Luri, e o persa deu a eles trigo, gado e burros, e despachou-os para as províncias para que pudessem trabalhar como lavradores e também fazer música para os pobres. Acontece que os Luri, em um ano, consumiram tudo no esbanjamento, na farra.

O monarca ficou irado e ordenou que eles passassem a viver de suas canções e de suas chiadeiras de seda por conta própria. No entanto, todo ano deviam viajar pelo país e cantar para o povo da alta e da baixa condição. “Os Luri, a quem este mandado agradou, andam agora pelo mundo procurando serviços, na companhia de cães e lobos, e roubando pelos caminhos, de dia e de noite”.

Pela lenda, tudo indica que se tratava de um povo cigano que começou seu êxodo no tempo de Bahram Gur, mas o grupo deve ter se estabelecido na Pérsia muito antes do século X. O interessante é que os nomes Zott e Luri ainda são persas para ciganos na Síria, na Palestina e no Egito, para onde eles adentraram com seus bandos e tendas.

NÔMADES PEREGRINOS E SALVO-CONDUTOS

Esse evento da primeira entrada dos ciganos em territórios cristãos foi registrado pelo cronista árabe Tabari, que conta que um grande número foi feito prisioneiro, em 855, quando os bizantinos atacaram a Síria e depois expulsaram esse pessoal, que passou a viver em outras nações como nômades.

Muitos deles passaram a vagar, de acordo com o autor do livro, pela Armênia, Grécia (sua língua Romani sofreu muita influência do grego) e pelos países Balcãs. Desses lugares partiram para a Europa oriental e depois ocidental, por volta do século XV (início dos anos 1400).

Para serem aceitos se diziam peregrinos cristãos vindos do Egito onde foram “condenados” a viver de lugar em lugar porque um bando de sua gente se recusou a receber a Família Sagrada (Maria, José e o Menino Jesus) em suas tendas, quando, perseguida por Herodes, fugia pelo deserto.

Em outras passagens das escrituras, contam que foi um padre (Miguel) que espalhou essa lenda, e que os ciganos foram amaldiçoados pela Igreja a viverem assim como errantes, para se redimirem da recusa de não terem acolhido o Infante.

Certo, ou não, como peregrinos (muitos diziam seguir para Roma se encontrar com o Papa) eram melhor aceitos onde chegavam e até recebiam auxílio em dinheiro e alimentos. Se autodenominavam de Egípcios, e assim passaram a ser chamados nos lugares por onde andavam.

Nos séculos XV, XVI e XVII, os ciganos conseguiram salvo-condutos de reis, rainhas, imperadores, condes, duques, fidalgos e até do Papa (muitos eram falsificados), para atravessar a Europa, e muitos chegaram a ser condes e duques como chefes de seus bandos. Sentaram nas mesmas mesas dos nobres e fizeram apresentações nas cortes reais, recebendo em troca apoios financeiros e somas em mantimentos.

Com o passar do tempo, esses salvo-condutos foram sendo desacreditados de principado em principado, dando lugar às perseguições e expulsões em territórios por onde transitavam. Para se livrarem das prisões, muitas delas com torturas e mortes, os ciganos se escondiam em lugares mais inóspitos, como florestas fechadas, cavernas e entre fronteiras onde pudessem se deslocar de um país para outro.