SÓ SOBROU O VELHO BENDENGÓ
Numa tragédia anunciada por negligência do governo federal, do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional e dos dirigentes do Museu Nacional, a instituição cultural, memória maior do nosso país, foi vítima de um trágico incêndio, em 2018, e só sobrou o meteorito Bendengó, descoberto em 1784, na região de Monte Santo, na Bahia.
Estive lá esta semana visitando a Quinta da Boa Vista, residência oficial de D. João VI, D. Pedro I e II e, mais uma vez, vieram aquelas imagens das labaredas destruindo literalmente o nosso patrimônio nacional, tudo porque os nossos governantes pouco dão importância para a nossa cultura. Foi mais uma história que se perdeu.
Para tapear os brasileiros, depois de sete anos, reabriram somente a entrada com algumas peças e quadros onde narra a história da Quinta, com destaque para o meteorito, cujo processo de transporte se deu em 1887 por D. Pedro II, finalizando em 1888, ano da libertação dos escravos.
Sobre o Bendengó, foi encontrado por um menino que pastoreava gado na região. A primeira ideia era de levá-lo para Salvador, mas o peso dificultou o transporte e acabou caindo no riacho do mesmo nome. Em 1887, D. Pedro II, através de cientistas europeus, ordenou que o meteorito fosse para o Rio de Janeiro, capital do império.
O processo foi feito mediante a construção de uma carreta especial que podia se mover sobre trilho e rodas. O meteorito chegou em 1888 e foi entregue ao arsenal da Marinha. Posteriormente foi transferido para o Museu Nacional e, naturalmente, o meteorito resistiu ao fogo anunciado.
A Quinta da Boa Vista, onde hoje está estabelecido o Museu Nacional, foi criada em 1803 quando Elias Antônio Lopes construiu um casarão no local. Mais tarde tornou-se residência da família real portuguesa no Brasil, renomeada Quinta da Boa Vista devido à sua localização com vista para a Baia de Guanabara.
A área era uma fazenda dos jesuítas, sendo desmembrada e transformada em propriedade privada do senhor Elias Lopes, após a expulsão da ordem. Em 1808, a Quinta foi doada a D, João VI e se tornou residência oficial da família real até a proclamação da República, em 1889.
Depois disso, o palácio foi adaptado para abrigar o Museu Nacional, e a área em redor foi transformado num parque público bastante aprazível para o lazer das pessoas que passam o tempo com o celular na mão, ao invés de um livro. A Quinta também inclui o Jardim Zoológico.
Todo o museu, por total negligência (os culpados deveriam ter sido punidos) foi destruído pelo fogo em 2 de setembro de 2018. O incêndio começou no auditório e consumiu a maior parte do acervo de mais de 20 milhões de itens e causou danos significativos ao prédio naquela noite de terror.
Foram retiradas algumas obras dos escombros naquele ano, mas a recuperação da fachada e do telhado só teve início em 2021, o que demonstra, mais uma vez, desprezo pelo nosso patrimônio histórico no Brasil que, em geral, não é preservado e conservado como deveria ser.
O incêndio teve início em razão de uma falha no sistema de ar condicionado em um dos auditórios. Um curto-circuito deu início às chamas. A instalação elétrica apresentava irregularidades, incluindo falta de aterramento e disjuntor inadequado, coisa de casa antiga onde o dono não cuida e até faz “gatos”.
De acordo com informações dos próprios dirigentes, que foram premiados em seus cargos, toda reconstituição do Museu Nacional só será concluída em 2028. “Foi negligência mesmo” – disse um funcionário em conversa reservada. Esse é o prazo que eles dão, mas, como estamos no Brasil, essa data pode se estender para além de 2030.
Só para se ter uma dimensão de como aqui não se dá a devida atenção para a nossa memória, sempre se alegando falta de recursos, um ano depois, em 2019, um incêndio destruiu também a Catedral de Notre-Dame. Sua reforma milionária já foi concluída pelo governo francês. Aqui fica-se dependendo de doações e ainda superfaturam os serviços.
Sobraram também as marcas do incêndio nas paredes