DO ALGODÃO E DA CANA
De autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário, extraído do seu livro NA ESPERA DA GRAÇA
Na mistura da pluma do algodão,
Com o melaço engenho da cana,
Nasceram o blues e o samba,
E os dois acorrentados vieram,
No aço do negreiro navio porão,
Arrancados da mãe nação africana.
Das lavouras do algodão veio o blues,
No lamento Mississipi e do Alabama;
O samba jorrou do bagaço da cana,
Ao som dos tambores do terreiro baiano,
Com a dança dos bantos aos seus santos,
No pilão do café com cuscuz nigeriano.
Das marcas dos chicotes lacerantes,
Do branco ianque norte-americano,
Do suor escorreu a saudade do Congo,
Onde o filho em seu peito amamentou,
Cresceu livre igual a ave e o calango,
Em sua tribo com sua gente de cantantes.
No castigo do tronco gemido de dor,
E no estupro das escravas africanas,
Chorando em seu leito o sujo sêmen,
Do escravista senhor que na noite vem,
Germinaram o blues, o samba e o sonho,
De uma igualdade que ainda não chegou.
No pisado do blues, e no passo do samba,
Ainda estão abertas feridas das chibatas,
Cicatrizes do eito do algodão e da cana,
Dos negros fugidos, caçados nas matas,
Para escapar dos horrores da escravidão,
Que manchou de sangue nosso chão.