UM PACOTINHO DE PAZ
(Chico Ribeiro Neto)
Ainda bem não se recuperou da Black Friday, Dona Liquida vai ao ataque nas compras de Natal; ela, que não perde uma promoção e corre atrás de sorteios. “Tempo bom era quando a gente podia comprar tudo e pagar em 36 meses”, diz saudosa.
Tá todo mundo oferecendo 1 milhão de reais. Tem até uma rede de lojas que está oferecendo 1 milhão e meio. E Dona Liquida corre atrás, vai a todas e já deu até entrevista pra TV dizendo o que é que vai fazer com 1 milhão: “Comprar um bocado de coisa que tá precisando lá em casa”.
Dona Liquida foi atrás da promoção de um shopping que oferece um prato decorado por um artista renomado. Mas tem que comprar 700 reais e botar mais 10 pra poder ganhar o prato. Ela, que só tinha gasto 500 nesse shopping, correu logo pra gastar mais 200 pra ganhar o prato, depois de acrescentar mais 10.
Ela, que já acorda cantando Jingobel, descobriu essa semana que o presépio da casa está velho. “Esse Menino Jesus tá muito sujinho”. Comprou um Menino Jesus maiorzinho. “Na Carlos Gomes eu vi uns Reis Magos lindos”.
Se Dona Liquida fosse uma Rainha Maga, não levaria só ouro, incenso e mirra. Levava um carrinho de supermercado, desse grandão, cheio de compras para a Sagrada Família. “Imagine quantos cupons eu não ia ganhar?”
E a árvore? “Essa sala tá precisando de uma árvore maior”. Dona Liquida passa as noites preenchendo cupons. Já aprendeu a entrar na Internet para se cadastrar em outros sorteios. Comprou ontem 10 detergentes porque dá direito a um cupom pra ganhar um carro.
Ela tem cartão de tudo que é loja. Quando a coisa aperta, corre pro cartão da irmã.
“É pena que tá perto de acabar o Natal”, diz Dona Liquida, “mas já tô pensando nas bandeirolas para Carnaval, e depois vem o São João. Minha filha, vi uns balõezinhos lindos na Avenida Sete”.
Dona Liquida, que mora sozinha e já comprou o caixão numa promoção, sonha na noite de Natal não com um sapatinho, mas com um container transbordando de presentes. “Quantos cupons não dão aqui, hein?”
(Trecho final da crônica “Presente para a Senhora”, de Carlos Drummond de Andrade:
“ – Não precisam tomar trabalho comigo. Nem fazer despesa. Fico muito grata a vocês pela intenção. Basta cada um me trazer um pacotinho de paz, ouviram?
– Onde a gente arranja isso, mãe?
– Sei lá. O melhor é não procurar muito. Tragam pacotinhos vazios. A paz deve estar lá dentro.”)
Feliz Natal a todos os meus leitores.











