(Chico Ribeiro Neto)

Sete da noite, mamãe Cleonice me chamava: “Sai do sereno, Chiquinho, senão você adoece!”

Eu ficava pensando que diabo era esse sereno, um negócio que a gente nem vê e faz mal. A chuva, pelo menos, a gente vê.

Os barquinhos de papel, feitos com folhas de caderno, desciam a enxurrada. Tinha vontade de escrever o nome nos barquinhos: “Chico I”, depois viriam “Chico II”, “Chico III”, até o oitavo. E essa frota desceria o rio de Contas, passaria em Barra do Rocha, Ubatã, Ubaitaba, Aurelino Leal e Itacaré, onde desfilaria no Oceano Atlântico.

Falar em escrever, já escrevi um bilhete e o coloquei numa garrafa que joguei no mar do Unhão. Era adolescente, já em Salvador, não lembro mais o que escrevi. Se fosse hoje, eu escreveria: “Um náufrago em terra firme”.

De volta a Ipiaú. Depois da chuva (ou antes, não lembro) a  gente ia à noite pra ver as mariposas em volta da lâmpada dos postes. Aposta para ver quem conseguia contar quantas mariposas estavam a voltear.

Tem coisa mais gostosa do que um banho de bica? Era uma festa para a meninada, aquele toró caindo na cabeça da gente. Na hora de dormir, sentir aquele leve chuvisco que caía do telhado e vinha borrifar a cabeça, e se cobrir com uma coberta Dorme Bem, que espinhava e esquentava.

Usei galochas para ir à escola primária. Galocha era um calçado todo de borracha que se calçava sobre o sapato de couro para não molhá-lo em dia

de chuva. Não sei por que se chama um cara muito chato de “chato de galocha”. Talvez seja porque era chato calçar a galocha: a borracha embolava na ponta e no calcanhar.

As tanajuras apareciam no período de chuva. A gente enfiava um palito na bunda da tanajura só para ouvi-la vibrar as asas. Ela acabava morrendo. Menino tem arte do capeta. “Cai, cai, tanajura, na panela da gordura”, todos cantavam. A bunda de tanajura frita ou na farofa é muito apreciada no Nordeste. “A tanajura é rica em proteínas e minerais e tem um perfil de ácidos graxos semelhante ao da carne do boi e do porco”, dizem os especialistas.

 

Vovô Chico fez um tanque de cimento que saía do chão, na área de serviço da casa (entre a cozinha e o quintal), para aparar água de chuva, pois ainda não havia água encanada. Era a chamada água de gasto, para limpeza e banheiros. A de beber era comprada dos aguadeiros, homens que traziam os carotes de água nos burros e passavam de casa em casa descarregando-os nos porrões de barro. Duas bicas conduziam a água da chuva para o tanque que era fechado com madeira pra não cair bicho dentro. Eu gostava de subir num banquinho pra brincar com a água do tanque.

Na enchente descia de tudo pelo rio de Contas: bois, galinhas, porcos, melancias, abóboras, pedaços de cerca, árvores, um cenário de destruição.

Vinte e poucos anos. Namorar de noite, debaixo de chuva, na praia de Amoreira. Outra bela lembrança.

Começa a chover no Chame-Chame, em Salvador, tô sem guarda-chuva e começo a correr. “Vai devagar, meu tio, que o senhor pode escorregar. E velho não pode cair, não é?”

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