:: 17/jul/2025 . 23:57
NÃO SE VIAJA MAIS COMO ANTIGAMENTE
Acho que nunca ouvi ninguém dizer que não gosta de viajar! Sempre se diz que viajar é conhecer pessoas, outras culturas e adquirir conhecimento e saber, mas muita coisa mudou nos últimos tempos com o advento da tal tecnologia, principalmente do celular.
Seja de ônibus, de avião ou carro particular (no passado tínhamos o saudoso trem), as pessoas ao lado se comunicavam muito mais durante a viagem. Entabulavam uma boa prosa e, no destino final, cada um se tornava conhecido do outro. Tornavam-se até amigos que depois se correspondiam pelo resto da vida.
Fui ao Rio de Janeiro semana passada de avião, meu amigo, com conexão em Guarulhos, fazendo o mesmo percurso na volta, e fiquei observando o comportamento das pessoas. Parece que não pertencemos mais à espécie humana. Aliás, até acho que não sou mais dessa espécie!
Antigamente, isto há uns 30 ou 40 anos, a pessoa antes de se sentar na cadeira – era espaçosa – ia logo dando um bom dia, boa tarde ou boa noite. A partir dali se começava um papo saudável que você nem sentia passar o tempo. Até quem tinha ou ainda tem medo de avião, terminava se descontraindo, se relaxando. Nem dava para perceber a turbulência, ou quando ocorria, o outro lhe acalmava.
– Olá, você mora aonde e vai para onde? Vai a passeio ou a trabalho? Ah, se ainda não conhece a cidade, vai gostar! Não deixe de visitar tais e tais pontos. Já fui várias vezes e adorei, sempre estou voltando lá. A conversa ia se esticando tanto que duas horas mais pareciam dez minutos.
Hoje o passageiro entra no ônibus ou no avião com a cara fechada, de celular na mão, e nem faz uma saudação. Se puder lhe dar um chega pra lá, como se o outro não passasse de mais um animal inimigo, um bicho a lhe atormentar.
Na ida, por desatenção, sentei na poltrona errada, ao lado da janela. – Este lugar aí é meu. Você está na cadeira errada – disse de lá o sujeito que quase nem olhou para mim. Nem ao menos considerou minha idade. A gentileza é zero e não adianta puxar conversa.
Fiquei apertado entre dois idiotas de cabeça baixa grudados no celular durante quase duas horas de viagem. Como levei um livro, prontamente abri meu velho sábio amigo e fui proseando com ele. Mesmo concentrado na leitura, não conseguia e não consigo entender como o ser humano mudou tanto, e para pior!
Imaginei os velhos tempos de repórter quando voava pelo Brasil a trabalho. Os parceiros ou parceiras de cadeiras, bem mais confortáveis e com serviço a bordo de primeira, iam jogando conversa fora e até tomando uma bebida. A aeromoça, como se chamava, lhe cumprimentava com um sorriso no rosto. Tudo isso se acabou.
Ah, que saudades daqueles tempos! Viajar de avião atualmente é aquele tédio, a começar pelo aeroporto. É aquela checagem ou secagem que só falta lhe deixar de cueca, ou calcinha, se for mulher. Se você inventar de tomar um cafezinho simples numa lanchonete, custa dez reais.
Quando decola, lá vem aquela gente com um carrinho lhe dando um saquinho de plástico com uns grãos de batatinha com gosto de papel, uma água ou uma merda de um refrigerante. Na cadeira, você mais parece um sanduiche que não dá nem para estirar as pernas.
Nas cidades grandes, você vai visitar os pontos turísticos e lá está aquele moço ou moça sisudos lhe dando ordens. Ninguém fala com ninguém nas ruas, num bar, num restaurante ou ponto de ônibus. É cada um com o celular na mão. Nem peça uma informação que a pessoa não lhe ouve, a não ser que se dê um grito para o estúpido. Cuidado, ele pode lhe esmurrar!
SÓ SOBROU O VELHO BENDENGÓ
Numa tragédia anunciada por negligência do governo federal, do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional e dos dirigentes do Museu Nacional, a instituição cultural, memória maior do nosso país, foi vítima de um trágico incêndio, em 2018, e só sobrou o meteorito Bendengó, descoberto em 1784, na região de Monte Santo, na Bahia.
Estive lá esta semana visitando a Quinta da Boa Vista, residência oficial de D. João VI, D. Pedro I e II e, mais uma vez, vieram aquelas imagens das labaredas destruindo literalmente o nosso patrimônio nacional, tudo porque os nossos governantes pouco dão importância para a nossa cultura. Foi mais uma história que se perdeu.
Para tapear os brasileiros, depois de sete anos, reabriram somente a entrada com algumas peças e quadros onde narra a história da Quinta, com destaque para o meteorito, cujo processo de transporte se deu em 1887 por D. Pedro II, finalizando em 1888, ano da libertação dos escravos.
Sobre o Bendengó, foi encontrado por um menino que pastoreava gado na região. A primeira ideia era de levá-lo para Salvador, mas o peso dificultou o transporte e acabou caindo no riacho do mesmo nome. Em 1887, D. Pedro II, através de cientistas europeus, ordenou que o meteorito fosse para o Rio de Janeiro, capital do império.
O processo foi feito mediante a construção de uma carreta especial que podia se mover sobre trilho e rodas. O meteorito chegou em 1888 e foi entregue ao arsenal da Marinha. Posteriormente foi transferido para o Museu Nacional e, naturalmente, o meteorito resistiu ao fogo anunciado.
A Quinta da Boa Vista, onde hoje está estabelecido o Museu Nacional, foi criada em 1803 quando Elias Antônio Lopes construiu um casarão no local. Mais tarde tornou-se residência da família real portuguesa no Brasil, renomeada Quinta da Boa Vista devido à sua localização com vista para a Baia de Guanabara.
A área era uma fazenda dos jesuítas, sendo desmembrada e transformada em propriedade privada do senhor Elias Lopes, após a expulsão da ordem. Em 1808, a Quinta foi doada a D, João VI e se tornou residência oficial da família real até a proclamação da República, em 1889.
Depois disso, o palácio foi adaptado para abrigar o Museu Nacional, e a área em redor foi transformado num parque público bastante aprazível para o lazer das pessoas que passam o tempo com o celular na mão, ao invés de um livro. A Quinta também inclui o Jardim Zoológico.
Todo o museu, por total negligência (os culpados deveriam ter sido punidos) foi destruído pelo fogo em 2 de setembro de 2018. O incêndio começou no auditório e consumiu a maior parte do acervo de mais de 20 milhões de itens e causou danos significativos ao prédio naquela noite de terror.
Foram retiradas algumas obras dos escombros naquele ano, mas a recuperação da fachada e do telhado só teve início em 2021, o que demonstra, mais uma vez, desprezo pelo nosso patrimônio histórico no Brasil que, em geral, não é preservado e conservado como deveria ser.
O incêndio teve início em razão de uma falha no sistema de ar condicionado em um dos auditórios. Um curto-circuito deu início às chamas. A instalação elétrica apresentava irregularidades, incluindo falta de aterramento e disjuntor inadequado, coisa de casa antiga onde o dono não cuida e até faz “gatos”.
De acordo com informações dos próprios dirigentes, que foram premiados em seus cargos, toda reconstituição do Museu Nacional só será concluída em 2028. “Foi negligência mesmo” – disse um funcionário em conversa reservada. Esse é o prazo que eles dão, mas, como estamos no Brasil, essa data pode se estender para além de 2030.
Só para se ter uma dimensão de como aqui não se dá a devida atenção para a nossa memória, sempre se alegando falta de recursos, um ano depois, em 2019, um incêndio destruiu também a Catedral de Notre-Dame. Sua reforma milionária já foi concluída pelo governo francês. Aqui fica-se dependendo de doações e ainda superfaturam os serviços.
Sobraram também as marcas do incêndio nas paredes
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