– Nem venha que hoje estou nos cascos!

Conforme rezam as lendas, isso nos faz lembrar do cavalo do guerreiro Átila, rei dos hunos, cujos cascos queimavam até a grama por onde passava, ou o do Gengis Khan, imperador dos mongóis. Terríveis também eram os cascos dos cavalos dos romanos durante as batalhas pela conquista de territórios, e nem precisava ser de inimigos.

Nunca esqueci de um “coronel” que passava a galope em seu cavalo em frente à nossa porta na estrada de cascalho, sempre à noite. Eu ainda era menino e ouvia de longe o bater cadenciado dos cascos do seu cavalo. Deveria ser um Manga-larga-Machador dos bons com suas ferraduras.

Estar nos cascos entende-se estado de irritado e nervoso com a pessoa mais próxima do seu convívio ou por causa dos seus problemas do dia a dia. Tem o sentido também de estar firme, forte e bem arrumado ou arrumada no vestimento e na aparência. São coisas do nosso português e até de expressões regionalistas.

Quando se fala em cascos vem logo em nossa cabeça a associação com ferraduras fabricadas pelos antigos ferreiros para serem colocadas nos cavalos, burros, mulas e até em jumentos. Outra vez nos vem à mente os tempos dos tropeiros e dos filmes dos caubóis do velho faroeste. Por onde eles cortavam sempre existia um ferreiro à beira da estrada, numa vila ou cidade.

Para nos ajustar com a realidade do nosso mundo atual, vou ficar mesmo nos cascos dos irritados e dos brutos, tipos cavalos. Percebeu, meu amigo, como quase todo mundo hoje anda nos cascos? Para essa gente só estão faltando as ferraduras. Acho até que está na hora de ressuscitarmos a profissão de ferreiro e estabelecer um em cada esquina de rua e avenida.

Basta alguém pisar no casco do outro, seja dentro de um ônibus ou em qualquer lugar, para sair faíscas de palavrões e estupidez. Tem caso até de morte. Quanto maior o tamanho da cidade, maior ainda a irritação e a violência. É o progresso que nos fazem assim.

–  O pior, cara, é quando a pessoa já levanta nos cascos para enfrentar a “guerra” lá fora – disse um amigo meu numa prosa de bar, depois de umas tantas geladas.

Ele emendou o papo de que o lugar onde existe mais pessoas nos cascos é no trânsito. Basta um pequeno acidente, uma sinalização errada ou uma cortada de mal jeito, para o indivíduo sair lá de dentro do seu carro com uma pedra na mão, uma arma para atirar no outro ou nos cascos mesmo, com ferradura e tudo.

– Ah, cara, você esqueceu da política travada nos dias atuais, principalmente quando os cascos partem dos radicais fundamentalistas e extremistas de direita! Têm aqueles empedernidos de esquerda também! Haja cascos de intolerância!

– É bicho, não podemos deixar de fora também a religião, a questão de gênero e raça! Imaginou se houvesse uma lei onde cada casco irritado fosse obrigado a andar de ferradura? Pensou o bater de ferraduras nas calçadas, praças e nos escritórios? Os ferreiros iam “matar a pau” e ganhar muito dinheiro.

– Coisa seria nas salas dos patrões exploradores irritados, só com a cabeça no lucro! E tome cascos com ferraduras nos pobres dos funcionários!

– Vamos deixar esse papo de cascos e ferraduras de lado e tomarmos nossa cerveja sossegado, porque já estou vendo um sujeito ali na mesa que está nos casos com a companheira.

– Pode até ser coisa de ciúmes, ou porque ouviu a nossa conversa sobre cascos e ferraduras.