PSIQUIATRIA: A CURA PELO CANDOMBLÉ (2)
Outro olhar sobre a dor da alma
(Chico Ribeiro Neto)
O site da Academia de Medicina da Bahia (academiademedicina-ba.org.br) traz o perfil do psiquiatra Álvaro Rubim de Pinho, membro titular da entidade, onde se lê: “Com a autoridade de Professor Titular, Rubim de Pinho enfrentou críticas, mas fomentou uma criativa linha de pesquisa, a da Psiquiatria Transcultural (…) Dessa linha resultaram os trabalhos criteriosos e, com observação participante sobre o candomblé, a organização do célebre simpósio de 1968, que divulgou uma década de estudos sobre o banzo, o calundu, a caruara, o quebranto, entre outros, ampliando e difundindo as ideias de uma psiquiatria que levasse em conta as crenças, crendices e o imaginário popular”.
Publico hoje a segunda parte da matéria “Psiquiatria: a cura pelo candomblé”, da minha autoria, publicada na revista “Manchete” número 1.250, de 7 de março de 1976:
“A mãe-de-santo Olga de Alaketu conta ainda que já tratou de um soldado e de um farmacêutico que haviam ficado “furiosos”. Deram muito trabalho, foi necessário muita paciência, mas no fim valeu a pena.
Há dois anos, uma equipe de psiquiatras do Hospital dos Servidores, de São Paulo, reuniu-se em Salvador com Olga de Alaketu para analisar melhor os fenômenos que ocorrem no terreiro de candomblé durante o tratamento das doenças mentais.
Um dos mais respeitados especialistas do candomblé, o etnógrafo Waldeloir Rego, diretor do Departamento de Folclore da Prefeitura de Salvador, explica que os sintomas de doenças mentais nem sempre são muito nítidos. “Quando se trata realmente de doença mental, a mãe-de-santo acaba sempre encaminhando a vítima ao psiquiatra. Mas quando se trata de um “problema de santo”, que só pode ser resolvido com trabalhos especiais, ou mesmo com uma iniciação completa no culto, em geral a mãe-de-santo guarda o paciente até a cura total”.
E Waldeloir continua: “O que muitas vezes para o médico parece uma doença, nem sempre é doença para o candomblé; é apenas a manifestação de um desejo de uma entidade (orixá) que domina o indivíduo. Neste caso, só as pessoas dotadas de poderes paranormais do tipo de mãe-de-santo podem efetuar a cura.”
Os psiquiatras que estudam esses chamados mistérios aceitam as explicações dos iniciados, mas procuram dar-lhes uma formulação mais racional. Muitos deles são verdadeiros estudiosos dos mistérios do candomblé, como é o caso de Álvaro Rubim de Pinho, que, além de psiquiatra respeitado, é também Ogã (ministro) do terreiro do Axé Opô Afonjá. Tem Oxalá como seu Orixá de cabeça.
A teoria admite que várias causas podem romper o ponto de equilíbrio ideal que permite o funcionamento normal na vida mental no homem. A raiz das ligações entre o corpo e o espírito ainda é bastante mal conhecida. Muitas vezes uma razão física, orgânica, bloqueia um centro responsável por um funcionamento mental. Outras vezes, são próprias razões de ordem psíquica, uma obsessão, um traumatismo, uma carga emocional mais forte, que provocam a desordem geral, afetando tanto o físico como o mental.
Para o médico Rubim de Pinho, o recurso às drogas representa muitas vezes uma pura confissão de ignorância, agravando sensivelmente o estado do paciente. A eventual cura depende exclusivamente da descoberta da causa do distúrbio.
Como o candomblé, o espiritismo ou outros tipos de práticas religiosas se situam exatamente no nível do afetivo-mental, a manipulação de forças ainda mal conhecidas, como esses dons parapsicológicos irrefutáveis das mães-de-santo, pode desencadear a atividade e certos poderes capazes de fazer desaparecer os distúrbios. A explicação do recurso às entidades superiores pode ser, cientificamente, apenas uma mera formulação. Na realidade, trata-se de forças ainda mal conhecidas que a razão de forma alguma tem o direito de rejeitar sumariamente. No fundo, as explicações da psicanálise clássica são aparentemente tão irracionais quanto as da mãe-de-santo. Querer explicar certos comportamentos obsessionais dizendo que o paciente somatiza demais seus recalques, equivale, em última análise, a aceitar as quizumbas de Exu na mente da vítima.
Quando Olga de Alaketu conseguiu “tirar o espírito” do corpo do soldado furioso, ao final de muita conversa e de muita paciência, ela deverá ter chegado à dimensão mais profunda da mente da vítima, onde a causa do distúrbio se entregou a ela com clareza e simplicidade.
(Continua no próximo domingo)
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