De Orlando Senna

Blog Refletor TAL-Televisión América Latina

Indicado e comentado por Itamar Aguiar

De vez em quando o assunto volta à tona: filmes com cheiro. Ou a possibilidade disso, dos filmes exibidos em salas de cinema e também em âmbito doméstico emanarem odores, somando aos dois sentidos utilizados pelos usuários dessa arte, visão e audição, ao olfato. Sabemos que as artes são dirigidas ao cérebro e chegam a ele através dos cinco sentidos. Temos a música e a oratória para a audição, as artes plásticas para a visão, as artes cênicas e audiovisuais para o binômio visão/audição, a extensa culinária para o paladar, a também extensa perfumaria para o olfato.

O tato é o patinho feio nessa relação, é o sentido menos acessado pelos artistas para produzir emoções e revelações nas pessoas. Todos nós usamos intensamente o tato no nosso próprio corpo e nos corpos dos outros (principalmente em corpos amados ou desejados), nas superfícies dos elementos sólidos e pastosos, no interior de elementos líquidos (o prazer de um mergulho na água), mas manifestações artísticas dedicadas ao tato são raras. Não sei porquê, talvez vocês saibam. Mas saio dessa vereda para evitar a tentação de pensar sobre o sexto sentido, o paranormal, e voltar ao odor nos filmes.

A história registra tentativas de aromatização do cinema desde a década 1910, antes do cinema sonoro, com a utilização de grandes bolas de algodão embebidas em perfume e colocadas diante de ventiladores em teatros da Pensilvânia. Nos anos 1930 a estratégia era injetar cheiros através de orifícios no teto das salas, supostamente facilitando a mudança das fragrâncias em cada parte do filme. Nos anos 1950 essa variação odorífica foi tentada através dos sistemas de ar condicionado. Nenhum procedimento deu certo porque os cheiros permaneciam além do previsto nas salas fechadas e se misturavam com os novos cheiros injetados, resultando em saladas olorosas desagradáveis, miasmáticas. Já senti perfumes em peças de teatro e no desfile de Escolas de Samba no Rio, mas um só perfume — no cinema a questão é que os filmes exigiriam muitos cheiros, bons e ruins.

As primeiras tentativas foram promovidas pelos donos das salas e não pelos produtores dos filmes, mas estes logo entraram na brincadeira, inclusive mudando e personalizando a tecnologia. Em vez de odores soprados ou injetados nas salas, cartões perfumados para cada espectador. Junto com o bilhete da entrada o espectador recebia alguns cartões numerados, que deveriam ser levados ao nariz seguindo os números que apareciam na tela ou eram anunciados a viva voz. Esse procedimento acontecia nas grandes cidades européias, estadunidenses e, em menor número, latino-americanas.

Em 1939 apareceu na Feira Internacional de Nova York o Scentovision, inventado por um certo Hans Lauber, que consistia em um cinturão com vários tubos de odores, como uma cartucheira, a serem usados na ordem em que estavam dispostos. Tubos em vez de cartões, não havia muita diferença. O Scentovision foi resgatado e rebatizado (Smell-O-Vision) em 1960 pelo produtor Mike Todd Jr, que lançou o filme Scent of Mistery (Perfume de mistério), de Jack Cardiff, como um “filme aromatizado”. Outro fracasso, os exaustores das salas não aspiravam a tempo os cheiros para darem lugar a outros, algumas pessoas sofreram intoxicações.

Sem mais delongas, a aromatização do cinema sempre foi perseguida e nunca foi alcançado um sistema ou uma tecnologia que desse uma resposta adequada. Na nossa hipermodernidade as tentativas prosseguem, inclusive com o dedo da Disney, que andou testando um sistema inspirado nos tubos de Lauber, só que fixados no espaldar das poltronas da sala e controlados digitalmente.

Dizem que os testes continuam e a Disney está confiante no advento do 4D, tecnologia com base em sensores e no controle de elementos como piso, teto, ar, luzes e movimentos das poltronas. Ou seja, promete sensações reais tanto em salas de cinema como diante de televisores. Se, vendo um filme, podemos sentir frio, calor, balanço do mar e outros baratos, também podemos sentir os odores e os fedores do enredo e das personagens. É o cinema tentando sobreviver em meio à multiplicação de seus derivados.

Por Orlando Senna

Comentário:

No presente artigo, para quem conhece bem Orlando fica manifesta, a amplitude e a profundidade do seu envolvimento com as questões da Sétima Arte. O novelo do tempo, quando se desenrolava lá para os idos dos anos 1980, se não me falha a memória no ano 1985, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, um dos professores recém chegado dos EUA, onde estivera cursando Doutorado em Educação, falava da introdução de tecnologias na sala de aula, naquela época no Brasil, as pessoas tinha acesso a TV à Cores, mas, ainda não utilizavam como hoje, o computador. Então em uma das aulas eu poderei: É as cores dos objetos na TV são muito bonitas, parecem até mais bonitas do que as cores da Natureza, porem tem um problema, não fedem e nem cheiram.

Eis que hoje passados trinta anos, Orlando fala dos ensaios e erros, dos capitães da indústria do audiovisual e seus pesquisadores, em fazer com que os cinéfilos do mundo inteiro sintam os odores exalados da película em exibição, apesar das toscas tentativas de ôdorisar o ambiente, a sala dos cinemas, com elementos extra película, afirma fracassaram nas suas tentativas, não funcionou. Pois é caro Orlando! Pelo menos até então, parece existir mesmo “mais mistérios entre o Céu e a Terra do que imagina a nossa van Filosofia” e eu acrescento, fenômenos que a Ciência e a Tecnologia, a pesar das inúmeras tentativas, ainda não deram conta de solucionar.

Orlando Senna nasceu em Afrânio Peixoto, município de Lençóis Bahia. Jornalista, roteirista, escritor e cineasta, premiado nos festivais de Cannes, Figueira da Foz, Taormina, Pésaro, Havana, Porto Rico, Brasilia, Rio Cine. Entre seus filmes mais conhecidos estão Diamante Bruto e o clássico do cinema brasileiro, Iracema. Foi diretor da Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños e do Instituto Dragão do Mar, Secretário Nacional do Audiovisual (2003/2007) e Diretor Geral da Empresa Brasil de Comunicação – TV Brasil (2007/2008). Atualmente e presidente da TAL – Televisão América Latina e membro do Conselho Superior da Fundacion del Nuevo Cine Latinoamericano.

Itamar Pereira de Aguiar nasceu em Iraquara – Bahia; concluiu o Ginásio e Escola Normal em Lençóis, onde foi Diretor de Colégio do 1º e 2º graus (1974/1979); graduado em Filosofia, pela UFBA em 1979; Mestre em 1999 e Doutor em Ciências Sociais – Antropologia – 2007, pela PUC/SP; Pós doutorando em Ciências Sociais – Antropologia – pela UNESP campus de Marília – SP. Professor Titula da Universidade Estadual do Sudoeste do Estado da Bahia – UESB; elaborou com outros colegas os projetos e liderou o processo de criação dos cursos de Licenciatura em Filosofia, Cinema e Audiovisual/UESB.