:: 17/mar/2015 . 22:23
PERFUMES E MIASMAS
De Orlando Senna
Blog Refletor TAL-Televisión América Latina
Indicado e comentado por Itamar Aguiar
De vez em quando o assunto volta à tona: filmes com cheiro. Ou a possibilidade disso, dos filmes exibidos em salas de cinema e também em âmbito doméstico emanarem odores, somando aos dois sentidos utilizados pelos usuários dessa arte, visão e audição, ao olfato. Sabemos que as artes são dirigidas ao cérebro e chegam a ele através dos cinco sentidos. Temos a música e a oratória para a audição, as artes plásticas para a visão, as artes cênicas e audiovisuais para o binômio visão/audição, a extensa culinária para o paladar, a também extensa perfumaria para o olfato.
O tato é o patinho feio nessa relação, é o sentido menos acessado pelos artistas para produzir emoções e revelações nas pessoas. Todos nós usamos intensamente o tato no nosso próprio corpo e nos corpos dos outros (principalmente em corpos amados ou desejados), nas superfícies dos elementos sólidos e pastosos, no interior de elementos líquidos (o prazer de um mergulho na água), mas manifestações artísticas dedicadas ao tato são raras. Não sei porquê, talvez vocês saibam. Mas saio dessa vereda para evitar a tentação de pensar sobre o sexto sentido, o paranormal, e voltar ao odor nos filmes.
A história registra tentativas de aromatização do cinema desde a década 1910, antes do cinema sonoro, com a utilização de grandes bolas de algodão embebidas em perfume e colocadas diante de ventiladores em teatros da Pensilvânia. Nos anos 1930 a estratégia era injetar cheiros através de orifícios no teto das salas, supostamente facilitando a mudança das fragrâncias em cada parte do filme. Nos anos 1950 essa variação odorífica foi tentada através dos sistemas de ar condicionado. Nenhum procedimento deu certo porque os cheiros permaneciam além do previsto nas salas fechadas e se misturavam com os novos cheiros injetados, resultando em saladas olorosas desagradáveis, miasmáticas. Já senti perfumes em peças de teatro e no desfile de Escolas de Samba no Rio, mas um só perfume — no cinema a questão é que os filmes exigiriam muitos cheiros, bons e ruins.
VOZES DESAFINADAS
Ruídos e interferências desconexas no início de 1964 terminaram em gemidos e ranger de dentes. Nos anos seguintes estudantes, intelectuais, artistas e outras categorias foram às ruas contra a ditadura e pela democracia. O movimento pelas Diretas Já de 1984, como o próprio nome diz, pedia eleições diretas. Essas manifestações e outras posteriores tinham alvos certos e praticamente não dividiam a população em duas correntes políticas, a situação e a oposição.
Agora nós escutamos vozes desafinadas e desalinhadas com a situação na qual vivemos. Na sexta-feira passada, vimos uma organização oficial dos estudantes e dos trabalhadores que estão atrelados ao governo (pena que não temos mais uma UNE representativa e independente). No domingo, o lado “B”, por assim dizer, que perdeu as eleições, reagiu com vozes desafinadas que gritaram fora Dilma e até defenderam uma intervenção militar no país.
Na minha humilde concepção, o alvo deveria ser a moralização do Brasil, em benefício de toda coletividade. Muitos foram às ruas só para destilar sua raiva com queixas individuais e apoiar na onda vozes destoantes, sem medir as consequências. Quem pede o impeachment da presidente pouco enxerga que por trás dela tem a cambada de Michel Temer mais os abomináveis Eduardo Cunha (presidente da Câmara) e Renan Calheiros (presidente do Senado), dentre outros diletos “companheiros”.
Com eles comandando diretamente o poder, só para começar, todo processo de investigação da Operação Laja Jato da Petrobrás será detonado para tirar seus nomes da lista. A situação atual e o quadro de políticos que temos hoje não são os mesmos do impeachment de Fernando Collor em 1992 quando Itamar Franco assumiu a presidência da República. No momento, não dá para arriscar e depois partir para o suicídio.
Nas duas últimas manifestações que, na minha impressão, soaram mais como campanha política, quase nada se viu nos cartazes e faixas de alusões contra as mordomias e os desmandos do poder legislativo que há muitos anos virou as costas para o povo. É demais ouvir do presidente da Câmara, o Eduardo Cunha, que a corrupção só está no executivo. É debochar com a opinião pública.
Dos 2,3 milhões de pessoas que foram às ruas no domingo se escutou muita aversão ao PT e fora Dilma. Como se não bastasse, um grupo pregou intervenção militar por uns tempos enquanto se marca novas eleições. É ser muito ingênuo e não conhecer nada da história o senhor que falou essas asneiras. O pior é que ele foi aplaudido por muitos. Em 1964, os generais tomaram o poder prometendo realizar eleições no ano seguinte (1965) e levaram a ditadura a ferro até o final dos anos 80.
Queria saber quem está atrás desse Movimento Brasil Livre e quem é esse senhor Adolfo Sachsida que comanda o grupo? E os Revoltados Online? É preciso muito cuidado para não cairmos numa arapuca ainda maior que leve o Brasil para uma ditadura. Acredito que a maioria não quer que isso aconteça. Por isso é que precisamos estar vigilantes e bater firme nesses caras malucos e inconsequentes.
Não estou aqui para apoiar as trapalhadas e desvios de políticos do PT e de dona Dilma. Todas as vezes que ocorrem manifestações, a presidente diz que ouviu o clamor do povo. Não basta ouvir e dizer que são compreensíveis os protestos, mas agir para conter os estragos causados pelo rompimento da barragem.
Toda vez que tem um movimento, o executivo manda um projeto para o Congresso, Desta vez foi o pacote anticorrupção. Queria saber onde anda o pedido do projeto de reforma política, gerado em decorrência dos movimentos de 2013? Foi para inglês ver? Basta de brincadeira e enrolação!
Não basta só os ministros ficarem de plantão para rebater os movimentos de que são coisas armadas da oposição; dinâmica próxima das eleições passadas; ou de pessoas da classe média alta que querem o ver o “quanto pior melhor”. Quem está nessa linha são os desafinados.
Não dá mais para ficar enganando de que a crise internacional e a seca são os verdadeiros culpados pela quadro crítico atual que atravessa o país, com inflação alta, moeda desvalorizada, recessão econômica e desemprego, sem falar nas mazelas da corrupção, saúde, educação da segurança pública descendo a ladeira em disparada. “Quem sabe faz a hora”.
Estas vozes desafinadas podem tomar outras proporções desastrosas se os poderes constituídos não tomarem logo medidas moralizantes, como acabar com as ladroagens e o Congresso também fazer seus ajustes e nos respeitar. Há muito tempo que a nação está se sentindo encurralada e muitos começam a fazer apelos irracionais e perigosos. Os aproveitadores e oportunistas estão aí de plantão para atendê-los como já ocorreu em passado recente da nossa história.
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