FUTEBOL E POLÍTICA PADECEM DOS MESMOS MALES
Carlos González – Jornalista
“A CBF é o câncer do futebol brasileiro”, conclui Romário, ex-jogador e hoje senador eleito pelo Rio de Janeiro, o prefácio do livro “O Lado Sujo do Futebol”, escrito pelos jornalistas Amaury Ribeiro Jr.,Leandro Cipoloni, Luiz Carlos Azenha e Tony Chastinet. Nas suas 375 páginas, a obra, lançada poucos meses antes da Copa do Mundo de 2014, revela o esquema de corrupção implantado na mais importante entidade esportiva do país pelos seus ex-presidentes João Havelange e Ricardo Teixeira.
Política e futebol estão de mãos dadas no Brasil desde 1950, quando, às vésperas da final da Copa, candidatos a cargos eletivos em outubro daquele ano invadiram a concentração da seleção brasileira, em São Januário, no Rio, para dirigir loas aos presumíveis campeões do mundo. Coincidentemente, desde aquela época, salvo durante o regime militar, as copas do mundo e as eleições para presidente da República, governadores e membros dos legislativos, são realizadas no mesmo ano.
No mundo enfraquecido pela 2ª Grande Guerra, o Brasil se apresentou como único candidato a promover o Mundial de 50. Seis décadas depois, governantes e CBF voltaram a unir seus interesses, políticos e financeiros, com o propósito de promover uma segunda competição internacional.
Na tarde fria de 30 de outubro de 2007, abrigados na luxuosa sede da FIFA, em Genebra, o presidente Lula, ao lado de Ricardo Teixeira, de Romário, do escritor Paulo Coelho, e de cerca de 20 convidados da Presidência da República, deram pulos de contentamento quando Joseph Blatter, menosprezando a candidatura da Colômbia, anunciou, o que já era previsível: Brasil, sede da Copa de 2014.
Nos meses que antecederam à competição, estádios foram erguidos com valores superfaturados, mas as obras de mobilidade urbana ficaram no papel, gerando um conflito entre a entidade dirigida por Blatter e os nossos governantes, onde houve até pontapé na bunda virtual, enviado desde a Suíça. Lembro que, na época, o Espanyol de Barcelona construiu um estádio, gastando R$ 300 milhões, com estrutura e capacidade de público semelhantes ao “Mané Garrincha”, de Brasília, cujas construtoras responsáveis pela obra receberam dos cofres públicos mais de R$ 1 bilhão.
Cinco meses se passaram e a população continua ignorando quanto foi gasto e quanto foi arrecadado com a Copa do Mundo. Os 7 a 1 aplicados pela Alemanha não influíram no resultado do pleito de outubro, porque os beneficiados pelo Bolsa Família, que não tiveram acesso às superfaturadas arenas, privilégio que foi dado às classes mais abastadas, votaram pela manutenção do “status quo”.
A comitiva da FIFA regressou a Europa, inclusive o britânico Raymond Whelan, acusado de chefiar a máfia da venda pelo câmbio negro de ingressos para os jogos da Copa, preso pela Polícia Federal e libertado pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo. Antes do embarque, a CBF presenteou 28 membros do Comitê Executivo da FIFA e 42 presidentes de federações internacionais com um relógio Parmigiani, no valor unitário de R$ 62,5 mil, perfazendo um total de cerca de R$ 4 milhões.
Após reconhecer que a Copa no Brasil foi a mais lucrativa de todas as 20 já realizadas, a FIFA começou a discutir os próximos mundiais, na Rússia (2018) e no Catar (2022). A competição no país asiático ainda não está confirmada, porque há fortes indícios de que vários delegados, incluindo três sul-americanos, Ricardo Teixeira (sempre ele), Nicolas Leoz, do Paraguai, e Julio Grondona, da Argentina, falecido em outubro, foram corrompidos pelos dirigentes árabes.
No terreno doméstico, a literatura esportiva está recheada de escândalos financeiros, envolvendo principalmente os cartolas, fortemente apegados aos cargos, graças a um processo eleitoral altamente fraudulento. O presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, está há 19 anos no cargo, pesando sobre seus ombros denúncias de desvio de verbas para o Pan de 2007 e para as Olimpíadas de 2016, no Rio.
Corrupção, gestão fraudulenta, “laranjas”, desvio de recursos, contas em paraísos fiscais, apego ao poder, lavagem de dinheiro, etc, são termos que se aplicam tanto à política quanto ao esporte, em especial o futebol. Mas, em ambos os campos, prevalece a impunidade. Talvez, nem tanto. O goleiro Fernando Prass, do Palmeiras, é passível de ser suspenso por dois anos, por admitir ter recebido incentivo financeiro (mala branca) para ganhar uma partida, prática tão comum entre clubes e jogadores nas últimas rodadas dos campeonatos.