Estava eu ali, por acaso, em Marrakechi ou em Casa Blanca, no Marrocos, Islamabad, no Paquistão, Cabul, no Afeganistão, em Nova Délhi, na Índia dos coches de três rodas entre aquela multidão, em Bangcoc, na Tailândia, em Bangladesh, em Colombo, no Siri Lanka, em Cairo, no Egito, em Mianmar, na Ásia, ou em outros países árabes e africanos onde o tráfego é um samba de crioulo doido e de equilibristas numa corda bamba?

De Vitória da Conquista atravessei vários sertões secos entre mandacarus, cactos e quiabentos até chegar em Juazeiro da Bahia, terra do “Velho Chico, das frutas irrigadas e também do bode. Era final de tarde da última quarta-feira, num calor preguento insuportável de rachar a cuca, depois de viajar mais de 800 quilômetros. Suado e “morto de cansado” fui logo colocando o carro na garagem do hotel.

É uma luta constante por espaço no cruzamento mais perigoso e  maluco. Fotos de Jeremias Macário

O corpo pedia uma gelada, mas a primeira obrigação era visitar minha filha Cíntia. Lá pelas 18 horas sai cheirando e farejando um boteco qualquer para refrescar o esqueleto. Não é que me deparei num barzinho no cruzamento da Avenida Adolfo Viana com as transversais da rua Antônio Pedro e da Henrique Rocha, no centro! Estava armado o meu palco e pedi logo aquela “loira”.

É aqui que vou me abancar para relaxar um pouco, e claro, tomar aquela cerveja gelada – pensei. Da lateral observei o trânsito engrossar o caldo na hora do rach no asfalto ainda quente. Com ainda minha sensibilidade jornalística, apesar de meio enferrujado, descobri que estava em frente de um cruzamento mais maluco e louco do Brasil, quiçá do mundo.

Aqui é um verdadeiro laboratório de erros, infrações, imprudências e em meio a todos os riscos de acidentes, batidas e atropelamentos – imaginei comigo mesmo. Lamentei não estar com a minha companheira máquina fotográfica para registrar aquela maluquice.

Sem semáforo, e só com uma faixa de pedestre na Adolfo Viana, os veículos pequenos, caminhões, ônibus, carroças, motos, bicicletas, pedestres, praticantes de coper, de skeite e caminhadas entram em cena em todas as direções e embola tudo, cada um procurando se defender e driblar a confusão. Em frente, direita, esquerda e até os motoqueiros se aventuram na contramão pela rua Antônio Pedro.

Cada passagem de pedestre para atravessar o cruzamento maluco é um lance de filme de suspense de um atropelamento a qualquer minuto, ou uma batida de veículo. Cada um faz sua manobra e seu malabarismo mais arriscados de superações, e os “atletas” do exercício físico correm no meio da avenida entre os carros. Nunca tinha visto tanta loucura num lugar só, como num circo de equilibristas no globo da morte. Não conseguia parar de olhar o show de perigos, e até a gelada esquentava no copo.

SÓ COM SERRA OU DINAMITE

Depois de um dia sem almoçar e comer direito, batendo volante, deu aquela fome e ai pedi mais uma à mulher do bar e um tira-gosto de moela. Enquanto isso, me fixava no “espetáculo” daquela balbúrdia onde até cachorros e gatos faziam suas demonstrações no cruzamento mais doido que já vi. A fome apertava, e a moela nada de sair.

A dona do estabelecimento explicou ter faltado gás, mas que aguentasse um pouco e logo o pedido estaria pronto. Mais uns 20 minutos de espera e chegou o petisco, só que tomei um susto danado quando vi aquela moela sapecada na fritura, mais dura que lajedo de bater roupa suja ensaboada.

Tentei cortar com a faca aquela iguaria que sempre é cozida por sua formação natural, para ficar mais mole e palatável. Desisti de brigar com a moela que só poderia ser cortada com uma serra, ou dinamitada. Para não perder a parada, tracei a farofa e o vinagrete. Nunca tinha visto uma moela fritada daquele jeito. Impossível de comer, principalmente na minha idade. Uma covardia! Imaginei que fazia parte do trânsito maluco. Solicitei um serrote, mas ela nada entendeu.

Bem, como sou teimoso e não sou de deixar trabalho inacabado, voltei no outro dia ao mesmo bar, no mesmo horário, com minha máquina fotográfica para registrar a lambança, mas nada de moela. Para completar, ainda convidei minhas sobrinhas Iana (jornalista) e Jaissa para testemunhar e assistir ao show do trânsito naquele cruzamento infernal e deixar meu recado para o senhor prefeito, de que faça alguma coisa para que prejuízos e vidas sejam poupados. Evite uma tragédia, senhor prefeito!

O que presenciei é simplesmente uma vergonha para uma cidade do porte de Juazeiro, cidade produtiva de João Gilberto, onde já fiz muitas noitadas de curtições com companheiros amigos, e adoro abraçar o “Velho Chico”, mesmo maltratado pelos homens, que sempre sugaram de suas riquezas sem revitalizá-lo.