SHOW NO PARAGUAI E SUAS ÚLTIMAS DECLARAÇÕES
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O compositor paraibano, odiado pelos militares, bem que tentou se apresentar em palcos brasileiros, em 17 de julho de 1982, no Salón Social Área Dos, da Itaipu Binacional, mas seu show foi proibido pelas autoridades. O general Junot Rebello Guimarães contribuiu para a proibição depois que um jornal paranaense de Cascavel publicou uma reportagem onde apresenta Geraldo Vandré como “inimigo do governo brasileiro”.
Depois de vinte dias esperando pela liberação, como cita Jorge Fernando, o show foi mesmo realizado em Puerto Stroessner, no Paraguai, que depois recebeu o nome de Ciudad del Leste. Acompanharam os músicos Di Melo, Saldanha Rolim e Saulo Laranjeira e ainda contou com a presença de Birhú de Pirituba.
Quando a apresentação começou no Cine Ópera, os músicos entraram em fila indiana, todos de verde-oliva com botas pretas. A repórter do JB no Paraná, Ruth Bolognese, disse que “não houve aplausos nem gritos. O cinema era escuro e a plateia paraguaia”. Entre outros, estava lá o amigo paraibano Ivo de Lima.
Na ocasião, Vandré cantou canções em espanhol e falou textos poéticos, alguns de sua autoria e outros de Guimarães Rosa. Ao lado de João Martinez, um dos donos do jornal Folha de Londrina, o músico declarou ter desprezo pela imprensa brasileira. “Só dou entrevista porque estamos em outro país… No Brasil em que eu ainda vivo, não admito pedir licença a general nenhum pra falar”.
Em abril de 1984, mais uma vez, tentou se apresentar na Itaipu Binacional, mas só conseguiu em 1985. No momento mais emocionante do seu show, fica de frente para a bandeira do Brasil e, de costas para a plateia, canta “Caminhando” e recita versos perguntando “o que fizeram de ti, bandeira”?
Alias, após seu retorno do exílio, esteve por várias vezes em Foz do Iguaçu onde cometeu algumas doideiras, como a de ter tirado fotocópias de dólares, autenticá-las em cartório e tentado passá-las em frente. Não teve sucesso e ai disse que no Brasil nem os cartórios são levados à sério. Há quem diga que fumava muita maconha e saia disparado pela cidade. Outras vezes se escondia atrás de postes e árvores, alegando estar sendo espionado por agentes da repressão.
Entre suas idas e vindas, ao saber que Vandré estava hospedado na Capitania dos Portos, o coronel Eugênio Menescal, parente de Roberto Menescal, escreve um alerta aos soldados dizendo que esta pessoa é inimiga do exército brasileiro e sua entrada no batalhão é proibida. Insistente, um dia regeu a banda do Batalhão. Furioso, o coronel o repreendeu: O que o senhor está fazendo aqui com minha banda? Vandré entregou a batuta e sorrindo disse: “A banda que é do exército é muito boa, sua coisa nenhuma”.
O compositor ficou também num quartinho na sede do Diário da Cidade por conta do jornalista Rogério Romano Bonato. Por causa disso, recebeu uma ordem do coronel dizendo que ele teria doze horas para desalojar o hóspede indesejado. O repórter respondeu para o emissário do oficial: “Diga ao seu chefe que ele manda no batalhão e eu, no meu jornal”.
Em 86/87 seu conterrâneo Zé Ramalho o encontrou em Foz de Iguaçu e afirma que ele estava lá por conta das coisas da aeronáutica. “Estou aqui estudando a arte militar”. Num show com Zé Ramalho, no mesmo ano, entrou vestido de soldado, cantou de costas em alemão “Pra Onde Foram Todas as Flores”. “Depois cantou três canções novas de arrepiar, em português” – disse Ramalho.
Entre muitas aparições, Vandré se fez presente na solenidade de posse do prefeito Paulo Maluf, em 1993. Perguntado por repórteres o que estava fazendo ali, disparou: “Vim garantir a posse”.
Com sua mania de perseguição, o jornalista João Paulo Soares lembra no livro biográfico de Vitor Nuzzi, que certa vez foi buscá-lo em seu apartamento, na Martins Fontes, para uma sessão de entrevistas. Estava agitado e ao ver o porteiro segui-lo disse: Está vendo? Ele quer escutar nossa conversa. Ele é um informante. Vocês mataram Cristo! Traidores! Víboras! Raça de Traidores e traidores! Tu não entendes? O que tu vês é um personagem… Essa barba, essa loucura, eles me olham e não entendem nada.
Certa vez perguntado pelo amigo músico Sargento Lago por que não gravava, respondeu: Vivo em outro país. Também o músico Osmar de Lima Sabiá sempre o admirou. Ele deu uma declaração dizendo que para uma pessoa nacionalista e de personalidade forte, é duro ver o povo mergulhado na cultura de massa e na perda de valores.
Vandré, na visão do compositor Darlan Ferreira, sempre foi um poeta ímpar. Talvez o maior patriota que eu já conheci. Ele ama a pátria, não essa de hoje, mas aquela que no passado mereceu suas músicas. Em 2008, numa entrevista ao repórter Leandro Colon, do Correio Braziliense, quando indagado do porquê ter interrompido a carreira, declarou: Porque é outro país, não o meu. Mudou demais. Em 2009, o jornal Cidade de Itapetininga publicou um artigo intitulado “O Vandré que eu conheci”. O repórter Celso Lungaretti diz que Vandré continua lúcido.
Em 12 de setembro de 2010, data do seu aniversário, aparece na televisão apresentado por Sérgio Chapelin como o maior enigma da música brasileira. Com boné verde-oliva e camisa com escudo da FAB, ele foi entrevistado por Geneton Moraes Neto. O compositor atende a equipe de reportagem nas instalações do clube da aeronáutica.
Disse, na ocasião, que vive em outro Brasil e explica que não volta a cantar porque o tipo de música que sabe fazer não teria lugar num país dominado pela cultura de massa. Foi nesta entrevista que declarou que arte é cultura inútil, “mas eu hoje consegui ser mais inútil que qualquer artista. Eu sou advogado em um tempo sem lei. Quer coisa mais inútil que isso”?
Sobre o trabalho dos tropicalistas Gil Caetano, responde que eles continuam na mesma. Comenta que certa vez o ex-parceiro Gil disse que fazia qualquer coisa em música e que alguma teria que dar certo. “Eu não faço qualquer coisa”. Destacou que jamais foi antimilitarista e tampouco fez parte de qualquer grupo político. Confessa nunca ter sido preso e torturado e acha que protesto é coisa de quem nunca teve poder. Em sua opinião, no entanto, os versos de “Caminhando” estão mais atuais do que nunca.
O autor do livro descreve o cidadão Geraldo Pedrosa de Araújo Dias como um homem confuso, mas consciente do seu papel histórico. Desde que se conheceram, em 1978, ele se abriu em conversas com o conterrâneo Assis Angelo. Uma delas foi publicada em 1991 no Diário Popular. Explicando seu silêncio, disse que há pessoas que cantam por cantar. Eu, além de precisar de motivos pra cantar, lembrando Disparada, não cantar para enganar, já sei também que é preciso às vezes, não cantar. O silêncio que faço nesses 22 anos é parte da minha canção.
Numa conversa com seu também conterrâneo Ricardo Anísio, em fevereiro de 2004, fala sobre o motivo de não ter aceitado a anistia: Perdoado de quê? De ter escrito uma canção? Acho que quem assinou o pedido de anistia decretou que havia cometido um delito, e eles nunca observaram isso. Depois sou eu quem não tem lucidez? Quando alguém pensa diferente, o melhor é chama-lo de louco, pra que ninguém lhe dê importância.
Em entrevista concedida por escrito à estudante de jornalismo, Jeane Vidal (trabalho de mestrado), em 2007, o compositor que abalou o regime militar distingue as condições de exilado e asilado político. O exilado não tem estatuto nem regras, que era a sua condição. O asilado recorre a uma proteção formal e tem estatuto e normas jurídicas. “A rigor, vivo exilado ainda de minha vida e de minhas atividades artísticas, desde 13 de dezembro de 1968. Sou mítico e mitologista. Não sou místico nem mistificador”…
Após sua apresentação de “Fabiana” no Memorial da América Latina, em 1994, Vandré foi criticado por jornalistas e patrulheiros ideológicos. Na entrevista à jovem Jeane Vidal ele escancara: “Os canalhas que inventaram aquela história triste, antinacional e malversada em que Vandré aparecia como vítima das forças armadas brasileiras, enfiaram a carapuça na própria cabeça e, no dia seguinte, jogaram na mídia, controlada por eles as expressões Geraldo Vandré trocou de camisa, cantando com seus algozes”.
Em tom de desabafo, chamou a todos de miseráveis cães de fila de editores alienígenas que fizeram de “Caminhada” um fruto proibido e, até hoje, ganham dinheiro com ele que não admitem outro sucesso de Geraldo Vandré. Por falar em sucesso, entre suas mais de 100 canções gravadas e inéditas, teve como parceiros musicais Alquimides Daera, Hilton Acioli, Erlon Chaves, Hermeto Pascoal, Marconi Campos, Carlos Castilho, Ely Arcoverde e tantos outros.














