OS VENDEDORES DE ILUSÕES
Tinha aquele vendedor sério, o enrolado enganador, o mentiroso, o picareta que de tudo fazia para empurrar a mercadoria de qualquer jeito, fazendo promessas falsas. O galanteador vende gato por lebre. Eram vários os tipos para sua livre escolha. Deles se extraem causos e histórias inusitadas.
Não estou falando daqueles que ficam nas lojas esperando pelos clientes, mas dos viajantes de antigamente que eram presenciais de carne e osso. Hoje é a internet que faz o papel deles e fisga os mais compulsivos que vão clicando em quase tudo.
Existiram até casos de vendedores de ilusões que andavam e ainda andam por aí aplicando golpes os mais inusitados nos incautos. Soube da história de um sujeito que vendeu lotes de “terras férteis” em Marte para uns pobres coitados, com vistas para o mar e cercados de floresta e rios.
Teve um que inventou o fim do mundo com três dias só de escuridão e vendeu centenas de candeeiros, pavios e latas de querosene para camponeses do sertão. Abusou quanto pode da fé religiosa dos catingueiros. Isso aconteceu de verdade há muitos anos num município baiano. Não é coisa de ficção.
Foi um golpe de mestre e o cara se escafedeu depois de feito o estrago. As pessoas das redondezas caíram em seu papo convencedor. De tiracolo ainda levou uma moça virgem com seu galanteio de bonachão. Foi o maior alvoroço nos povoados. Os fofoqueiros e fofoqueiras não perderam tempo.
– É comadre, todo mundo caiu na prosa do safado e ainda deixou uma família falada e desonrada. A maioria deles tinha uma namorada em cada lugarejo, e tome lorota de que só aquela era seu amor verdadeiro e não tinha mais ninguém em sua vida. O pior é que a mulher acreditava no papo, ou na lábia afiada.
– O indivíduo desse merece ser capado na ponta da peixeira – desabafou o compadre que ouvia toda conversa do assucedido e falou com toda raiva de que se fosse com a filha dele ia buscar o cabra meliante até nos infernos do satanás.
– Cara, com sua lábia, você consegue vender até capim seco! Qualquer cliente cai no seu papo. Como foi o rendimento de hoje?
– Para ser sincero, só recebi não. A crise está braba e está faltando dinheiro na praça, meu amigo, mas ainda tenho a última visita mais tarde.
– A esta altura, melhor deixar pra lá e relaxar aqui numa gelada. Quem sabe não pinta uma morena cabrocha! Todo vendedor se acha galã.
– Passei o dia todo só recebendo não. Mais um, não vai fazer nenhuma diferença! Vá lá que receba um sim – rebateu o amigo. Vendedor nunca pode desistir.
A força de vontade é sua virtude, senão deixa de vez a profissão, que o diga o vendedor de livros e enciclopédias. Eu mesmo, por necessidade de sobrevivência, fui um deles e recebi muita porta na cara e “chá de espera”.
Conversas de vendedores viajantes em final de dia numa mesa de bar numa cidadezinha embrenhada no sertão onde cada um procura exibir suas vantagens, num pôr-do-sol rajado no horizonte da serra.
Um vendedor das antigas você conhecia de longe. Primeiro ele chegava na pensão ou num hotel “mais em conta”, com seu carrinho usado, cheio de bugigangas (uma bagunça de caixas nos bancos do veículo) e amostras de produtos.
No interior você já deve ter ouvido falar de “pensão de vendedor”. Quando alguém de fora se hospedava já sentia de longe o cheiro de vendedor. A senhora dona, ou dono, já era uma “velha”, ou “velho” conhecido que fazia aquele “preço camarada”.
Sempre estava engravatado e usava aquela pasta pesada cheia de compartimentos. Os pedidos eram anotados à mão nos blocos de papéis. O vendedor bom sempre gastava muita sola de sapato e ainda se faz isso, mesmo com a invenção da internet e as vendas virtuais on-line.