Entre os anos de 1877 a 1930/35 milhares de nordestinos foram dizimados pelo flagelo das secas prolongadas e em campos de concentração por falta de amparo do governo imperial e dos presidentes das províncias. Levas de mendigos se refugiaram nas capitais, principalmente em Fortaleza, no Ceará, e lá foram abandonados à própria sorte, vítimas de um verdadeiro genocídio.

Além das estiagens que mataram milhares de fome, os sertanejos nordestinos ainda tinham em seu encalço os bandidos cangaceiros que extorquiam o povo miserável e ceifavam vidas. Para ficarem livres desse incomodo social, os governantes, no final do século XIX e nas primeiras décadas do XX, incentivaram e levaram os famintos para os seringais amazonenses onde centenas foram mortos pelas doenças da floresta.

A concentração de terras nas mãos dos latifundiários e as violentas disputas políticas foram outros fatores que contribuíram para as matanças dos pobres sertanejos, apesar da prosperidade e abundância de dinheiro nos cofres públicos de algumas cidades, consideradas como terras “selvagens”, como Canhotinho, Garanhuns e Pesqueira, em Pernambuco.

A atuação de jagunços e cangaceiros foi explícita, culminando em 1917 com o episódio conhecido como a “hecatombe”, quando um grande número de bandoleiros do cangaço entrou em Garanhuns e massacrou diversos cidadãos.

Quem fala dessa situação de horror no sertão e agreste nordestino é o pesquisador Luiz Bernardo Pericás em sua obra “Os Cangaceiros”. Sobre a ação das estiagens inclementes, ele cita que no Rio Grande do Norte, após a dizimação de 70% do rebanho bovino, durante a seca de 1915, o algodão atuou como uma força na economia do Nordeste.

Pericás considera as condições climáticas adversas como possíveis responsáveis pela deterioração na produção, fome, aumento da pobreza e consequente incremento nas atividades dos bandidos. No século XX, de acordo com seu estudo, ocorreram estiagens prolongadas em 1900, 1903, 1915,1916 e 1932, “mas foi no período em que não aconteciam secas que o cangaço se mostrou mais robusto”.

No ano de 1877, talvez a mais dura seca do século XIX, houve um incremento nas pilhagens e saques, sobretudo na região do Cariri. No seu entendimento, grande parte dos roubos e furtos em períodos de secas era praticada por gente comum, por retirantes e flagelados.

O principal efeito das secas foi o êxodo para as grandes cidades, inclusive para as capitais das províncias. A população do Ceará, por exemplo, em 1877, foi reduzida a um terço. No entanto, a capital inchou. Em 1872, Fortaleza tinha 21 mil habitantes. Em 1877 emigraram para lá 85 mil pessoas. Um ano mais tarde esse número ultrapassou os 100 mil. A cidade de Aracati, que tinha uma população de cinco mil moradores, em 1878, chegou a 60 mil.

“Como resultado da grande estiagem de 1877, chusmas de mendigos percorriam as ruas em busca de algum tipo de caridade. Uma carta de um leitor de “O Cearense”, daquele ano, dizia que o povo está em desespero e logo as pessoas começarão a esmolar pelas portas, ou, como último recurso, iniciarão a rapinagem”.

Um artigo de “A Opinião”, da Paraíba, de 11 de novembro de 1877, afirmava que os sertões estão ficando desertos pela emigração para os brejos, impelida pela seca, a procura de recursos para manter a própria vida; e nos brejos surge a miséria pela superabundância de emigrantes que de tudo precisam, e nada conduzem.

O mesmo jornal, um mês depois descrevia que a seca lança consternação no seio de todas as famílias, e os criminosos e desordeiros roubam o que ainda nos resta, mesmo a honra e a própria vida. “Em todas as ruas veem-se cadáveres ambulantes e nus, sem forças para implorar uma esmola.

O jornalista Rodolfo Teófilo, falando do Ceará, citava que os comissários, distribuidores de socorros, tinham a ordem de dar uma ração ao retirante unicamente no dia da chegada. No dia seguinte, se quisesse ter direito a ajuda, deveria ir à pedreira de Mucuripe, seis quilômetros da capital, carregar pedras. Aquilo era bastante para roubar-lhe a vida – ressaltava

Escreve Pericás que, de abril a dezembro de 1877, cerca de 500 mil flagelados precisavam do auxílio do governo, que enviou 2.700 contos, uma quantia insuficiente para resolver a questão. Conforme pesquisas da época, a seca de 1877/79 matou mais de 500 mil pessoas. No período entre 1877 e 1907 houve um desfalque populacional superior a dois milhões de habitantes.

As duras condições climáticas de 1915 foram responsáveis por ceifar a vida de 30 mil cearenses e de expulsar do estado 42 mil flagelados. Aliado a tudo isso, houve um significativo aumento nos preços dos alimentos.

“A população civil, esfomeada, sem ter dinheiro nem condições de esperar pela distribuição da comida, acabava saqueando os armazéns de depósitos. Políticos e cangaceiros incitavam o populacho a tomar posse dos alimentos. Alguns cangaceiros davam alimentos em busca de apoio dos sertanejos”.

Segundo dados, de 1869 até o final do século XIX, mais de 300 mil pessoas saíram do Ceará, sendo mais de 250 mil para a Amazônia e mais 45 mil para o Sul do país. Por causa da seca, mais de 50 mil retirantes saíram do Rio Grande do Norte entre 1895 e 1910 para outros estados, inclusive para a região amazônica.

O Maranhão foi outro estado de destino dos retirantes, sobretudo entre 1900 e 1920. Os estados que continuaram mandando mais gente para fora do que recebendo, entre 1920 e 1940, foram Piauí, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia, em geral para o Sul do país.

No Passeio Público de Fortaleza, no ano de 1915, três mil miseráveis se apinhavam em péssimas condições. O jornalista Tomaz Pompeu Sobrinho narra aquela cena como um espetáculo inédito que atraia muitos curiosos. Dizia ele que era um local de promiscuidade e imundície aos olhos de milhares de expectadores e exploradores da miséria.

Incomodado com a situação deplorável, o presidente da província determinou que os retirantes fossem transferidos para o Sítio do Alagadiço, situado ao lado norte da rua Bezerra de Menezes. O local se transformou num verdadeiro campo de concentração de milhares de pedintes, sobretudo de mulheres com seus filhos pequenos ao colo, sujos, nus ou maltrapilhos. O campo se tornou insuficiente, apesar de comportar cerca de oito a nove mil almas.

Como forma de “solucionar” o problema, o presidente resolveu fomentar a emigração para os seringais da Amazônia. Ali, o paludismo e o beriberi completavam a obra de destruição das miseráveis vítimas das secas.

“A situação era desesperadora. Crianças desnutridas, enfermidades, cadáveres empilhados em grande quantidade em caminhões, e a ajuda do governo era precária e ineficiente”. Em 1932, ano de seca intensa, ocorreram a batalha de Mranduba, a prisão de Volta Seca e escaramuças de cangaceiros com a polícia.

Para Luiz Pericás, uma parcela significativa da população pobre não entrava para o cangaço, mas os cangaceiros atacavam o povo humilde do sertão.

Em dezembro de 1932, por causa do desespero causado pela dura estiagem e atacados pela fome, Corisco, sete “cabras” e duas mulheres entraram em Mocambo, perto de Pindobaçu, e saquearam as casas de todos os moradores, comendo tudo que encontraram pela frente. O fenômeno do cangaço acabou, mas as secas e a miséria continuam.