OS COMUNISTAS FLERTARAM COM O CANGAÇO QUE PREFERIU O BANDITISMO
O PCB “PAQUEROU O CANGAÇO, QUE RECEBEU CONVITE DO GOVERNO PARA COMBATER A COLUNA PRESTES, MAS PREFERIU CONTINUAR NO MUNDO DO CRIME.
A nação nordestina tem suas peculiaridades na religiosidade do seu povo, na cultura popular, nas inclementes secas, na profunda desigualdade regional, na sua mestiçagem diversa, no cangaço, no seu misticismo e na sua intelectualidade artística e cultural que precisam ser mais estudados, pesquisados e analisados.
Existem fatos inéditos e inusitados desconhecidos, como a primeira guerrilha armada do Brasil de enfrentamento às injustiças sociais contra os poderosos ter ocorrido no Nordeste. Na época da Coluna Prestes, os comunistas, que pouco conheciam a realidade da região, idealizaram conquistar e incorporar o cangaço às suas lutas, achando, ingenuamente, que os cangaceiros eram revolucionários.
Pela sua profunda religiosidade e crenças populares, o povo nordestino de um modo geral era bem mais anticomunista que simpatizante do sistema. A Igreja Católica que, naquela época exercia muita influência na população, via em Prestes o satanás, bem como a União Soviética.
SEM COMPONENTE IDEOLÓGICO
De acordo com o pesquisados Luiz Bernardo Pericás, os bandoleiros nunca tiveram um componente ideológico e nem uma consciência de classe, apesar de alguns militantes terem procurado a existência de embriões de guerrilhas sociais. Na verdade, o que os camponeses queriam mesmo era um pedaço de terra para trabalhar e produzir.
“As raízes da importância revolucionária das massas camponesas, há que buscá-las no arcaísmo do mundo rural, um mundo onde não apresenta os elementos que permitem o desenvolvimento do processo dialético”- comenta Pericás em sua obra “Os Cangaceiros”. Nunca houve uma “revolução camponesa”.
Os militantes socialistas estavam mal preparados intelectual e ideologicamente para elaborar um projeto de mudanças estruturais no campo. Havia escassez de livros marxistas no Brasil, ainda que a partir de 1930 textos de Marx, Lenin, Bukharin e Engels começassem a ser divulgados e vendidos no país.
As discussões e as questões do campo eram insuficientes. Mesmo assim, em 1928 foi criado o BOC – Bloco Operário e Camponês. Em 1932, membros do Comitê Central do PCB, por sugestão do dirigente José Caetano Machado, influenciado pela atuação dos cangaceiros, apoiaram a ideia de se constituir guerrilhas no campo.
Documentos avaliavam que grupos de cangaceiros de Lampião e outros arrastavam massas de jovens camponeses. Esta faixa que perdeu as esperanças de receber alguma coisa do Estado Feudal Burguês chegou a organizar grupos armados.
Para os teóricos, os cangaceiros tinham um potencial revolucionário que deveria ser aproveitado pelos comunistas. Na concepção deles, seria valido que se desse mais atenção ao interior de São Paulo e ao sertão nordestino.
O PCB insistiu nessa tese. Num informe para a III Conferência de Partidos Comunistas da América Latina e Caribe, realizado em Moscou, em 1934, preparado pelo chefe da delegação brasileira, Antônio Maciel Bonfim, houve uma posição oficial com relação à situação do campo e uma interpretação distorcida da realidade.
Imaginaram que os cangaceiros estavam unindo e chamando os camponeses à luta. Após a Conferência, os comunistas soviéticos, segundo assinala Pericás, iriam apoiar a intensificação dos contatos com os cangaceiros. Para a Secretaria Nacional do Partido, o cangaceiro era um revolucionário porque lutava contra o Estado.
Os comunistas achavam que se poderia dar um caráter revolucionário ao cangaço, ao ponto de idealizar que grupos de bandoleiros iriam adotar o programa da ALN-Aliança Nacional Libertadora, mas existiam várias pedras no caminho, como a religiosidade tradicional, o todo poderoso Padre Cícero Romão Batista, o “Padim Cicço” e os governos.
O projeto de guerrilhas no Nordeste se intensificou. O jornal A Classe Operária, na edição de 31 de julho de 1935, defendia que as lutas no campo deveriam estar ligadas com os cangaceiros. Entendiam que podiam ser conquistados e elevados ao nível político de suas lutas, só que não houve nada disso.
Desde os anos 20, a organização do PCB no Nordeste era frágil. Pelos meados da década de 30 seus componentes tinham que lutar contra os integralistas locais, contra o Governo Vargas e ainda atuar no campo onde os “coronéis” tinham muita força. As disputas políticas regionais, os caudilhos, os jagunços e os cangaceiros contavam com mais visibilidade que a luta armada comunista.
A avaliação dos comunistas sobre os bandoleiros estava equivocada. Os cangaceiros eram bandidos e não havia possibilidade de vínculo com os programas de mudanças sociais no meio social.
GRUPOS ARMADOS E OS “BANDIDOS VERMELHOS”
A experiência guerrilheira que mais tempo durou foi no Rio Grande do Norte, de julho de 1935/36, mas fracassou. Foram três grupos armados de doze homens cada, dois deles no município de Açu e um de Areia Branca. Contam que o cangaceiro Rouxinol, do bando de Lampião, preso e sentenciado a 30 anos de prisão, fugiu e se uniu a Gavião, membro do PCB, para formar um núcleo guerrilheiro.
Esses “bandoleiros vermelhos”, ou “bandidos vermelhos” eram compostos de gente do Partido. Muitos ingressaram nesse bando para encontrar refúgio, já que eram ladrões e assassinos sentenciados e condenados ao encarceramento.
Dos grupos citados, somente um, com 40 pessoas, entrou em ação. Os líderes reuniam seus homens no meio da caatinga, discutiam aumentos salariais e métodos para convocar camponeses para atacar fazendas de algodão e eliminar seus donos. Suas ações se limitavam a assaltos e assassinatos.
Com poucas armas e com gente participando à força, o bando foi perdendo seu potencial “revolucionário”. A maioria nem sabia o que era comunismo. Em setembro de 35, alguns guerrilheiros serraram os trilhos da ferrovia Areia Branca – Mossoró, na tentativa de descarrilhar o trem que levava uma comitiva de integralistas para o sertão. As autoridades descobriram a sabotagem e evitaram o ataque.
No Levante Comunista, os “bandidos vermelhos” não tiveram nenhuma ação de destaque. Embrenhados no Nordeste, os comunistas faziam de tudo para sobreviver. Contavam com o apoio de caudilhos, alguns deputados da Aliança Social e pequenos comerciantes que forneciam armas, alimentos e esconderijos.
Nos poucos combates, os guerrilheiros cantavam e gritavam. No lugar de “Mulher Rendeira” dos cangaceiros, se ouvia gritos de Viva a ANL, Viva Luis Carlos Prestes. A aventura terminou com a denúncia contra os combatentes feita Manoel Feliciano Pereira, que se entregou à polícia e indicou onde ficava o esconderijo. Todos “revolucionários” foram detidos.
Durante todo período do cangaço, apenas o bandoleiro comerciante pernambucano Manuel Vitor, que iniciou sua vida no cangaço, em 1926, se tornou comunista e foi assassinado pela polícia alagoana, em 1937. Outro cangaceiro que demonstrava sensibilidade política foi Antônio Silvino (1897-1914). Foi até admirador da Revolução Russa de 1917 quando estava preso na Casa de Detenção de Recife. Teve até contato com Gregório Bezerra.
Destaca Luiz Pericás, que o PCB, nos anos 30, parecia interpretar a situação de forma equivocada, tanto quanto os jornais do Ceará na segunda metade do século XIX. Alguns periódicos, impressionados com a Comuna de Paris, viam perigo do comunismo nas fileiras do cangaço. Para os jornais, a ação dos salteadores seria suficiente para caracterizar a “proclamação do comunismo no sertão”.
A situação incomodava tanto os sertanejos que, supostamente, o “Padim Ciço” teria sonhado, em 1872, ter visto um urso feroz com grandes patas sobre todo o planeta, causando sofrimento e ruínas aos países.
Correu boatos que em 1925 quando estava na fazenda do Poço, no Ceará, Lampião teria demonstrado simpatia pelos revoltosos da Coluna Prestes. Sua admiração ao “Cavalheiro da Esperança” seria tanta que planejava formar um batalhão para se unir aos rebeldes tenentistas para travar uma guerra aos estados de Pernambuco e Paraíba. Nessa época, os revoltosos estavam tentando aliciar o “rei do cangaço”, conforme Flores da Cunha. Comentou-se até que uma farda do exército teria sido presenteada a Virgulino.
No entanto, não existem documentos oficiais de que Lampião tivesse manifestado entusiasmo em se unir aos rebeldes. Pelo contrário, o cangaceiro se aliou, por um breve tempo, ao governo para combater Prestes e seus soldados. O apoio da população a Prestes foi uma decepção e ele mesmo confessou isso. “Achávamos que éramos uns loucos, uns aventureiros…” disse o próprio Prestes, ao acrescentar que jovens, que queriam sair de casa, aderiram à causa.
Pericás diz que “de fato os “tenentes” tinham um projeto ideológico e intelectual insuficiente e horizontes políticos limitados. Seu conhecimento das particularidades do meio rural nordestino era grande”. O próprio Prestes afirmava que não existia essa noção de classe.
Quando A Coluna Prestes cruzava uma localidade era comum haver saques e roubos praticados por bandos de ladrões. Em seguida as forças regulares chegavam pilhando o que restava, praticando todo tipo de violência contra os habitantes.
APELO A LAMPIÃO E AOS CANGACEIROS
Pelas dificuldades em combates contra os “revoltosos” no Nordeste, o governo do presidente Artur Bernardes apelou para a ajuda de jagunços e cangaceiros. Quem fez essa intermediação foi o deputado Floro Bartolomeu e o Padre Cícero Romão Batista, o “Padim Ciço”.
No início o sacerdote não queria ter participação na luta contra os homens de Prestes. Chegou a enviar uma carta ao “Cavaleiro da Esperança”, exaltando sua bravura, mas sugeriu que suas tropas fizessem paz e que seriam acolhidas em Juazeiro, com todas garantias. Disse não se sentir bem ver esse espetáculo de brasileiros contra brasileiros numa luta fraticida e exterminadora. Na longa carta, insistiu em dar garantias legais e ser advogado de todos perante os poderes constitucionais da República. Em seu convite pela paz, falou em Deus e pátria.
Do outro lado, o Floro Bartolomeu, que foi nomeado para administrar o Ceará, encaminhou uma carta a Lampião por meio de emissários. A missiva, assinada pelo caudilho e o “Padim Ciço”, convocava o “rei do cangaço” a um encontro com o padre, em Juazeiro, onde estariam sediados mil homens recrutados com vistas a lutar. Na bagagem, Floro conseguiu, no Rio de Janeiro, mil contos de reais e um vasto material bélico para organizar um “Batalhão Patriótico”. Em 31 de dezembro de 1925 ele se deslocou de trem de Fortaleza até Juazeiro, para realizar tal objetivo. Antes, o Floro sediou as tropas em Campos Sales.
Lampião ficou desconfiado em ir ao encontro por acreditar ser uma armadilha e uma traição, com a intenção de prendê-lo. Só depois de mostrarem a assinatura do sacerdote foi que ele aceitou ir a Juazeiro com 49 cangaceiros, no dia quatro de março de 1926, ficando ali por três dias.
Virgulino foi recebido com muita festa por cerca de quatro mil pessoas que cercaram os bandidos para ver de perto aqueles homens. O chamado “governador do sertão” foi assediado por repórteres e fotógrafos. O padre foi o responsável por convencê-lo a entrar na luta contra a Coluna Prestes e pediu que Lampião largasse a vida de bandido.
“Padim Ciço” mandou buscar o inspetor agrícola do Ministério da Agricultura, Pedro de Albuquerque Uchoa, que ficou incumbido de, em nome do governo, entregar as patentes militares. Com as anotações do padre, Uchoa fez a suposta “promoção”. Nomeou Lampião ao posto de “capitão” e outros a primeiro e segundo tenentes. A carta foi data em 12 de abril de 1926, mas só que o “capitão” se encontrava em Juazeiro no começo de março. Era uma farsa. Além disso, o suposto documento concedia a Lampião e seus comparsas a liberdade de se locomoverem, podendo atravessar as fronteiras de qualquer estado nordestino.
Antes de receber a patente forjada de ‘capitão, Lampião teria contado que chegou a combater a Coluna entre São Miguel e Alto de Areias, mas teve que recuar depois de forte tiroteio. Contou ainda que chegou a ter o desejo de se incorporar às forças patrióticas de Juazeiro.
Depois de supostamente se tornar militar, Lampião não foi levado a sério. Em pouco tempo percebeu que continuaria sendo considerado um bandido pelas policias dos estados e que o documento não seria respeitado. Diante disso, resolveu permanecer na vida do crime.