CASA GLAUBER PODE SER “TOMBADA”
Há cerca de 20 anos ou mais, quando chefiava a Sucursal do Jornal A Tarde, em Vitória da Conquista, passeia uma grande vergonha e tive que explicar o inexplicável. Confesso que fiquei todo embaraçado, como diz o tabaréu ou matuto catingueiro.
Recebi a visita de um amigo-colega de Salvador, um tipo intelectual ativista da cultura e estudioso do cinema que, logo ao chegou à cidade, me fez o primeiro pedido de que gostaria de conhecer a casa onde Glauber Rocha nasceu.
Ele imaginava que ali funcionava uma cinemateca, oficinas de audiovisual ou um museu sobre a vida do grande cineasta baiano conquistense Glauber Rocha. Fui obrigado a dizer que não era nada disso e que lá ainda morava uns parentes da sua família.
Ficou surpreso e começou a fazer uma série de indagações do porquê a Prefeitura Municipal ainda não havia adquirido o imóvel. Dei uma tapeada e contei das dificuldades financeiras, além de que sua mãe insistia em pedir um preço muito alto ao poder público.
Apesar de tudo e um tanto decepcionado devido a situação do local ainda não ser um memorial em homenagem ao filho da terra, que encantou o Brasil e o mundo com seu cinema novo preocupado com as questões sociais e políticas, o amigo insistiu na visitação.
Assim sendo, fui lá na rua Dois de Julho, bati da porta e me recebeu um senhor ou uma senhora. Apresentei o admirador de Glauber, vindo de Salvador, e falei do seu grande interesse em conhecer a casa e seus cômodos.
Mesmo sem ser muito receptivo, ele, ou ela, concordou com a visitação. Ficamos por uns tempos imaginando o menino traquino e irrequieto, como sempre se comportou, correndo entre os quartos, na sala e no quintal. Claro que depois o colega continuou com suas críticas sobre a falta de atitude da prefeitura.
Isso foi há mais de 20 anos e a propriedade já estava deteriorada, necessitando de reparos e conservação. Passado esse tempo, mesmo depois do imóvel ter sido comprado pelo executivo (dinheiro do povo), praticamente não recebeu as devidas reformas e corre o risco de ser literalmente tombado, não no sentido de patrimônio municipal.
Como disse alguém do “Estradeiros da Cultura”, “esse espaço não é apenas um imóvel, mas um símbolo vivo da história de Glauber Rocha, das suas origens e do universo criativo que ajudou a moldar”, com os principais filmes “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964), “Terra em Transe” (1967) e o “Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” (1968) e tantos outros.
Essas obras foram aclamadas e renderam reconhecimento nacional e internacional, inclusive no Festival de Cannes. Glauber foi um dos principais expoentes do Cinema Novo. Seu trabalho ficou marcado por uma visão crítica do Brasil e do Terceiro Mundo.
Como foi dito, “preservar a Casa Glauber é preservar a essência de um artista que transformou a cultura nacional, trazendo ao mundo narrativas que falam da identidade, das lutas e das contradições do Brasil”.
A administração de Conquista, de forma vergonhosa, deixou de assumir compromisso com a arte e a cultura. Preferiu de maneira brutal assassinar o legado de Glauber, bem como de muitos outros. A própria ação do tempo está deteriorando a casa através de fuligens dos automóveis, cupins, insetos e sujeiras que contribuem para rachar as paredes
Nosso amigo Dal Farias nos conta que recentemente passou em frente da casa e observou que existe uma parte enorme de concreto sobre o muro, na eminência de cair, ou tombar, podendo até gerar uma tragédia.
Entendo que os nossos artistas em geral, incluindo todas as linguagens, ativistas culturais, todos os movimentos unidos, intelectuais, estudantes e professores devem, acima de qualquer questão, cuidar primeiro da nossa aldeia cultural. Como ela está? Transformou-se numa choça abandonada em meio a um matagal.
Ouvi uma notícia vinda de Brumado, dando conta que lá, distante 135 quilômetros de Conquista, seis ou sete vezes maior em população e desenvolvimento econômico, o festival de música popular, com concursos e premiações, se tornou patrimônio municipal. Em Caetité, a Casa Anísio Teixeira foi tombada e continua preservada, como a de Jorge Amado, em Ilhéus. com memoriais e realização de uma série de eventos culturais.
Como conquistense, não de forma biológica, mas como filho adotivo (tenho o título de cidadão), aqui morando há 34 anos, me sinto envergonhado e triste por ver tanto descalabro contra a nossa cultura. Até quando vamos ficar de braços cruzados, só falando e arrotando teorias com cartas e documentos?