A ESQUERDA PRECISA ADEQUAR SUA LINGUAGEM PARA UM POVO AMUADO
– Vocês deveriam é estar falando de Jesus Cristo e não dessas coisas.
Estava no protesto da “PEC da Blindagem ou da Bandidagem” da Câmara dos Deputados, na Feirinha do Bairro Brasil, no domingo (dia 21/09) com minha bandeira do PSOL, e ouvi essa frase de religiosidade de uma senhora idosa que se aproximou de mim e falou quase ao pé do ouvido.
Dei uma risada marota e ela se foi com sua sacola de verduras. Na saída conversei com alguns feirantes e ouvi deles um papo de indiferença, de que aquela manifestação, de cerca de 500 pessoas, para uma cidade de 400 mil habitantes, era coisa de sindicato e de gente que não tinha nada para fazer.
– “É briga de cachorro grande. Só xingamentos e baixaria” – disse um, com a cara fechada de que não estava para muita prosa. O moço flamenguista do bar estava mais ligado no futebol, do “segue o líder”. O povo está empacado e amuado como mula na estrada.
Abri meu comentário com estas falas para expressar minha opinião no sentido de que as esquerdas de um modo geral precisam sair da teoria das palavras e conhecer mais de perto a realidade desse povo brasileiro, um povo que está amuado, arredio e perdeu a confiança e a credibilidade nos políticos, embora vá às urnas votar em épocas de eleições, embalado pela propaganda de um dever cívico.
Os tempos são outros e esse povo que aí está apático é a matéria-prima moldada ao longo dos anos pelos próprios políticos. Nada foi feito de forma inconsciente, mas com o propósito planejado de poder manipular.
Saudades daqueles tempos quando as esquerdas iam às suas bases políticas, dialogavam e se misturavam ao povo nas fábricas e nas ruas. Aquela linguagem ainda surtia efeitos, mas hoje ela está arcaica, grosseira, agressiva, de xingamentos de baixo calão e nivelada aos extremistas fascistas e de direita. É uma esquerda sem brilho que não mais empolga como antigamente.
É tudo o que eles querem e o povo abomina e vira as costas. Como é que se faz um jingle onde o refrão diz que vai queimar os fascistas? Queimar lembra fogueira e inquisição da idade medieval. Isso só faz criar mais ódio, rancor e intolerância. Xingar o inimigo com açoites é dar mais combustível para sua sobrevivência.
Contestar e protestar sim, mas numa linguagem que alcance o povo e traga ele para se unir e apoiar as causas políticas justas, como essa PEC da bandidagem dos deputados e da anistia aos que tentaram um Golpe de Estado com fins de implantar uma nova ditadura.
Além da linguagem inadequada, tem também a falta de postura política. Quem usou a palavra lá na Feirinha do Bairro Brasil ficou de frente para a militância quando deveria se postar em direção aos feirantes, numa linguagem mais popular, compreensiva e objetiva.
A maioria do povo, por exemplo, ouve os fatos na mídia, mas não sabe muito bem destrinchar o que é essa PEC e essa anistia. Perdemos muito tempo nos xingamentos, bravatas e chavões caducos irritantes.
Nas grandes capitais, mesmo com shows de artistas medalhões, que não é necessário aqui citar os nomes, o público ficou em torno de 50 mil. Muito pouco para uma questão tão importante e grave contra a nossa democracia, perpetrada por aqueles bandidos da Câmara que querem se tornar deuses intocáveis!
Será que ainda vamos colocar 100, 200, 500 e até um milhão nas praças, ruas e avenidas, como já aconteceu há 50 anos? Com essa linguagem e esse comportamento, acredito que não. Será que o povo brasileiro da atualidade é um caso perdido? Temos como reverter esse quadro de comodismo, alienação e ausência de consciência política?
Boa parte da esquerda atual virou revolucionária de postagens na internet e discursos anacrônicos. A maioria das pessoas não lê e deleta os textos academicistas de filósofos socialistas.
Outra parte está calada e decepcionada com tudo o que está ocorrendo de absurdo. Muitos preferem não mais se engajar para não serem execrados e expelidos pelo pensamento ideológico impositivo.
E OS TRABALHADORES E JOVENS?
Com a reforma trabalhista de “escravidão”, os sindicatos foram desmantelados e nossos trabalhadores foram engessados. As relações entre capital e trabalho se transformaram num monólogo onde o patrão é quem dá o veredicto e o operário tem que aceitar senão vai para o olho da rua.
Essa classe foi abandonada, inclusive pela esquerda com quem tinha um elo e suporte para levantar suas demandas e reivindicações. As centrais se enfraqueceram e os trabalhadores passaram a não acreditar mais nos políticos.
Resolveram se afastar da política e só querem ter um carro e um dinheirinho no bolso para fazerem uma farra no final de semana. A grande maioria de jovens e trabalhadores superlota os estádios de futebol, berra, se mata e dá a vida pelo seu clube preferido. Eles fazem parte de uma torcida fanática que quebra centros de treinamento quando seu time não vai bem num campeonato.
É preciso que essa massa seja resgatada, tanto quanto os nossos jovens, hoje apolíticos enfurnados na internet, nas religiões evangélicas conservadoras e até extremistas de direita. Muitos foram vítimas de lavagem cerebral dos pastores.
Os ídolos dessa juventude de hoje não são mais os intelectuais, os artistas das gerações de 50, 60 e 70, os escritores, os grandes poetas e as figuras ilustres sérias da política, comprometidas com o social, a coisa pública e o bem-estar da população de um modo geral.
Seus ídolos atuais são os “influenciadores” digitais de vídeos virtuais de milhões de visualizações, cantores sertanejos, gospel, do arrocha, do axé, da sofrência e outros estilos do barulho eletrônico de letras superficiais sem conteúdo. Seus ídolos são os jogadores de futebol de seus times.
Os estudantes e os trabalhadores que arrastavam multidões nas passeatas de protestos nas ruas, avenidas e praças, atualmente são arrastados por bandas e trios carnavalescos no papel de “pipocas” do asfalto, por shows de “compositores e músicos” de “tira o pé do chão” e por megas eventos em louvor a Jesus.