:: set/2025
AS PAQUERAS, COMO ELAS ERAM
– Hoje está fazendo muito calor, né! Esfriou, parece que vai chover e cair uma tempestade! Está gostando do quadro, ou da pintura? Esses ônibus só vivem atrasando! Está aqui há quanto tempo?
Essas falas são daquele paquerador mais tímido quando queria se aproximar de uma mulher e puxar uma conversa, seja num ponto de ônibus, num banco da praça ou até numa exposição de artes plásticas. Tem também aquele tímido que fica de longe só no olhar.
– Vai lá, cara, a mina está na tua – diz o companheiro mais extrovertido e passa as dicas. Pior era quando levava um fora! Ai o “paquerador” ficava traumatizado por um bom tempo ou pelo resto da vida. Em compensação, tem mulher que adora o tímido, calado. Outras preferem o falador, contador de estórias e vantagens.
– Posso estender a minha toalha aqui perto dessas beldades, ou princesas”? Essa é de paquerador de praia, aquele tipo marombado só de sunga. Às vezes dava certo e rolavam umas agarradas e até motel.
São papos antigos que não colam mais, e hoje podem ser considerados até como assédio ou politicamente incorreto. Tinha o paquerador amador e aquele que se achava profissional, de boa lábia que até ensinava ao amigo como “fisgar” uma namorada.
– Vai lá e diz isso que é batata! Ela vai arriar os quatros pneus! Eram os bordões antigos que hoje servem até de deboche, sem contar que os homens de hoje estão mais arredios e receosos do que as mulheres.
Sem ser machista, as mulheres atualmente são as que mais partem para a paquera porque dificilmente serão acusadas de assédio ou serem enquadradas no “crime” do politicamente incorreto. Esses “lances” aparecem muito nos filmes e nas novelas de televisão.
Ora, não dizem que nos tempos atuais, homens e mulheres são todos iguais! No entanto, quando uma mulher “parte” para o homem, ele não vai denunciar que está sendo assediado. Sente vergonha de ser chamado de outra coisa.
Na novela das sete, da Rede Globo, vi uma curiosa. A jovem tentou beijar o rapaz e quando ele se recusou, foi chamado de “frouxo”. Não criaram o slogan no carnaval, do “não, é não”? Isso não constitui também importunação quando o assédio é da mulher para o homem?
Bem, nos tempos antigos, os bordões de paquera eram expressões populares que, na época, serviam para iniciar uma conversa, ou criar um clima de romance, normalmente inspirados e influenciados nas novelas, agências de propaganda e filmes.
Existem muitos exemplos, como “meu amor, a vida é um eterno aprendizado”, na novela “O Clone”, ou “pode entrar, o meu braço é do tamanho da sua saudade, do seu Madruga, do seriado “Chaves”.
Lembra daquele famoso bordão de “não é assim uma Brastemp! ” As linguagens e a gírias populares também serviram de base para a criação de bordões e podem ser encontradas em vídeos antigos.
“Não quero ser precipitado, muito menos te assustar”, “mas é nesse teu sorriso que o meu beijo quer morar” (Gustavo Mioto), “Por que você não sai daí e vem aqui”? “Caiu na rede, é peixe”. São muitos entre outros os bordões populares.
“Você me deixa sem palavras”. Recordam dessa frase de paquera, uma das mais antigas, direta e romântica. Hoje é vista como “chulé” e fraca onde a mulher chama o cara de babaca. Essas frases tinham a intenção de criar um laço afetivo.
“A alegria de saber que você existe, supera de ter você, mas eu desejava as duas”. Essa é até mais filosófica, diferente de “você é um doce de coco”, “você é muita areia para meu caminhão”, “só queria tropeçar e cair na sua boca”, “afinal, eu não consegui sua atenção, pelo menos vou ter um bom treino de musculação”, “Você sabe que é perigoso ignorar”? “Você não é o sol, mas você ilumina os meus dias”.
Saudades daquelas paqueras, sem serem politicamente incorretas. Na maioria das vezes, o indivíduo não avançava quando era rejeitado. Saia de fininho, envergonhado. Eram um tanto ingênuas, muitos riam e até levavam na esportiva. Algumas deram até casamentos.
POUCO SE FALA DA DISCRIMINAÇÃO SOCIAL VIOLENTA CONTRA O POBRE
É fato que o negro brasileiro ainda sofre na pele o preconceito racial abominável de cor e exclusão social. Ele é visto pelo sistema de segurança policial como um todo, em qualquer lugar, como um potencial criminoso e assim é tratado como tal, mas pouco se tem falado da discriminação social também violenta contra o pobre, não importando a sua etnia, se branca, parda, mameluca ou cabocla.
Não são todos, mas tenho ouvido muitos discursos de raiva e rancor de alguns movimentos negros e de pessoas isoladas, sempre citando a vergonhosa escravidão cruel e brutal de 350 anos, mas se esquece da discriminação e das injustiças sociais de 525 contra os pobres em geral.
Temos no Brasil o negro pobre e o negro rico, que é mais aceito e visto de outra maneira por essa nossa sociedade hipócrita e falsa. No entanto, o pobre, seja qual for sua raça, é sempre pobre e excluído por causa da sua posição econômica debilitada. Em nosso país, o pardo, o chamado “moreno”, ou o mameluco índio é considerado como classe branca no conceito popular.
É justamente neste aspecto que as estatísticas pecam quando incluem todos no mesmo rol e não levam em conta a forte mestiçagem do povo brasileiro. Em Salvador, por exemplo, mais de 90% são negros ou pardos e estes apareceram nos dados nos últimos anos. A etnia branca é composta de uma minoria.
A nação nordestina, e aqui falo do interior e não do litoral, a grande maioria é formada de mestiços pobres explorados e até escravizados, ao lado dos negros por séculos pelos senhores de engenhos, fazendeiros latifundiários, poderosos políticos, caudilhos e os “coronéis”. No entanto, os discursos de reparação e discriminação se referem apenas aos negros.
Em meu entendimento, é preciso que as falas sejam unificadas e não separadas, de que somente os negros são injustiçados. Entre os próprios brancos, a maioria vive em estado de pobreza. Os pobres de um modo geral foram e ainda são violentados em seus direitos constitucionais durante esses 525 anos de profunda desigualdade social e econômica.
Tanto os crimes de racismo pela cor da pele quanto os crimes de discriminação do pobre branco mestiço são repugnantes e ferem as almas humanas. O racismo contra o negro traumatiza e é revoltante. A pobreza em geral aniquila lentamente o indivíduo. Será que não existe “branco” pobre?
No IBGE me declarei como pardo porque é assim que me vejo, nem branco e nem negro. Sou um mestiço. Por ter nascido pobre na roça, filho de lavradores, sei muito bem o quanto sofri de discriminação social e na forma de bullying, considerado matuto lenhado.
Quando conclui meu primário em Piritiba durante final dos anos 50, construíram o primeiro ginásio na pequena cidade, com vagas limitadas. Me atrevi a fazer a admissão, mesmo sendo avisado de que eu não passaria nos testes porque as cadeiras já estavam reservadas para os filhos dos ricos e dos políticos.
Nem é preciso responder que fui sumariamente “eliminado” e ainda fui achincalhado. Meu pai, que não tinha a noção dessa brutal discriminação social, esbravejou duramente comigo. Um ano ou dois depois fui para o Seminário Nossa Senhora do Bom Conselho, em Amargosa, um ensino bem mais puxado, fiz a admissão e passei.
Esse é tão somente um exemplo da minha pessoa há quase 70 anos, mas episódios dessa natureza continuam a existir pelo Brasil aos montes e não é somente contra os negros. Claro que eles são mais atingidos. A pior violação, a mais criminosa e assassina, é a discriminação no campo social e essa nem é punida com multa, indenização e cadeia.
OS COMUNISTAS FLERTARAM COM O CANGAÇO QUE PREFERIU O BANDITISMO
O PCB “PAQUEROU O CANGAÇO, QUE RECEBEU CONVITE DO GOVERNO PARA COMBATER A COLUNA PRESTES, MAS PREFERIU CONTINUAR NO MUNDO DO CRIME.
A nação nordestina tem suas peculiaridades na religiosidade do seu povo, na cultura popular, nas inclementes secas, na profunda desigualdade regional, na sua mestiçagem diversa, no cangaço, no seu misticismo e na sua intelectualidade artística e cultural que precisam ser mais estudados, pesquisados e analisados.
Existem fatos inéditos e inusitados desconhecidos, como a primeira guerrilha armada do Brasil de enfrentamento às injustiças sociais contra os poderosos ter ocorrido no Nordeste. Na época da Coluna Prestes, os comunistas, que pouco conheciam a realidade da região, idealizaram conquistar e incorporar o cangaço às suas lutas, achando, ingenuamente, que os cangaceiros eram revolucionários.
Pela sua profunda religiosidade e crenças populares, o povo nordestino de um modo geral era bem mais anticomunista que simpatizante do sistema. A Igreja Católica que, naquela época exercia muita influência na população, via em Prestes o satanás, bem como a União Soviética.
SEM COMPONENTE IDEOLÓGICO
De acordo com o pesquisados Luiz Bernardo Pericás, os bandoleiros nunca tiveram um componente ideológico e nem uma consciência de classe, apesar de alguns militantes terem procurado a existência de embriões de guerrilhas sociais. Na verdade, o que os camponeses queriam mesmo era um pedaço de terra para trabalhar e produzir.
“As raízes da importância revolucionária das massas camponesas, há que buscá-las no arcaísmo do mundo rural, um mundo onde não apresenta os elementos que permitem o desenvolvimento do processo dialético”- comenta Pericás em sua obra “Os Cangaceiros”. Nunca houve uma “revolução camponesa”.
Os militantes socialistas estavam mal preparados intelectual e ideologicamente para elaborar um projeto de mudanças estruturais no campo. Havia escassez de livros marxistas no Brasil, ainda que a partir de 1930 textos de Marx, Lenin, Bukharin e Engels começassem a ser divulgados e vendidos no país.
As discussões e as questões do campo eram insuficientes. Mesmo assim, em 1928 foi criado o BOC – Bloco Operário e Camponês. Em 1932, membros do Comitê Central do PCB, por sugestão do dirigente José Caetano Machado, influenciado pela atuação dos cangaceiros, apoiaram a ideia de se constituir guerrilhas no campo.
Documentos avaliavam que grupos de cangaceiros de Lampião e outros arrastavam massas de jovens camponeses. Esta faixa que perdeu as esperanças de receber alguma coisa do Estado Feudal Burguês chegou a organizar grupos armados.
Para os teóricos, os cangaceiros tinham um potencial revolucionário que deveria ser aproveitado pelos comunistas. Na concepção deles, seria valido que se desse mais atenção ao interior de São Paulo e ao sertão nordestino.
O PCB insistiu nessa tese. Num informe para a III Conferência de Partidos Comunistas da América Latina e Caribe, realizado em Moscou, em 1934, preparado pelo chefe da delegação brasileira, Antônio Maciel Bonfim, houve uma posição oficial com relação à situação do campo e uma interpretação distorcida da realidade.
Imaginaram que os cangaceiros estavam unindo e chamando os camponeses à luta. Após a Conferência, os comunistas soviéticos, segundo assinala Pericás, iriam apoiar a intensificação dos contatos com os cangaceiros. Para a Secretaria Nacional do Partido, o cangaceiro era um revolucionário porque lutava contra o Estado.
Os comunistas achavam que se poderia dar um caráter revolucionário ao cangaço, ao ponto de idealizar que grupos de bandoleiros iriam adotar o programa da ALN-Aliança Nacional Libertadora, mas existiam várias pedras no caminho, como a religiosidade tradicional, o todo poderoso Padre Cícero Romão Batista, o “Padim Cicço” e os governos.
O projeto de guerrilhas no Nordeste se intensificou. O jornal A Classe Operária, na edição de 31 de julho de 1935, defendia que as lutas no campo deveriam estar ligadas com os cangaceiros. Entendiam que podiam ser conquistados e elevados ao nível político de suas lutas, só que não houve nada disso.
Desde os anos 20, a organização do PCB no Nordeste era frágil. Pelos meados da década de 30 seus componentes tinham que lutar contra os integralistas locais, contra o Governo Vargas e ainda atuar no campo onde os “coronéis” tinham muita força. As disputas políticas regionais, os caudilhos, os jagunços e os cangaceiros contavam com mais visibilidade que a luta armada comunista.
A avaliação dos comunistas sobre os bandoleiros estava equivocada. Os cangaceiros eram bandidos e não havia possibilidade de vínculo com os programas de mudanças sociais no meio social.
GRUPOS ARMADOS E OS “BANDIDOS VERMELHOS”
A experiência guerrilheira que mais tempo durou foi no Rio Grande do Norte, de julho de 1935/36, mas fracassou. Foram três grupos armados de doze homens cada, dois deles no município de Açu e um de Areia Branca. Contam que o cangaceiro Rouxinol, do bando de Lampião, preso e sentenciado a 30 anos de prisão, fugiu e se uniu a Gavião, membro do PCB, para formar um núcleo guerrilheiro.
Esses “bandoleiros vermelhos”, ou “bandidos vermelhos” eram compostos de gente do Partido. Muitos ingressaram nesse bando para encontrar refúgio, já que eram ladrões e assassinos sentenciados e condenados ao encarceramento.
Dos grupos citados, somente um, com 40 pessoas, entrou em ação. Os líderes reuniam seus homens no meio da caatinga, discutiam aumentos salariais e métodos para convocar camponeses para atacar fazendas de algodão e eliminar seus donos. Suas ações se limitavam a assaltos e assassinatos.
Com poucas armas e com gente participando à força, o bando foi perdendo seu potencial “revolucionário”. A maioria nem sabia o que era comunismo. Em setembro de 35, alguns guerrilheiros serraram os trilhos da ferrovia Areia Branca – Mossoró, na tentativa de descarrilhar o trem que levava uma comitiva de integralistas para o sertão. As autoridades descobriram a sabotagem e evitaram o ataque.
No Levante Comunista, os “bandidos vermelhos” não tiveram nenhuma ação de destaque. Embrenhados no Nordeste, os comunistas faziam de tudo para sobreviver. Contavam com o apoio de caudilhos, alguns deputados da Aliança Social e pequenos comerciantes que forneciam armas, alimentos e esconderijos.
Nos poucos combates, os guerrilheiros cantavam e gritavam. No lugar de “Mulher Rendeira” dos cangaceiros, se ouvia gritos de Viva a ANL, Viva Luis Carlos Prestes. A aventura terminou com a denúncia contra os combatentes feita Manoel Feliciano Pereira, que se entregou à polícia e indicou onde ficava o esconderijo. Todos “revolucionários” foram detidos.
Durante todo período do cangaço, apenas o bandoleiro comerciante pernambucano Manuel Vitor, que iniciou sua vida no cangaço, em 1926, se tornou comunista e foi assassinado pela polícia alagoana, em 1937. Outro cangaceiro que demonstrava sensibilidade política foi Antônio Silvino (1897-1914). Foi até admirador da Revolução Russa de 1917 quando estava preso na Casa de Detenção de Recife. Teve até contato com Gregório Bezerra.
Destaca Luiz Pericás, que o PCB, nos anos 30, parecia interpretar a situação de forma equivocada, tanto quanto os jornais do Ceará na segunda metade do século XIX. Alguns periódicos, impressionados com a Comuna de Paris, viam perigo do comunismo nas fileiras do cangaço. Para os jornais, a ação dos salteadores seria suficiente para caracterizar a “proclamação do comunismo no sertão”.
A situação incomodava tanto os sertanejos que, supostamente, o “Padim Ciço” teria sonhado, em 1872, ter visto um urso feroz com grandes patas sobre todo o planeta, causando sofrimento e ruínas aos países.
Correu boatos que em 1925 quando estava na fazenda do Poço, no Ceará, Lampião teria demonstrado simpatia pelos revoltosos da Coluna Prestes. Sua admiração ao “Cavalheiro da Esperança” seria tanta que planejava formar um batalhão para se unir aos rebeldes tenentistas para travar uma guerra aos estados de Pernambuco e Paraíba. Nessa época, os revoltosos estavam tentando aliciar o “rei do cangaço”, conforme Flores da Cunha. Comentou-se até que uma farda do exército teria sido presenteada a Virgulino.
No entanto, não existem documentos oficiais de que Lampião tivesse manifestado entusiasmo em se unir aos rebeldes. Pelo contrário, o cangaceiro se aliou, por um breve tempo, ao governo para combater Prestes e seus soldados. O apoio da população a Prestes foi uma decepção e ele mesmo confessou isso. “Achávamos que éramos uns loucos, uns aventureiros…” disse o próprio Prestes, ao acrescentar que jovens, que queriam sair de casa, aderiram à causa.
Pericás diz que “de fato os “tenentes” tinham um projeto ideológico e intelectual insuficiente e horizontes políticos limitados. Seu conhecimento das particularidades do meio rural nordestino era grande”. O próprio Prestes afirmava que não existia essa noção de classe.
Quando A Coluna Prestes cruzava uma localidade era comum haver saques e roubos praticados por bandos de ladrões. Em seguida as forças regulares chegavam pilhando o que restava, praticando todo tipo de violência contra os habitantes.
APELO A LAMPIÃO E AOS CANGACEIROS
Pelas dificuldades em combates contra os “revoltosos” no Nordeste, o governo do presidente Artur Bernardes apelou para a ajuda de jagunços e cangaceiros. Quem fez essa intermediação foi o deputado Floro Bartolomeu e o Padre Cícero Romão Batista, o “Padim Ciço”.
No início o sacerdote não queria ter participação na luta contra os homens de Prestes. Chegou a enviar uma carta ao “Cavaleiro da Esperança”, exaltando sua bravura, mas sugeriu que suas tropas fizessem paz e que seriam acolhidas em Juazeiro, com todas garantias. Disse não se sentir bem ver esse espetáculo de brasileiros contra brasileiros numa luta fraticida e exterminadora. Na longa carta, insistiu em dar garantias legais e ser advogado de todos perante os poderes constitucionais da República. Em seu convite pela paz, falou em Deus e pátria.
Do outro lado, o Floro Bartolomeu, que foi nomeado para administrar o Ceará, encaminhou uma carta a Lampião por meio de emissários. A missiva, assinada pelo caudilho e o “Padim Ciço”, convocava o “rei do cangaço” a um encontro com o padre, em Juazeiro, onde estariam sediados mil homens recrutados com vistas a lutar. Na bagagem, Floro conseguiu, no Rio de Janeiro, mil contos de reais e um vasto material bélico para organizar um “Batalhão Patriótico”. Em 31 de dezembro de 1925 ele se deslocou de trem de Fortaleza até Juazeiro, para realizar tal objetivo. Antes, o Floro sediou as tropas em Campos Sales.
Lampião ficou desconfiado em ir ao encontro por acreditar ser uma armadilha e uma traição, com a intenção de prendê-lo. Só depois de mostrarem a assinatura do sacerdote foi que ele aceitou ir a Juazeiro com 49 cangaceiros, no dia quatro de março de 1926, ficando ali por três dias.
Virgulino foi recebido com muita festa por cerca de quatro mil pessoas que cercaram os bandidos para ver de perto aqueles homens. O chamado “governador do sertão” foi assediado por repórteres e fotógrafos. O padre foi o responsável por convencê-lo a entrar na luta contra a Coluna Prestes e pediu que Lampião largasse a vida de bandido.
“Padim Ciço” mandou buscar o inspetor agrícola do Ministério da Agricultura, Pedro de Albuquerque Uchoa, que ficou incumbido de, em nome do governo, entregar as patentes militares. Com as anotações do padre, Uchoa fez a suposta “promoção”. Nomeou Lampião ao posto de “capitão” e outros a primeiro e segundo tenentes. A carta foi data em 12 de abril de 1926, mas só que o “capitão” se encontrava em Juazeiro no começo de março. Era uma farsa. Além disso, o suposto documento concedia a Lampião e seus comparsas a liberdade de se locomoverem, podendo atravessar as fronteiras de qualquer estado nordestino.
Antes de receber a patente forjada de ‘capitão, Lampião teria contado que chegou a combater a Coluna entre São Miguel e Alto de Areias, mas teve que recuar depois de forte tiroteio. Contou ainda que chegou a ter o desejo de se incorporar às forças patrióticas de Juazeiro.
Depois de supostamente se tornar militar, Lampião não foi levado a sério. Em pouco tempo percebeu que continuaria sendo considerado um bandido pelas policias dos estados e que o documento não seria respeitado. Diante disso, resolveu permanecer na vida do crime.
FOTOS QUE SÃO POESIAS E HISTÓRIAS
Quase todos os dias entro em contato e dialogo com meus quadros fotográficos no Espaço Cultural A Estrada, os quais falam dos sertanejos agrestinos e da vida do homem do campo em geral.
Certa vez meus amigos Dal Farias e Manno me indagaram se eu ainda sabia de cada local e suas histórias. Sempre existiu, por parte de determinadas pessoas, aquela curiosidade por algumas fotografias que chamam mais atenção. Fico gratificado por isso.
São cenários cinzentos da sequidão da terra rachada, capelas, cargas humanas em caminhões, do tipo pau-de-arara, mandacarus, depredação da natureza, a miséria de pedintes nas estradas, antigas estações e linhas ferroviárias, a luta do homem pela sobrevivência e paisagens floridas nas épocas das chuvas. São faces do Nordeste.
Elas me fazem lembrar dos tempos das minhas andanças como jornalista repórter de redação ao lado do meu companheiro de trabalho, José Silva, ou “Zé Silva”, o fotógrafo da fotojornalismo que, de suas lentes, também tirava o olhar crítico onde a imagem se transformava em fortes legendas ou em mil palavras.
Além de serem poéticas em suas essências enigmáticas, só visíveis aos olhos de poucos, cada foto tem sua história e lugar preciso estático, como se estivesse só esperando pelo clique da máquina para dali ser transportada para um outro mundo imaginário da arte, ser apreciada e refletida na mente das pessoas.
Todas essas fotos são crônicas do tempo com seus casos, causos e histórias, como do sertanejo durante o rigor da seca tangendo seu gado para matar a sede em algum barreiro ou tanque distante. Lá estão o jumento com a carga de garotes de água e o carro-de-boi transportando a produção do feirante.
Durante cada narrativa, o nordestino, de tanto sofrer e apanhar, só acredita na providência divina porque o político lhe enganou através das vãs promessas. Com fé e esperança, ele levanta com suas mãos o chapéu em direção aos céus e pede clemência a Deus para que mande logo as chuvas para molhar o chão e plantar sua lavoura para colher o pão.
Tem a mulher, o menino e a menina com feixes de lenha e latas d´água na cabeça, vindos de bem longe no sol inclemente, que nem demonstram cansaço porque o corpo já se habituou com a labuta. Tem também aquela senhora de corpo frágil extraindo areia ou quebrando pedras da Serra do Periperi para ganhar um dinheiro do patrão explorador e depredador do meio ambiente.
Crianças e mães maltrapilhas pedem dinheiro nas pistas assassinas da Rio-Bahia (BR-116). Cada moeda jogada da boleia é um alento e se mistura com o asfalto. Cargas humanas em carrocerias de caminhões atravessam estradas da região, correndo o risco de morte porque não têm outras saídas.
O catingueiro, em seu desespero para encontrar água para matar a sede, forma um adjutório para cavar o terreno seco, de forma manual, no antigo estilo conhecido como “banguê”. Pela experiência secular do homem do semiárido, ali tem olho d´agua. Nem é necessário o aparelho da engenharia.
A trator, quase sempre, vai para o açude do fazendeiro ou do aliado político. O carro-pipa eleitoreiro, que levanta poeira por onde passa, deixa muitos de fora. Alguns ainda se amparam nas cisternas, mas elas não resistem por muito tempo. As capelas nos povoados e distritos são símbolos de uma religiosidade forte que acredita que as coisas vão melhorar um dia.
Nas conversas, bate-papos e prosas com todas essas gentes, de um modo geral, as histórias são parecidas, como das famílias de retirantes que rumaram para o Sul ou terras melhores, das “viúvas das secas”, cujos maridos não mais retornaram, das plantações perdidas, das brigas por terra, mas cada caso é um caso que nos faz partir o coração.
Apesar de todo sofrimento, são pessoas cordiais, cordatas, prestativas e receptivas. A senhora dona de casa nos recebe com prazer, mas enche os olhos de lágrimas quando nos leva até à sua cozinha desprovida de alimentos. Recordo de muitas delas, cheias de filhos pequenos, que me mostraram só uma panela no fogão a lenha com alguns caroços de feijão a borbulhar na fervura da água barrenta.
– É meu filho faz quase um ano que não chove; meu gadinho morreu de fome e sede; vendi um pedacinho da terra, mas o dinheiro está acabando. Só Deus para nos acudir – desabafou o senhor de rasgadas rugas queimadas profundas, com aquele triste olhar fitado no longínquo horizonte.
As fotos e as imagens me trazem essas recordações dos tempos de repórter e se unem e se interagem aos autores escritores, aos chapéus, aos artesanatos em noites de saraus culturais para escutarem as cantorias de violeiros, declamações de poemas, casos, causos e crônicas da vida, na troca do conhecimento e do saber.
PAUTAS DA SESSÃO DA CÂMARA
Nesta sessão desta sexta-feira (dia 26/09) da Câmara Municipal de Vereadores de Vitória da Conquista estarão em discussão projetos como a instituição do “Dia Municipal do Associativismo” e a inclusão das cavalgadas no calendário oficial de eventos turísticos e culturais do município.
Da parte do poder executivo, será assinado o PL número 22/2025, que altera a lei de número 2.363/2019 sobre a alienação de bens públicos relacionada à obra de urbanização da Lagoa das Bateias.
Também estarão em debates projetos de concessão de títulos de cidadão conquistense e denominação de ruas, entre outros assuntos que deverão ser abordados durante as falas dos parlamentares.
ENSINAMENTOS DE EPICURO
José Fábio da Silva Albuquerque, do seu livro “Retalhos Nordestinos” – poesia popular (Editora Nzamba)
O medo é algo engraçado
Quando de alguém se apodera
Pois deixa geladas as mãos
E o coração acelera
Mostrando cenário terrível
Que outro não é possível
Além de sofrer na espera.
Uma pessoa com medo
Perde de todo a razão
Fica sujeito aos conselhos
Que prejudicam a ação
Dos mais primitivos instintos
Parentes da obsessão.
Do medo um dia falara
Um homem de nome Epicuro
Chamado por todos filósofo
Do jeito que outro Obscuro
Caráter de muitos dizeres
Um defensor dos prazeres
Mesmo perante o apuro.
E dentro do seu ensinar
Está o imbatível dizer
Voltado aos seres humanos:
Que não se deve temer
Sofrer, nem deuses, nem morte
Pois quando se é desta sorte
Já não se está mais no viver.
A todos que sentem medo
OS VENDEDORES DE ILUSÕES
Tinha aquele vendedor sério, o enrolado enganador, o mentiroso, o picareta que de tudo fazia para empurrar a mercadoria de qualquer jeito, fazendo promessas falsas. O galanteador vende gato por lebre. Eram vários os tipos para sua livre escolha. Deles se extraem causos e histórias inusitadas.
Não estou falando daqueles que ficam nas lojas esperando pelos clientes, mas dos viajantes de antigamente que eram presenciais de carne e osso. Hoje é a internet que faz o papel deles e fisga os mais compulsivos que vão clicando em quase tudo.
Existiram até casos de vendedores de ilusões que andavam e ainda andam por aí aplicando golpes os mais inusitados nos incautos. Soube da história de um sujeito que vendeu lotes de “terras férteis” em Marte para uns pobres coitados, com vistas para o mar e cercados de floresta e rios.
Teve um que inventou o fim do mundo com três dias só de escuridão e vendeu centenas de candeeiros, pavios e latas de querosene para camponeses do sertão. Abusou quanto pode da fé religiosa dos catingueiros. Isso aconteceu de verdade há muitos anos num município baiano. Não é coisa de ficção.
Foi um golpe de mestre e o cara se escafedeu depois de feito o estrago. As pessoas das redondezas caíram em seu papo convencedor. De tiracolo ainda levou uma moça virgem com seu galanteio de bonachão. Foi o maior alvoroço nos povoados. Os fofoqueiros e fofoqueiras não perderam tempo.
– É comadre, todo mundo caiu na prosa do safado e ainda deixou uma família falada e desonrada. A maioria deles tinha uma namorada em cada lugarejo, e tome lorota de que só aquela era seu amor verdadeiro e não tinha mais ninguém em sua vida. O pior é que a mulher acreditava no papo, ou na lábia afiada.
– O indivíduo desse merece ser capado na ponta da peixeira – desabafou o compadre que ouvia toda conversa do assucedido e falou com toda raiva de que se fosse com a filha dele ia buscar o cabra meliante até nos infernos do satanás.
– Cara, com sua lábia, você consegue vender até capim seco! Qualquer cliente cai no seu papo. Como foi o rendimento de hoje?
– Para ser sincero, só recebi não. A crise está braba e está faltando dinheiro na praça, meu amigo, mas ainda tenho a última visita mais tarde.
– A esta altura, melhor deixar pra lá e relaxar aqui numa gelada. Quem sabe não pinta uma morena cabrocha! Todo vendedor se acha galã.
– Passei o dia todo só recebendo não. Mais um, não vai fazer nenhuma diferença! Vá lá que receba um sim – rebateu o amigo. Vendedor nunca pode desistir.
A força de vontade é sua virtude, senão deixa de vez a profissão, que o diga o vendedor de livros e enciclopédias. Eu mesmo, por necessidade de sobrevivência, fui um deles e recebi muita porta na cara e “chá de espera”.
Conversas de vendedores viajantes em final de dia numa mesa de bar numa cidadezinha embrenhada no sertão onde cada um procura exibir suas vantagens, num pôr-do-sol rajado no horizonte da serra.
Um vendedor das antigas você conhecia de longe. Primeiro ele chegava na pensão ou num hotel “mais em conta”, com seu carrinho usado, cheio de bugigangas (uma bagunça de caixas nos bancos do veículo) e amostras de produtos.
No interior você já deve ter ouvido falar de “pensão de vendedor”. Quando alguém de fora se hospedava já sentia de longe o cheiro de vendedor. A senhora dona, ou dono, já era uma “velha”, ou “velho” conhecido que fazia aquele “preço camarada”.
Sempre estava engravatado e usava aquela pasta pesada cheia de compartimentos. Os pedidos eram anotados à mão nos blocos de papéis. O vendedor bom sempre gastava muita sola de sapato e ainda se faz isso, mesmo com a invenção da internet e as vendas virtuais on-line.
CASA GLAUBER PODE SER “TOMBADA”
Há cerca de 20 anos ou mais, quando chefiava a Sucursal do Jornal A Tarde, em Vitória da Conquista, passeia uma grande vergonha e tive que explicar o inexplicável. Confesso que fiquei todo embaraçado, como diz o tabaréu ou matuto catingueiro.
Recebi a visita de um amigo-colega de Salvador, um tipo intelectual ativista da cultura e estudioso do cinema que, logo ao chegou à cidade, me fez o primeiro pedido de que gostaria de conhecer a casa onde Glauber Rocha nasceu.
Ele imaginava que ali funcionava uma cinemateca, oficinas de audiovisual ou um museu sobre a vida do grande cineasta baiano conquistense Glauber Rocha. Fui obrigado a dizer que não era nada disso e que lá ainda morava uns parentes da sua família.
Ficou surpreso e começou a fazer uma série de indagações do porquê a Prefeitura Municipal ainda não havia adquirido o imóvel. Dei uma tapeada e contei das dificuldades financeiras, além de que sua mãe insistia em pedir um preço muito alto ao poder público.
Apesar de tudo e um tanto decepcionado devido a situação do local ainda não ser um memorial em homenagem ao filho da terra, que encantou o Brasil e o mundo com seu cinema novo preocupado com as questões sociais e políticas, o amigo insistiu na visitação.
Assim sendo, fui lá na rua Dois de Julho, bati da porta e me recebeu um senhor ou uma senhora. Apresentei o admirador de Glauber, vindo de Salvador, e falei do seu grande interesse em conhecer a casa e seus cômodos.
Mesmo sem ser muito receptivo, ele, ou ela, concordou com a visitação. Ficamos por uns tempos imaginando o menino traquino e irrequieto, como sempre se comportou, correndo entre os quartos, na sala e no quintal. Claro que depois o colega continuou com suas críticas sobre a falta de atitude da prefeitura.
Isso foi há mais de 20 anos e a propriedade já estava deteriorada, necessitando de reparos e conservação. Passado esse tempo, mesmo depois do imóvel ter sido comprado pelo executivo (dinheiro do povo), praticamente não recebeu as devidas reformas e corre o risco de ser literalmente tombado, não no sentido de patrimônio municipal.
Como disse alguém do “Estradeiros da Cultura”, “esse espaço não é apenas um imóvel, mas um símbolo vivo da história de Glauber Rocha, das suas origens e do universo criativo que ajudou a moldar”, com os principais filmes “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964), “Terra em Transe” (1967) e o “Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” (1968) e tantos outros.
Essas obras foram aclamadas e renderam reconhecimento nacional e internacional, inclusive no Festival de Cannes. Glauber foi um dos principais expoentes do Cinema Novo. Seu trabalho ficou marcado por uma visão crítica do Brasil e do Terceiro Mundo.
Como foi dito, “preservar a Casa Glauber é preservar a essência de um artista que transformou a cultura nacional, trazendo ao mundo narrativas que falam da identidade, das lutas e das contradições do Brasil”.
A administração de Conquista, de forma vergonhosa, deixou de assumir compromisso com a arte e a cultura. Preferiu de maneira brutal assassinar o legado de Glauber, bem como de muitos outros. A própria ação do tempo está deteriorando a casa através de fuligens dos automóveis, cupins, insetos e sujeiras que contribuem para rachar as paredes
Nosso amigo Dal Farias nos conta que recentemente passou em frente da casa e observou que existe uma parte enorme de concreto sobre o muro, na eminência de cair, ou tombar, podendo até gerar uma tragédia.
Entendo que os nossos artistas em geral, incluindo todas as linguagens, ativistas culturais, todos os movimentos unidos, intelectuais, estudantes e professores devem, acima de qualquer questão, cuidar primeiro da nossa aldeia cultural. Como ela está? Transformou-se numa choça abandonada em meio a um matagal.
Ouvi uma notícia vinda de Brumado, dando conta que lá, distante 135 quilômetros de Conquista, seis ou sete vezes maior em população e desenvolvimento econômico, o festival de música popular, com concursos e premiações, se tornou patrimônio municipal. Em Caetité, a Casa Anísio Teixeira foi tombada e continua preservada, como a de Jorge Amado, em Ilhéus. com memoriais e realização de uma série de eventos culturais.
Como conquistense, não de forma biológica, mas como filho adotivo (tenho o título de cidadão), aqui morando há 34 anos, me sinto envergonhado e triste por ver tanto descalabro contra a nossa cultura. Até quando vamos ficar de braços cruzados, só falando e arrotando teorias com cartas e documentos?
PROJETOS NA SESSÃO DA CÂMARA
Nesta sessão da Câmara de Vereadores de quarta-feira (dia 24/9) estarão em pauta diversos projetos em discussão, como a solicitação de transporte para pacientes de hemodiálise do distrito de Bate-Pé e povoados, concessão de títulos de cidadão conquistense, nomeação de vias públicas da “Ciclovia Joãozinho da Carreta” e a rua Francisco Bispo da Silva.
Outros projetos de lei e um projeto de decreto, que aguardam emendas com prazos até outubro de 2025, também serão debatidos. A tribuna Livre será ocupada pela senhora Érica Tremura, que vai falar sobre a primeira Conferência Baiana de Pilates.
A presença do conquistense a estas sessões é de fundamental importância para acompanhar a posição de cada parlamentar que foi eleito pelo povo, mas sem barulho e conversas paralelas como sempre tem ocorrido, ao ponto de algumas falas serem interrompidas para pedido de silêncio pelo vereador ou pela Mesa Diretora da Casa.
Muitos desses projetos de lei estão aguardando envios de emendas, tais como os de números 140, 141,142 e 143/2025 de autoria do legislativo, lidos na sessão do dia 12 de setembro passado.
O projeto de número 23/2025, de autoria do poder executivo municipal, lido na sessão do dia 12 de setembro, também aguarda envios de emendas durante três sessões ordinárias/mistas, até 24 de setembro de 2025.
Outro é o projeto de decreto número 45/2025 de autoria do legislativo, lido na sessão do dia 17 de setembro de 2025. Muitos outros estão na espera de envios de emendas para serem aprovados pelos 23 vereadores constituídos.
A ESQUERDA PRECISA ADEQUAR SUA LINGUAGEM PARA UM POVO AMUADO
– Vocês deveriam é estar falando de Jesus Cristo e não dessas coisas.
Estava no protesto da “PEC da Blindagem ou da Bandidagem” da Câmara dos Deputados, na Feirinha do Bairro Brasil, no domingo (dia 21/09) com minha bandeira do PSOL, e ouvi essa frase de religiosidade de uma senhora idosa que se aproximou de mim e falou quase ao pé do ouvido.
Dei uma risada marota e ela se foi com sua sacola de verduras. Na saída conversei com alguns feirantes e ouvi deles um papo de indiferença, de que aquela manifestação, de cerca de 500 pessoas, para uma cidade de 400 mil habitantes, era coisa de sindicato e de gente que não tinha nada para fazer.
– “É briga de cachorro grande. Só xingamentos e baixaria” – disse um, com a cara fechada de que não estava para muita prosa. O moço flamenguista do bar estava mais ligado no futebol, do “segue o líder”. O povo está empacado e amuado como mula na estrada.
Abri meu comentário com estas falas para expressar minha opinião no sentido de que as esquerdas de um modo geral precisam sair da teoria das palavras e conhecer mais de perto a realidade desse povo brasileiro, um povo que está amuado, arredio e perdeu a confiança e a credibilidade nos políticos, embora vá às urnas votar em épocas de eleições, embalado pela propaganda de um dever cívico.
Os tempos são outros e esse povo que aí está apático é a matéria-prima moldada ao longo dos anos pelos próprios políticos. Nada foi feito de forma inconsciente, mas com o propósito planejado de poder manipular.
Saudades daqueles tempos quando as esquerdas iam às suas bases políticas, dialogavam e se misturavam ao povo nas fábricas e nas ruas. Aquela linguagem ainda surtia efeitos, mas hoje ela está arcaica, grosseira, agressiva, de xingamentos de baixo calão e nivelada aos extremistas fascistas e de direita. É uma esquerda sem brilho que não mais empolga como antigamente.
É tudo o que eles querem e o povo abomina e vira as costas. Como é que se faz um jingle onde o refrão diz que vai queimar os fascistas? Queimar lembra fogueira e inquisição da idade medieval. Isso só faz criar mais ódio, rancor e intolerância. Xingar o inimigo com açoites é dar mais combustível para sua sobrevivência.
Contestar e protestar sim, mas numa linguagem que alcance o povo e traga ele para se unir e apoiar as causas políticas justas, como essa PEC da bandidagem dos deputados e da anistia aos que tentaram um Golpe de Estado com fins de implantar uma nova ditadura.
Além da linguagem inadequada, tem também a falta de postura política. Quem usou a palavra lá na Feirinha do Bairro Brasil ficou de frente para a militância quando deveria se postar em direção aos feirantes, numa linguagem mais popular, compreensiva e objetiva.
A maioria do povo, por exemplo, ouve os fatos na mídia, mas não sabe muito bem destrinchar o que é essa PEC e essa anistia. Perdemos muito tempo nos xingamentos, bravatas e chavões caducos irritantes.
Nas grandes capitais, mesmo com shows de artistas medalhões, que não é necessário aqui citar os nomes, o público ficou em torno de 50 mil. Muito pouco para uma questão tão importante e grave contra a nossa democracia, perpetrada por aqueles bandidos da Câmara que querem se tornar deuses intocáveis!
Será que ainda vamos colocar 100, 200, 500 e até um milhão nas praças, ruas e avenidas, como já aconteceu há 50 anos? Com essa linguagem e esse comportamento, acredito que não. Será que o povo brasileiro da atualidade é um caso perdido? Temos como reverter esse quadro de comodismo, alienação e ausência de consciência política?
Boa parte da esquerda atual virou revolucionária de postagens na internet e discursos anacrônicos. A maioria das pessoas não lê e deleta os textos academicistas de filósofos socialistas.
Outra parte está calada e decepcionada com tudo o que está ocorrendo de absurdo. Muitos preferem não mais se engajar para não serem execrados e expelidos pelo pensamento ideológico impositivo.
E OS TRABALHADORES E JOVENS?
Com a reforma trabalhista de “escravidão”, os sindicatos foram desmantelados e nossos trabalhadores foram engessados. As relações entre capital e trabalho se transformaram num monólogo onde o patrão é quem dá o veredicto e o operário tem que aceitar senão vai para o olho da rua.
Essa classe foi abandonada, inclusive pela esquerda com quem tinha um elo e suporte para levantar suas demandas e reivindicações. As centrais se enfraqueceram e os trabalhadores passaram a não acreditar mais nos políticos.
Resolveram se afastar da política e só querem ter um carro e um dinheirinho no bolso para fazerem uma farra no final de semana. A grande maioria de jovens e trabalhadores superlota os estádios de futebol, berra, se mata e dá a vida pelo seu clube preferido. Eles fazem parte de uma torcida fanática que quebra centros de treinamento quando seu time não vai bem num campeonato.
É preciso que essa massa seja resgatada, tanto quanto os nossos jovens, hoje apolíticos enfurnados na internet, nas religiões evangélicas conservadoras e até extremistas de direita. Muitos foram vítimas de lavagem cerebral dos pastores.
Os ídolos dessa juventude de hoje não são mais os intelectuais, os artistas das gerações de 50, 60 e 70, os escritores, os grandes poetas e as figuras ilustres sérias da política, comprometidas com o social, a coisa pública e o bem-estar da população de um modo geral.
Seus ídolos atuais são os “influenciadores” digitais de vídeos virtuais de milhões de visualizações, cantores sertanejos, gospel, do arrocha, do axé, da sofrência e outros estilos do barulho eletrônico de letras superficiais sem conteúdo. Seus ídolos são os jogadores de futebol de seus times.
Os estudantes e os trabalhadores que arrastavam multidões nas passeatas de protestos nas ruas, avenidas e praças, atualmente são arrastados por bandas e trios carnavalescos no papel de “pipocas” do asfalto, por shows de “compositores e músicos” de “tira o pé do chão” e por megas eventos em louvor a Jesus.