Cena um, o repórter transmite o São João do Parque de Exposições de Salvador e informa da passagem do cantor Thierry com sua sofrência e anuncia a entrada de uma banda sertaneja. Cena dois, ele diz que a festa na capital é a melhor do Brasil. Cena três, lá de Caruaru, em Pernambuco, o outro colega faz seu estardalhaço com a presença de Zezé de Camargo e também enfatiza que a festa junina da cidade é a maior do país.

O forró ficou de fora, em seu canto solitário, ou foi posto na solitária como um condenado de alta periculosidade para as mentes humanas. “Tivemos pagode, arrocha, sofrência, sertanejo, axé e também forró”. Essa é a transmissão mais comum que se ouve dos jornalistas nessa época junina.

Durma com um barulho desse, meu camarada! Que me desculpem os colegas da nova geração, que a esta altura deve me apedrejar, mas a nossa mídia caiu no ridículo por perder o senso crítico.

Como profissionais formadores de opinião, a função deles é defender a preservação da nossa cultura popular, a tradição de séculos, muito bem representada por Luiz Gonzaga com seu baião e o forró de rachar o chão.

Agora, o que está em jogo é a competição entre boiadeiros sertanejos, sofrência, arrocha, axé carnavalesco, piseiros e outros ritmos de rebolados de mulheres mostrando as bundas.

Entraram a guitarra, a viola, a bateria, o baixo e saíram o sanfoneiro, a zabumba e o triângulo. Toda mídia celebra esse paganismo, essa profanação e, porque não dizer: Essa invasão dos bárbaros!

As vestimentas das quadrilhas mais parecem fantasias de carnaval. A coreografia da dança não é mais a mesma. Para enganar, maquiar e tapear a nossa gente, eles colocam uns enfeites de balõezinhos, umas casinhas de taipas típicas dos arraias que mais servem para tirar fotos de celular para serem colocadas nas redes sociais. Todo mundo fica empolgado e cai no conto do vigário, ou do prefeito.

Não vou mais falar de Vitória da Conquista porque a onda é geral em todo Nordeste. Alguém me falou nesta semana que não existe mais sanfoneiro no Piauí.

O São João com seu forró pé de serra, seu forrobodó arrasta-pé está como mulher rendeira, coisa rara de encontrar. Seus registros vão ficar apenas na história para interesse de pesquisa acadêmica

Quando digo que a mídia caiu no ridículo é que ela não é mais a guardiã da nossa cultura; não questiona e não critica o assassinato do nosso São João praticado pelas prefeituras. É tudo um esquema político eleitoreiro armado porque os prefeitos e governadores sabem que o nosso povão é inculto e nem sabe o que é preservar a tradição.

Como em todos os lugares, não tenho o receio e o medo de dizer que a maioria da nossa mídia em Conquista, infelizmente, é chapa branca, como era nos tempos do jornal impresso. São escassos os veículos que combatem esse ato criminoso contra a nossa cultura porque desvirtuar uma tradição é crime.

O pior, ou o que já era esperado, é que nosso povo lota os espaços, aplaude, entra em êxtase e idolatra esses cantores de polpudos cachês pagos antes de se apresentarem, tipos Safadão, Leu Santana, João Gomes, Pablo, Thierry e os sertanejos em geral, como ocorreu em Conquista, onde teve até camarotes. Depois ainda sai dizendo que é tudo de graça. Que maldade!

Ouvi um vídeo nesta semana onde um analista diz que o problema é que os burros no Brasil resolveram falar, enquanto os inteligentes e os intelectuais decidiram se calar.

Num paralelo dessa fala, diria que os burros foram para a festa dos sertanejos, enquanto os intelectuais recuaram e só poucos apareceram para observar o nosso forró sendo enforcado pela inquisição dos prefeitos, como se fosse uma heresia.

Confesso que nesta idade me sinto profundamente triste, decepcionado, desiludido e sem expectativas de mudanças nesses tempos da anticultura, não somente com o assassinato do nosso sagrado São João.

Tenho minhas dúvidas se a nova geração, do modo que está sendo educada, vai reagir a tudo isso e resgatar a nossa tão amada cultura popular do São João, exclusiva do Nordeste.

Para mim, era a festa genuinamente nordestina mais linda do Brasil e a que eu mais participava, mas não é mais e me recuso, enquanto vida, a sair de casa para ver essa presepada.

Desde menino, quando terminava um São João já ficava pensando no próximo ano para curtir o sanfoneiro, o cantor forrozeiro, as fogueiras, as comidas e as bebidas típicas, bem como os rituais do culto sagrado.