– Amigo, cuidado, porque isso aí pode ser um golpe! Não caia nessa! Fica esperto! Não atenda telefonemas suspeitos e nem clique em mensagens estranhas! Delete!

São sinais de alerta que mais se ouve entre as pessoas nos dias atuais quando algo vantajoso e fácil cheira a enganação, a trapaça. A recomendação é não confiar mais em ninguém, mesmo em alguém considerado confiável e correto. Hoje tem mais golpistas no país que a praga dos gafanhotos do Egito, do faraó.

A gente procura seguir a regra, mas sempre tem alguém caindo numa armadilha. Quase todo mundo já levou um “tombo”, um golpe. Não é mais coisa para se envergonhar. Muitas vezes se apanha e não se aprende, contrariando a máxima, de que é “apanhando que se aprende”.

O golpista leva a vantagem de pegar o cidadão desprevenido, como se leva um susto danado quando se está distraído, no mundo da lua e alguém faz uma presepada.

Ninguém fala mais que a pessoa caiu no “conto do vigário” quando se é vítima dos inúmeros golpes virtuais que se proliferaram a partir da internet, muito mais sofisticados e profissionalizados com o uso das novas tecnologias da informática.

Dia desses um companheiro comentou comigo que não se usa mais a expressão “conto do vigário”, ou vigarista, mas de golpista, aquele que utiliza das redes sociais para retirada de dinheiro de conta bancária de clientes, quem pega dados de alguém para clonar cartões, vende carros, apartamentos, móveis e imóveis falsos, se passa como facilitador de processos judiciais, liberação de programas sociais, entre outras coisas.

– É verdade! Os tempos são outros, não mais aqueles pés de chinelos do bilhete premiado da federal, da mala pesada, da herança do parente distante, do tesouro perdido, das correntinhas reluzentes como ouro que depois viravam ferro e outras práticas estelionatárias presenciais. Não se engane, camarada, são espécies em extinção, mas ainda se encontra zanzando perdidos por aí esses elementos, ou meliantes das antigas.

– Saudades daquela época porque na maioria das vezes o sujeito era preso pelo delegado e pegava cana. A gente até achava graça das armações e tirava sarro das vítimas. Com a tecnologia atual, que rende mais, com menos esforço, até a saidinha bancária se tornou raridade.

Recordo que meu pai uma vez me contou um desses casos do seu irmão que vivia por aí fazendo malandragens. Estava sem dinheiro e um dia se hospedou numa pensão com uma mala pesada cheia de esterco de gado.

Fez toda recomendação ao dono para guardá-la num local seguro porque nela havia uma mercadoria preciosa. Passou uma temporada na cidade e depois sumiu sem nada pagar. O resto da história, todos sabem. O dono do estabelecimento caiu no “conto do vigário”, se lascou, sifu…

Em Amargosa, na Bahia, onde estudei como seminarista, para ser vigário (não vigarista), soube do caso do conto do pavio. Um senhor safado comprou sacos e mais sacos de pavios e foi vender aos pobres na zona rural.

Ele propagava aos quatro cantos, como profeta da barba grande, que a terra ia ficar uma semana na escuridão e estimulou os camponeses a comprarem pavios para acender seus candeeiros a querosene. Vendeu tudo com sua conversa fiada.

Nessa prosa sobre “Conto do Vigário”, o amigo acrescentou que os caras hoje são mais espertos, inteligentes, trabalham em escritórios confortáveis, não tiram folga semanais (fazem bacanais), estão sempre de plantão e conseguem se esconder com mais facilidade da polícia.

– Ah, e têm mais lábia, sem falar que esses bandidos invisíveis sempre dão um passo à frente para burlar os programas de segurança e possuem mais capacidade de imaginação quando se trata de mudar a modalidade de golpe. Todo dia surge uma coisa nova!

Foi o que disse para ele, que aproveitou para indagar o porquê desse termo de “Conto do Vigário”, que muito se falava na era analógica, desde lá dos tempos de nossos avós, quando alguém era enganado pelos chamados vigaristas, muitos deles engomadinhos e com boa lábia também.

– Sabe não?  “Conto do Vigário” era um golpe antigo onde trapaceiros se passavam por representantes de um vigário (padre) para enganar pessoas, com histórias elaboradas sobre heranças, buscando tirar dinheiro delas.

A origem do termo surgiu do envolvimento entre duas igrejas em Ouro Preto, Minas Gerais, que disputavam uma imagem de Nossa Senhora. Um padre recomendou amarrar a imagem em um burro e deixar que ele escolhesse um destino. O animal que pertencia ao padre foi justamente para a igreja dele. Daí nasceu a associação vigário e engano.

Existe outra versão que aponta para Portugal onde golpistas fingiam ser emissários de vigários, usando promessas falsas e papos furados para boi dormir, convencendo pessoas a entregar dinheiro ou bens.

Esta explicação tem até mais raiz porque quando Cabral aportou em terras brasileiras trouxe degredados, corruptos e malfeitores em suas caravelas, os quais enganaram os nativos indígenas com presentes mixurucas, como espelhos e pentes, e levaram bens mais valiosos, como o Pau Brasil, o ouro, os diamantes, entre outras riquezas.

Na realidade, foi o primeiro “Conto do Vigário” em que caímos, isto é, os coitados dos índios. Os outros portugueses navegadores e exploradores que vieram depois, a partir do primeiro governador Thomé de Souza, procederam da mesma forma.

O “Conto do Vigário”, significando história elaborada com o objetivo de burlar alguém, pode ter vindo de lá e aqui encontrou terra fértil para prosperar e dar bons frutos. A expressão, inclusive, é usada em Portugal e no Brasil. Como disse o escrivão Pero Vaz de Caminha, aqui plantando, tudo dá, e como deu!