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:: 4/jun/2025 . 0:14

NORDESTINOS “PAULISTAS”

– Oh, minha tia Zeferina, que animal é aquele no pasto que fica o tempo todo urrando? E aquela fruta pretinha no quintal? E essa ave toda pitadinha?

– Deixa de ser metido a besta moleque! Depois que foi para São Paulo fica aí dando uma de “paulista” e esquece que é um nordestino. Você sabe que é um jumento, teu irmão, que lhe transportou na cacunda quando menino com carga d´água, feijão e mandioca. A fruta é jabuticaba e a ave é um saquê, galinha africana, Severino!

Pois é, esse caso eu ouvi há longos anos do seu Gorgônio sobre certos jovens que se juntavam aos retirantes pau-de-arara e iam para São Paulo no início para os meados do século XX fugidos da seca para não morrerem de fome.

Numa simples analogia, São Paulo era como se fosse a terra prometida e o povo nordestino os judeus escravos que fugiram dos faraós pelo deserto, guiados por Moisés. Nessas retiradas sempre existia um líder para conduzir os famélicos à procura de trabalho e dias melhores.

Contavam os mais velhos que, depois de determinado tempo dando duro por aquelas terras estranhas, muitos retornavam para visitar seu torrão natal e seus parentes com sotaque paulista, com pinta de rico e se fazia de desconhecido das coisas, dos hábitos, das frutas e até dos animais nordestinos.

– Quase sempre os moços abestalhados vinham de lá com um rádio movido à pilha no ombro, com o som na maior altura, com pose de “paulista”. Era a maior novidade da época – me disse certa feita seu Tertuliano.

– Voltavam com aquela lábia de cantadas bregas aprendidas na capital, para conquistar as moças da roça. Muitas se encantavam e ficam mal faladas quando apanhavam barriga. O pai brabo fazia o cabra se casar na ponta do punhal. Outros caiam no mundo depois do assucedido e nunca mais apareciam.

–  Quando pintava por aqui esse tipo “paulista” idiota, a família ficava de sobreaviso e não deixava a filha encostar perto do sujeito, nem dançar com ele num forró – resmungou o velho Tertuliano, que também foi um retirante e gostava de contar casos e causos do sertão nordestino e das épocas de seguidão de rachar o chão, boi berrar de sede na cacimba e criança morrer nos braços das mães, muitas delas viúvas de seus maridos vivos que ficavam por lá e até arranjavam outra companheira.

Os nordestinos arribavam de pau-de-arara deixando tudo para trás, como nos versos de “Triste Partida”, do poeta maior Patativa do Assaré, cantada por Luiz Gonzaga. Quando a chuva molhava a terra e as aves voavam o verde da caatinga, os retirantes faziam o caminho de volta para refazer a plantação.

Os tempos foram passando, e o interessante é que a viagem de retorno, mesmo aqueles que só vinham de férias, visitar parentes ou curtir as festas juninas, era feita de ônibus e não mais de pau-de-arara.

Por falar nisso, alguém aqui já pegou algum ônibus em trânsito vindo do Sul com destino às cidades nordestinas do Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba ou outro estado da região?

Certa feita peguei um de Vitória da Conquista a Juazeiro e foi uma loucura! Tive que suportar a noite toda um cara com um rádio na maior altura (agora é tudo no celular ligado numa caixa, sei lá), Dentro do veículo sujo você tropeça ou se bate em tudo quanto é bugiganga, missangas, caixas, sem falar em crianças chorando.

– Seu motorista, manda aquele cara baixar ou desligar o som! Cadê o ar condicionado? Aqui está um calor do inferno! Essa criança não para de chorar – gritam os passageiros! E o cheiro forte da sujeira?

Uma vez um amigo me contou que passou por essa experiência para nunca mais repetir. Atualmente tem gente que traz até drogas nas malas e em caixas falsas de presentes, sem contar que cada um traz sua farofa.

– Ah, nessa viagem me deparei com alguns desses nordestinos ainda com sotaque paulistano, como se renegasse o Nordeste. Deve ser daqueles que não come mais o cuscuz, só hambúrguer e sanduiche. Quanto ao jegue, é até perdoável porque fizeram a malvadeza de matar nosso animal símbolo nordestino.

 

 

 

 

 

 





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