Desde a história da humanidade, todas as vezes que progressistas, ou as esquerdas tentaram se juntar às classes superiores capitalistas para criar leis de cunho social, para favorecer às camadas inferiores, terminaram sendo derrotadas por traição.

Um exemplo disso aconteceu há mais de dois mil anos, em Roma, com os irmãos Gracos quando decidiram implantar uma reforma agrária para distribuir terras do Estado aos proletariados. Acabaram sendo mortos numa trama armada pelos nobres e o Senado. No Brasil, tivemos inúmeros casos semelhantes onde as reformas sociais não vingaram.

Interesses familiares

Estamos em plena Roma do século II a.C. das variadas correntes do pensamento e dos reformadores nacionalistas amantes da Grécia. O grande mal, como explicitou o autor de “História de Roma”, M. Rostovtzeff, era o poder de uma classe única, de um pequeno grupo de nobres que só visavam seus interesses familiares.

Tudo isso levava a uma desmoralização da classe dominante corrompida que aceitava subornos e comprava votos nas eleições. Mera coincidência comparar esse quadro com o Brasil de muitos tempos e de hoje. Muitos procuravam um remédio para a moléstia, como Catão que queria afastar a influência grega, perseguindo os representantes da aristocracia governante.

MODERADOS E RADICAIS

Em meio àquela turbulência, Cipião e seus amigos propuseram medidas de reformas moderadas no sistema social e econômico, mas os radicais pensavam numa renovação da guerra entre as classes, onde o partido popular seria conduzido ao poder, como antes, pelos tribunos do povo, através do modelo ateniense, visando enfraquecer o Senado.

Todos partidos viam que o momento exigia reformas na vida social, especialmente na economia, onde havia uma expansão das grandes propriedades e redução das pequenas áreas. Diante disso, aumentava a população escrava e caia o número dos que formavam o exército, diminuindo o poder militar do Estado.

O sistema do trabalho escravo durante o governo de Tibério Graco (133 a.C.) representava um perigo, e os romanos tinham consciência disso, tanto que aconteceu uma grande rebelião deles na Sicília e na Ásia Menor. A lei de Licínio, aprovada no século IV e renovada no século II, limitando a área da terra pública que qualquer cidadão poderia ocupar, era uma letra morta.

Na Grécia era um costume confiscar os latifúndios e dividir entre os necessitados. Aqui no Brasil se tentou fazer isso, mas não se foi muito longe por causa da ganância e a reação das elites reacionárias. Em Esparta houve uma distribuição no século III a.C., feita pelos reis Agis e Cleômenes. Em Roma, as terras pertenciam ao Estado e tal medida seria viável, como alguns pensavam.

Na Itália, a questão dos aliados era importante, no sentido de obter o direito de voto, mas, com o tempo, tornava-se cada vez mais difícil por causa da negação do Senado e dos magistrados. Tudo foi feito para remover as dificuldades, mas sem resultados, o que provocou descontentamento e tentativas de revoltas armadas. Em 125 a.C., após a morte de Tibério, os revolucionários pelas mudanças, tendo à frente Fregelas e Ásculo, foram reprimidos.

A nobreza, como no nosso Brasil, mesmo sabendo dos perigos, não aceitava realizar as reformas necessárias para apaziguar os ânimos. Ela não cedia, temendo perder seus lucros. No entanto, alguns senadores mais jovens, educados pelas ideias democráticas gregas, estavam dispostos a realizar as reformas.

OS IRMÃOS GRACOS

Um desses senadores, hábil e íntegro, foi Tibério Semprônio Graco, embora de família plebeia, galgou a aristocracia na vida pública. Seu pai teve uma carreira gloriosa, e sua mãe pertencia à casa dos Cornélios Cipiões. Ainda jovem, aos 15 anos, Graco lutou em Cartago. Em 137 foi eleito questor com a idade de 25 anos, e enviado à Espanha com o cônsul Caio Mancino, o qual o obrigou a assinar um acordo vergonhoso de rendição para salvar o exército.

Mesmo assim, ao retornar a Roma, aliou-se ao grupo dos reformadores do Senado, liderados por Ápio Cláudio e Públio Grasso. Casou-se com a filha de Ápio e, seu irmão mais novo Caio, com a filha do outro líder. A parir de seus argumentos, Tibério preparou um projeto, cuja finalidade era melhorar a qualidade do exército. Para atingir seu objetivo, procurou melhorar as condições dos camponeses romanos, concedendo terras aos cidadãos.

Assembleia Popular e a lei agrária

Uma reforma radical só poderia ser feita através da Assembleia Popular e, como os tribunos tinham o direito de apresentar projetos, Tibério candidatou-se ao posto, em 133 a.C., e venceu.  Prontamente apresentou sua proposta de reforma agrária na Assembleia Popular, onde estabelecia que nenhum cidadão poderia ter mais de 500 iugera de terras públicas, mas permitia duplicar se o concessionário tivesse dois filhos crescidos.

Todas as terras, em mãos dos grandes senhores, deveriam ser distribuídas aos cidadãos romanos que não eram proprietários. Os lotes, conforme a regra, deviam tornar-se propriedade dos atuais concessionários. O Estado abria mão do seu direito. No entanto, os pobres não se tornavam donos absolutos, e não podiam vender as terras, sendo obrigados a pagar uma taxa especial.

Quando o projeto foi apresentado à Assembleia, os cidadãos se dividiram entre ricos e pobres, com o mesmo efeito entre os aliados de Roma. Como já se esperava, os ricos se apoiaram na maioria do Senado, enquanto os pobres ficaram do lado de Graco. No dia da votação, uma multidão de camponeses reuniu-se em Roma. A lei venceria por uma imensa maioria. Ocorre que alguns dos tribunos estavam com o Senado, que apelou para uma manobra constitucional, e um deles vetou a votação. Foi uma sentença de morte para a lei.

A vitória dos senhores do poder

Diante da derrota, Tibério entrou com um processo inconstitucional. Propôs à Assembleia que o tribuno que vetou a votação fosse afastado de seu posto por ter traído à causa popular. O povo afastou o tribuno e aprovou a lei agrária. De imediato, foi nomeada uma comissão de três membros – Tibério Graco, seu irmão Caio e o sogro Ápio Cláudio.

Graco não pretendia limitar-se à lei. Sua pretensão era retirar da competência do Senado para a decisão direta da Assembleia todos os assuntos públicos. Para tanto, era necessário que o corpo de tribunos do ano seguinte aderisse à sua política. Por isso, candidatou-se novamente para o ano de 132 a.C., e fez campanha para eleger candidatos coligados.

Mesmo sem uma lei explicita contrária à reeleição, sua candidatura foi atacada pelos seus adversários.  Em seu discurso, defendeu a redução do período do serviço militar; modificar a composição dos tribunais; e tornar acessível aos aliados o direito de voto. O Senado alardeou que Tibério pretendia instalar uma monarquia.

No dia da eleição, muitos de seus partidários, ocupados em suas atividades agrícolas, não compareceram, e o Senado aproveitou para atacar Graco. Houve um conflito armado na praça, e os seguidores do Senado venceram. O revolucionário Tibério e muitos companheiros foram mortos de forma ilegal, mas o Senado deu lá sua justificativa.

A luta continuou com Caio

Apesar de tudo, os reformadores não se deram por vencidos. Como se diz nos tempos atuais, a luta continuou. Seu irmão mais novo, Caio Graco, depois de dois anos na Sardenha como questor, atingiu a idade que lhe permitiu candidatar-se a tribuno. Foi eleito em 124 a.C. para o período seguinte e apresentou um programa geral de reformas melhor delineado.

Um modelo ateniense

Suas novas leis formaram depois o chamado Programa Democrático, que começou a existir em Roma após a morte dos Gracos, e provocou uma guerra contra o Senado. Ele procurava transferir do Senado para a Assembleia Popular os assuntos importantes, ou seja, implantar em Roma uma democracia no modelo ateniense.

Como tribuno, apresentou uma nova lei agrária, com o propósito de intensificar o confisco das terras públicas, concedendo lotes aos cidadãos. As áreas dadas aos pobres não deviam limitar-se apenas à Itália, estendendo às províncias. Aprovou leis sobre a fundação de colônias romanas no sul da Itália e nas províncias, como no local onde estavam as ruínas de Cartago. Desejava estender o direito de veto aos latinos e aos aliados italianos.

Sua lei modificava também as condições do serviço militar para todos. Além disso, apresentou outras medidas consideradas subversivas, como mudanças na Constituição dos tribunais do júri, formados não apenas pelos senadores, mas incluindo também os cavaleiros, homens capitalistas de negócios que não tinham participação ativa nas coisas públicas, passando a gozar de grande influência política.

A lei estendia a influência dos cavaleiros à esfera das finanças públicas. Companhias de capitalistas passaram a realizar a coleta do dinheiro através de seus agentes. As mudanças provocaram uma separação entre cavaleiros e o Senado, objetivo principal de Caio Graco. Como efeito, houve um aumento da receita pública, mas não a garantia de um governo justo e honesto.

Pela lei fundamental de Graco, o Estado era obrigado a vender o trigo aos cidadãos da capital a preço inferior ao do mercado.  Essa lei tinha o espírito da democracia grega. Significava que os cidadãos tinham o direito de gastar o dinheiro público em seu conforto particular. Com isso, ele almejava o apoio das classes inferiores. Para facilitar a distribuição das terras, começou a construir estradas, para finalidades econômicas e militares.

Agitação e derrota de Caio Graco

Para opor-se a Graco, o Senado procurou eleger outro candidato, Lívio Druso, eloquente e demagogo hábil. Quando Graco viajou para Cartago, para organizar uma colônia de cidadãos romanos, Druso iniciou uma agitação contra seu colega, estimulando a superstição do povo contra ele, alegando que o solo de Cartago fora amaldiçoado após a destruição da cidade.

Atacou todo plano de colonização, e ofereceu-se, em nome do Senado, a fundar 12 colônias na Itália, com três mil cidadãos em cada uma. Isso fez reduzir a influência de Graco quando retornou a Roma e tentou aprovar, na Assembleia, leis que concediam cidadania romana integral aos latinos e diretos destes às cidades italianas.

O Senado foi contra, colocando em prática a expulsão da cidade de todos aqueles que não fossem cidadãos romanos. Até gente que Graco apoiou se rebelou. As leis foram rejeitadas, e Graco foi derrotado, quando no ano de 122 a.C. candidatou-se ao posto de tribuno. Foi o bastante para provocar uma luta entre seus partidários e o Senado, que aproveitou da ocasião para propor à Assembleia Popular, a anulação da lei da fundação da colônia em Cartago.

Luta armada, traição e suicídio de Graco

No dia da votação, o povo reuniu-se no Capitólio. Graco foi cercado pelos seus aliados armados. Antes da votação, um certo Quinto Antúlio foi morto misteriosamente por alguém da multidão, próximo a ele. O Senado aproveitou para declarar Graco e os seus de sublevadores. Mobilizou os cavaleiros, que retiraram seu apoio ao tribuno. O Senado ainda fez um apelo para que os homens de negócios convocassem um destacamento de arqueiros cretenses que estavam na cidade.

Ocorre que o outro lado também se armou, e os partidários de Graco ocuparam o Aventino, onde a maioria dos moradores era proletários, os quais se entrincheiraram no Tempo de Diana. O Aventino foi tomado pelas forças do Senado. Graco não teve outra saída e fugiu. Ao ser alcançado pelos inimigos, suicidou-se na Gruta de Furrina, à margem direita do Tibre.

Cerca de 250 de seus adeptos pereceram com ele na luta e, mais tarde, três mil foram condenados à morte, sem julgamento, medida justificada pela declaração do estado de guerra (senatus-consultum ultimum). Como era de se esperar, após sua morte, seguiu-se uma reação conservadora, mas a lei fundamental não pode ser derrubada, como a agrária. A comissão continuou funcionando por algum tempo, mas perdeu a competência de resolver a competência entre novos e velhos ocupantes da terra.

Por fim, a comissão deixou de existir, e os lotes começaram a voltar para as mãos dos capitalistas. Apesar de tudo, as ideias dos Gracos não foram destruídas por completo. A luta prosseguiu pelos seus adeptos, chamados de populares, ou defensores do povo. As medidas passaram a fazer parte do Programa do Partido Popular.

Divisão de grupos e luta sangrenta

Em oposição aos populares, o partido senatorial passou a ser chamado de optimates, os melhores, que lutavam para conservar seu antigo controle dos assuntos públicos. Os choques provocaram guerras civis. As atividades dos Gracos provocaram debates acirrados entre as partes, com ódio e intolerância de cada lado, como no Brasil de hoje, dividido em dois grupos, onde os irmãos eram considerados heróis, ou criminosos. Praticamente, não acontecia debates moderados e sem preconceito.

Diz o autor do livro, que nossa era está cheia dos mesmos contrastes políticos violentos que ocorreram no tempo dos Gracos, que tinham as mais nobres intenções, mas não compreendiam as dificuldades e complexidade da situação, nem previram as consequências de suas ideias revolucionárias. Instalar uma democracia em Roma nos moldes da Grécia era um sonho.

Uma distribuição das terras ao proletariado talvez não voltasse aos tempos em que o Estado se formava numa forte população camponesa. Deveriam ter levado em consideração o poder e a influência das classes mais altas, numa Roma que era uma potência mundial. A atitude certa seria prudência, e não criar uma luta de classes. A ação deles levou a um conflito sangrento, conforme analisam os historiadores.