SÃO JOÃO E LIVRO 036 - Cópia - Cópia

A neblina cobria a Serra do Periperi naquela manhã do dia seis de maio de 1964. Aos poucos a cerração invadia a cidade de cerca de 50 mil habitantes. O vento frio anunciava um inverno de baixas temperaturas. Os moradores despertavam ainda sonolentos de seus cobertores para as tarefas de rotina.

Era para ser um dia como outro qualquer, mas não foi isso que ocorreu. Depois de uma cansativa viagem do dia anterior, 100 homens fardados vindos da capital, sob o comando do capitão Antônio Bendochi Alves Filho, estavam prontos para a repressão.

Armados de fuzis e metralhadoras, o centro e pontos estratégicos da cidade foram cercados pelos militares. A ordem era encurralar e prender os “subversivos comunistas”.

Está história está no livro “Uma Conquista Cassada”, de autoria do jornalista Jeremias Macário, que será lançado brevemente em Vitória da Conquista. A obra, de mais de 400 páginas, marca os 50 anos da entrada das tropas na cidade e foi impressa pela Gráfica da Bahia através da Assembleia Legislativa por intermédio do deputado estadual Jean Fabrício, do PC do B.

PRISÕES E “SUICÍDIO”

No início da ditadura civil-militar, Conquista foi palco de prisões, fugas, queima de documentos e até mortes. No atormentado maio, aconteceu o primeiro “suicídio” de um preso político no Brasil nas dependências de uma cadeia militar.

Naquele seis de maio foi preso e cassado o prefeito eleito pelo povo, José Fernandes Pedral Sampaio, numa votação imposta aos vereadores pelos militares através da 30ª Sessão da Câmara.

O título “Uma Conquista Cassada – Cerco e Fuzil na Cidade do Frio” teve a intenção de retratar a ação da ditadura militar-burguesa que, com a força dos fuzis, emparedou a Câmara de Vereadores naquele fatídico dia.

Desolado em sua prisão na Companhia da Polícia Militar da Bahia (9º Batalhão) com outros companheiros, o prefeito foi destituído pelo novo regime, sem direito à defesa. Eleito em 1962, Pedral e o povo foram vítimas de um ato de flagrante violação à Constituição. Em clima de terror, muita gente procurou fugir do cerco. Um perseguido viajou até Salvador para se entregar e teve irmão “dedurando” irmão.

A reconstrução desse capítulo da história de Conquista demandou cinco anos de estudos, pesquisas e entrevistas, com fatos inusitados para o leitor, como o enfrentamento das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) da Igreja Católica nos anos de chumbo da ditadura.

A cidade abrigou um refugiado marxista condenado à pena de morte que se escondeu no anexo da clausura de um convento de monjas onde fez um quadro do Menino Jesus no Templo. O foragido Theodomiro Romeiro dos Santos conta como tudo aconteceu.

Uma conquistense guerreou no Araguaia (sul do Pará), deixando a família para trás e se internando na perigosa selva. Outro foi barbaramente torturado, e um jovem tentou ir à guerrilha, mas depois resolveu ser padre. Teve empresário financiador do regime de exceção.

OPERAÇÃO DE GUERRA

O livro foca o maio de 1964, a partir das prisões de cerca de 100 pessoas consideradas como subversivas por terem apoiado o governo deposto de João Goulart e suas reformas de base. Também quem pertencia ao grupo do prefeito foi preso e perseguido. A vinda do exército, numa operação de guerra, foi reforçada por correntes contrárias ao grupo de Pedral, numa clara desforra política.

A oposição instigava o jornal “O Sertanejo” (apelidado de “Sertanojo”), de que Conquista carecia de uma ação militar para acabar de vez com os “atos subversivos” e “atentatórios à pátria”.

A Praça Barão do Rio Branco, ou da República, ainda com alguns casarões antigos, tendo ao meio a saudosa galeria “Lindóia”, foi o cenário das repressões.

Na Praça José de Sá Nunes, em frente ao Clube Social, o prefeito recebeu a primeira ordem de prisão, quando se dirigia para seu rotineiro trabalho na prefeitura. O clima era de uma Conquista com viés socialista a partir da derrubada das forças oligarcas em 1962.

O fato de maior impacto foi o polêmico “suicídio” do vereador Péricles Gusmão Regis, encontrado morto numa das celas da Companhia da Polícia Militar da Bahia (9º Batalhão da Polícia Militar), no dia 12 de maio de 1964.

SEIS BLOCOS

O livro-documentário, em estilo reportagem jornalística, foi dividido em seis blocos, como as revoluções socialistas no mundo (russa, chinesa e cubana) que influenciaram os movimentos sociais na América Latina nos anos 50 e 60; levantes, rebeliões, conspirações e golpes na história do Brasil; a história de Conquista; a questão dos grupos e das organizações revolucionárias de esquerda na luta armada; a abertura lenta e gradual, a Comissão da Verdade; e, por último, um tributo à década de 60.