SOBRE NOSSAS FERROVIAS (III)
A LUTA PELA VOLTA DOS PASSAGEIROS

De Mapele para Camaçari já existem trilhos para o transporte de cargas. Em 2006, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) chegou a aprovar projeto de restauração das linhas para 15 regiões do Brasil entre municípios com mais de 100 mil habitantes dentro de uma extensão de 200 quilômetros das capitais.
A Bahia chegou a ser contemplada com os trechos Salvador – Alagoinhas (128 km) e Salvador Cachoeira (138 km). Os trens passariam por Camaçari (210 mil habitantes), Simões Filho (140 mil) e Alagoinhas (190 mil). Enquanto nada acontece, vários movimentos de Ongs, como o Movimento “Trem Ferro”, “Ver de Trem” (criado em 1991) lutam para a volta dos trens passageiros.
A malha ferroviária no Estado de 1.597 quilômetros tem 13 anos de privatizada e somente 4% das cargas baianas são transportadas pela via. Em 10 anos os prejuízos somaram mais de R$8 bilhões.
O trecho Paripe-Mapele (Simões Filho) está abandonado desde a privatização da RFFSA que passou a se chamar Ferrovia Centro Atlântica – FCA controlada pela Vale do Rio Doce. As principais mercadorias transportadas pela ferrovia são petróleo, produtos petroquímicos e minérios.
Em todo Estado as estações foram desativadas e desmanteladas, vagões abandonados e trilhos roubados. As oficinas e acampamentos viraram sucatas. A história do trem na Bahia que um tempo foi símbolo de progresso, meio de transporte e alegria, está perdida. O transporte de passageiros, simplesmente desapareceu. Restam ainda alguns saudosistas que esperam que essa memória seja reconstruída. É preciso que se volte ao túnel do tempo e se restaure a memória.
Em Periperi ficava uma das três oficinas da RFFSA. As outras em Alagoinhas e Aramari. Tudo virou ruína. Em Alagoinhas, a Estação São Francisco já foi o maior entroncamento ferroviário do Estado.
No trecho Salvador-Alagoinhas existia o trem apelidado de “Pirulito” por ser o mais lotado que fazia o percurso em quatro horas e meia, mas tinha também o luxuoso “Marta Rocha” que durava duas horas de viagem, conduzido por uma locomotiva elétrica.
Dizem os mais antigos que entrar no “Marta Rocha” era como andar numa limusine. Funcionava também a linha Salvador-Serrinha-Aracaju. Os últimos trens circularam na Bahia até o final dos anos 70.
O PIB baiano é de mais de R$100 bilhões, mas não existe sistema intermodal de trens. Como conseqüência, o transporte rodoviário ficou sobrecarregado e os custos aumentaram sensivelmente.
O “TREM GROTEIRO”
Cortando o Estado, do Sudoeste ao Norte, partindo de Monte Azul, em Minas Gerais, o trem de passageiros saia de Urandi, na Bahia, próximo a Espinosa (MG), passando por Licínio de Almeida, Caculé, Rio do Antônio, Malhada de Pedras, Brumado, Tanhaçu, Contendas do Sincorá até Iaçu.
Desse ponto partia o chamado “Trem Groteiro” até Senhor do Bonfim. Essa rota tinha 24 estações ou mais. De Senhor do Bonfim, um trem vindo de Salvador-Alagoinhas seguia até Juazeiro. Ao todo, calcula-se em 90 estações ou mais que hoje estão desativadas e destruídas.
De Iaçu, a “Maria Fumaça” fazia festa e movimentava as estações principais de Itaberaba, Ruy Barbosa, Jequitibá onde tem o Mosteiro do Abades, Mundo Novo, Piritiba, povoado do França, Miguel Calmon, Jacobina, Caem, Pindabaçu, Saúde, José Gonçalves (ramal para Campo Formoso) e Senhor do Bonfim.
Nesses lugares se misturavam bagagens, passageiros em trânsito com os dos lugares de paradas que iam para diversos destinos mais os comerciantes-feirantes e mascates que costumavam vender suas mercadorias nas feiras vizinhas. O trem sempre foi o sustentáculo das economias debilitadas das regiões mais pobres. Era o sustento e o “ganha-pão” das classes mais desfavorecidas.
O trem era o cartão postal de cada cidade, e cada uma dela exibia uma casa ou casas dos funcionários que cuidavam e trabalhavam nas linhas ferroviárias. Eram casas e estações com arquitetura diferenciada, de cor cinza, com janelas e portas de formato oval. Até os telhados pareciam com estilo europeu-holandês, ou americano.
Era uma vida que pulsava dia-a-dia nas estações cheias e lotadas. Como as pequenas cidades tinham pouca diversão e lazer, era comum as mulheres, homens, crianças e idosos irem para as estações só para verem o trem passar.
Quando atrasava, a notícia corria rápida. Na certa poderia ter sido um descarrilamento. As batidas do sino indicavam que a locomotiva estava para chegar. Os apitos da “Maria Fumaça,” e todos logo começavam a se preparar para receber a visitante, ou o visitante mais ilustre.
Era a alegria maior da garotada, que ainda ganhava um trocado para carregar as malas dos passageiros que desembarcavam. Não podiam faltar as algazarras dos punguistas nas chegadas e nas saídas dos trens. Precisava ser esperto para pegar e descer na hora certa, sem cair no chão. Oh, quantas lembranças gostosas daqueles tempos da linha de ferro!
O ramal Senhor do Bonfim – Juazeiro, numa distância de pouco mais de 100 quilômetros, que já foi trem de passageiros, é hoje pouco utilizado no transporte de cargas. Constantemente tenho visitado aquela região e cada vez que faço esse roteiro fico mais decepcionado por ver o abandono dos trilhos, das estações, de máquinas e vagões.
A começar por Senhor do Bonfim, a área em torno da Estação está em plena decadência. É triste lembrar de quando tinha 16 ou 17 anos e ia visitar meus parentes naquela cidade, sempre viajando de trem a partir de Piritiba.
O movimento era intenso de pessoas chegando de diversos pontos e partindo para várias cidades, inclusive Salvador, passando por Alagoinhas. Eram 24 horas no ritmo do trem com seus vagões lotados de passageiros e mercadorias de todas as partes.
No percurso para Juazeiro, o trem levava gente de Senhor do Bonfim e pessoas (feirantes e negociantes) procedentes de toda região num raio de 500 quilômetros, inclusive vindas de Salvador.
O trem de passageiros cortava o povoado de Carrapxel, a cidade de Jaguarari e os distritos de Flamengo e Maçaroca para chegar a Juazeiro. Nessa rota, como em toda Bahia, as estações simplesmente viraram escombros e o poder público nada fez para recuperar um valioso patrimônio artístico e cultural.
Infelizmente, toda uma memória, todos os registros e vestígios de um patrimônio de cerca de 150 anos estão se apagando. Na literatura e nas imagens, as ferrovias estão embaçadas e se transformando num lamentável borrão. Só as lentes das máquinas e a escrita podem conseguir recuperar nitidez e foco do que ainda resta.











