JUAZEIRO ANIVERSÁRIO 040

Semana passada fui visitar-te no leito de morte e não gostei nada de ver-te em estado de saúde terminal. Há mais de 500 anos quando aqui chegaram os primeiros navegadores eras um moço forte, corado, vigoroso e caudaloso para dar vida eterna a quem necessitasse de ti.

JUAZEIRO ANIVERSÁRIO 053

Agora, um velho ancião jogado numa dura cama que não consegue andar com tuas próprias pernas! Precisas que alguém de uma barragem solte um pouco do teu líquido que a ti pertences! Estás todo desmatado em tuas margens, assoreado, depredado e cheio de lixo!  Tem uns caras que passam e sempre dizem que vão limpar o teu leito, mas o tempo vai e continuam a sugar o teu resto de sangue.

Dei uma volta de caiaque com meu filho Caio e em teu redor só vi estragos, molambos e farrapos, apesar de captar algumas mensagens solitárias de cidadãos que pedem o teu socorro e desabafam contra o que fizeram e ainda estão fazendo contra ti. As imagens, por si só, já dizem tudo.

JUAZEIRO ANIVERSÁRIO 058

Em torno da “Ilha do Fogo”, entre Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), numa prainha, muita gente ainda curte o lazer do que resta de ti, sem ao menos imaginar que haverá um dia que as futuras gerações só vão te conhecer através de fotografias.

Por falar em máquina fotográfica, numa dessas visitas minha lente registrou uma das ironias e deboches que sempre fazem contigo. Na parte de Pernambuco lá estava num tipo de cabana de ferro e plástico no formato de um barco os dizeres: “Ainda dá Tempo, Vamos Reciclar o Velho Chico”. Encrustada e abandonada num resto de árvores, nas margens da ilha, a velha cabana perfurada de balas nem balança mais por falta de correntezas.

JUAZEIRO ANIVERSÁRIO 060

Entre Juazeiro e Petrolina, o barco que faz o transporte de moradores pra lá e pra cá pelo canal estreito, demora cerca de cinco minutos. É o tempo de iniciar uma conversa e tirar algumas fotos de degradação e das duas cidades. O barqueiro tem que pilotar com cuidado, senão pode encalhar em algum banco de areia.

Em tom de gozação, meu filho disse que logo o barco vai ficar ancorado na posição de travessia como se fosse uma ponte. O usuário é só entrar e sair do outro lado. Até há pouco tempo, o barco ancorava no meio de uma rampa no lado de Juazeiro. As águas do “Velho Chico” baixaram tanto que hoje as pessoas têm que descer toda rampa e ainda andarem uma boa parte no seco para terem acesso á embarcação.

No outro lado, em Petrolina, mais desolação e sujeiras. O rio se afastou quase 300 metros do cais. Dá-se uma boa caminhada para se chegar ao barco. Na margem, o que mais se vê é lixo (pneus, plásticos, canoas abandonadas, restos de madeiras e outros objetos), sem contar que o local serve até para se fazer despachos, como flagrei num barquinho feito de isopor.

É, “Velho Chico”, cada um cuida de si e ainda passa e te maltrata nestes 27 quilômetros de andanças por Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas como se tu tivesses cometido algum crime hediondo durante tua longa vida! Já te chamastes de rio da Integração Nacional, mas, nem assim te respeitam.

Pura hipocrisia e vãs promessas de políticos safados e ladrões de votos! Os apelos feitos só têm servido para preencher espaços na mídia, como diz uma das mensagens escritas em suas margens destruídas pelas erosões e pelos projetos clandestinos de irrigação. A transposição de suas águas virou maldição.

Agora aparece uma presidente, que governa, mas não manda, e anuncia que vai mandar 175 milhões de reais para tua revitalização. Mesmo que esse socorro chegue, será que dá para te tirar do estado terminal? Dá para acreditar neles? Se houver boa vontade e afastarmos os ímpios de coração, ainda dá tempo para reciclar o “Velho Chico”.