Li há pouco tempo o livro “A Corte do Czar Vermelho”, do escritor Simon Sebag Montefiore, e muitos relatos me fizeram lembrar o ex-presidente Lula e sua corte, a começar pelo ex-ministro José Dirceu, envolvida em negociações duvidosas, para não dizer apropriações indébitas no estilo rapinagens das grandes. A corte que morava no Kremlin recebeu a alcunha de “os magnatas”.

O Triplex de Guarujá (edifício Solaris) e o sítio Santa Bárbara em Atibaia, (São Paulo), investigados pelo Ministério Público Federal como bens de Lula através de “doações” da construtora OAS, lembram as datchas (eram dezenas) de Stálin e sua gente na época em que comandou a União Soviética, de 1924 a 1953. José Dirceu pode ser comparado ao ministro do exterior, Mólotov, que foi abandonado pelo líder russo no final de sua vida.

As relações podem até ser absurdas, principalmente em termos de nações e regimes diferenciados que levaram dezenas ao fuzilamento, mas tanto lá como aqui, muitos camaradas da corte foram presos. Bem, não vou fazer mais analogias, mesmo porque meu propósito é comentar algumas curiosidades da corte de Stálin, um mandatário que tinha sede de execuções, embora tenha sido um intelectual devorador de livros.

Para subir ao poder e derrubar Trotsky logo que Lênin faleceu em 21 de janeiro de1924 (infarto fatal), Stálin se aliou à direita de Rikov, Kamenev, Bukharin e Zinoviev e depois destruiu seus camaradas. Kamenev propôs que Stálin permanecesse como secretário, mas não imaginava que ele fosse ficar 30 anos no poder.

Simon Sebag, em dois livros, fez uma pesquisa minuciosa e cuidadosa sobre a vida do grande chefe, desde jovem até sua morte. As obras têm uma dinâmica acelerada, cheia de fatos inéditos, que faz o leitor não parar no meio do caminho. Conta que certa vez (início da década de 30) Stálin atravessava a rua ao lado de Mólotov quando um mendigo estendeu a mão pedindo uma esmola. O líder deu uma moeda, mas não satisfeito, o velho o chamou de capitalista usurário.

Como disse Nikita Khruchióv, Lênin era um homem de duas faces, mas não gostaria ter visto Stálin no poder, certamente porque sabia o quanto ele era sanguinário, apesar de ter sido um político inteligente e bom cantor que lia literatura e história de forma compulsiva. Segundo o autor do livro, ele padecia de amidalite, psoríase, dores reumáticas e, entre outros apelidos, era chamado por adversários de o bexiguento. Obcecado por execuções, era também um marxista convicto.

Ióssif  Vissarionovitch  Djugachvili disse certa vez para seu filho Vassili: “Stálin é o poder soviético” repreendendo-o para que não usasse seu nome para fazer malfeitos. Nasceu numa família pobre influenciada por padres e foi vítima da violência do pai. Pela primeira vez, em 1913, assinou um artigo no jornal com o nome de Stálin, (som metálico) tudo indica tirado da sua bela amante Ludmila Stal.

Sua segunda mulher Nadia Alliluieva, se suicidou em 1932, embora tenha ficado uma ponta de suspeita se não foi ele quem a matou. Amava muito sua filha Svetlana quando criança, mas se afastou dela ao discordar do seu casamento com um homem mais velho, tido como espião inglês. As relações pioraram ainda mais quando ela se juntou com um judeu.

Mesmo com a Nova Política Econômica implantada por Lênin para soerguer a Rússia da guerra civil, a crise agrícola estourou em 1927. A fome se alastrou pelos campos e cidades e muita gente passou a comer animais mortos e lixo. Foi aí que o governo resolveu tomar, na base da força, os grãos dos camponeses. E quem escondia os produtos e não aceitava a coletivização era chamado de kulak.

De 1927 ao início da década de 30 (período do terror), milhões de agricultores da Rússia, Bielorrússia, Ucrânia e Geórgia foram mortos. Outros milhões foram deportados para regiões inóspitas, como a Sibéria. Para seus comandados, Stálin afirmava que, “quando nós bolcheviques queremos fazer algo, fechamos os olhos para todo o resto”.

Tudo era feito com o consentimento e conhecimento do líder na época do terror. Ele mesmo fazia as listas dos sentenciados à morte e passava para Béria, Kaganovitch, Mikoian e outros chefes, só que para agradar o grande líder, eles acrescentavam mais gente. Se Stálin mandasse executar mil, Béria e Iéjov, por exemplo, matavam cinco mil.

O governo era praticamente formado pelo Politiburo (cinco membros) e o Comitê Central (60), mas a obediência maior era para com o partido, posto como uma religião. O próprio Kirov que comandava Lenigrado declarava que um bolchevique deve amar mais seu trabalho do que sua esposa.

O líder, coroado em 1930 no 16º Congresso do partido, dificilmente era contestado, a não ser por alguns atrevidos mais próximos como o Mikoian. Caso contrário, seria preso e eliminado. Narra o autor do livro que em plena crise agrícola, o secretário do CC da Ucrânia reportou os horrores da fome numa assembleia. Stálin fitou nele seus olhos de águia e recomendou que o secretário entrasse para a União dos Escritores e fosse inventar fábulas para os tolos lerem.

Com todo esse rolo compressor, em 1931, mais de 13 milhões de famílias haviam sido coletivizadas, passando para 18 milhões em 1937 quando cinco milhões morreram de fome. Em 33 sete milhões perderam suas propriedades e três milhões de lares foram liquidados.

Certa vez, numa discussão acalorada, Nádia disse que seu marido atormentava a todos, seu filho, sua mulher e todo o povo russo. Calcula-se que durante o terror mais de 10 milhões tenham sido destruídos. Boa parte passou pelas mãos de Béria (chefe da segurança).

Mas, para dar outra conotação ao seu governo e fazer uma propaganda enganosa, como ainda existe nos nossos tempos, Stálin mandou buscar o grande poeta e escritor Máximo Gorki que curtia na Itália. Deu-lhe uma bela datcha com todas as mordomias, contanto que criasse o realismo socialista e apertasse o cerco contra os kulaks. Tempos depois foi assassinado por Iagoda a mando do líder.

Diz Simon Sebag que Stálin foi o governante que mais leu na história da Rússia, incluindo o próprio Putin. De tanto ler, afirmava: Se quiser conhecer as pessoas à sua volta, descubra o que elas leem. Mesmo assim, baniu Dostoievsk e outros escritores por considera-los ruins para os jovens.

Na hora de mandar executar não tinha escrúpulos. Entre uma vodca e outra com os “amigos magnatas” propalava que a maior delícia era marcar o inimigo, preparar tudo, vingar-se e depois dormir bem. Alertava ainda que todo cidadão russo deveria ser um agente da NKVD e conseguiu fundir a cultura com o bolchevismo.