Não precisa ir muito longe porque nosso Brasil é um poço de absurdos, contradições e incoerências. Assim vem trilhando há séculos nas leis, medidas e comportamentos. Muita coisa não se diz com receio do patrulhamento ideológico, ou mesmo com o medo de ser xingado e apedrejado como preconceituoso, racista, reacionário, machista ou outro termo rasteiro qualquer.

Depois dos 60 e de já ter apanhado tanto, não mais me incomodam os impropérios e insultos. Absurdos e incoerências andam de mãos dadas. Aqui vou eu a começar pela marcação acirrada aos fumantes, tendo a mídia, que não olha para seu umbigo, como o zagueiro que entra de sola. É proibido fazer propaganda de cigarro, mas de bebidas alcoólicas em geral e de remédios pode à vontade e, além do mais, apelativas. Você já deve saber o motivo da mídia não questionar!

O álcool mata mais que o cigarro e, apesar da fumaça, incomoda menos que um bêbado chato vomitando ao seu lado, sem contar o bafo horrível. É mais chique ultrajar a figura do fumante que está mais exposta pela mídia. E o veneno poluidor das grandes cidades saído dos carros que provoca câncer? Pouco se fala e quase nada se fiscaliza dos veículos velhos e irregulares.

O que seria da criatividade das agências de publicidade se não fossem as lindas pernas e as bundas das mulheres nas propagandas de cervejas? Na Itaipava, por exemplo, não é o produto que é posto à venda. O que atrai o consumidor é a mulher. Nesses casos e outros, quando se fala que a mulher está sendo objeto, o argumento é que se trata de um trabalho digno. Você é que é machista e um porco chauvinista.

Por acaso, existe alguma criminalização e punição para o policial, autoridade qualquer ou funcionário público que desacata o cidadão que, muitas vezes, é agredido verbalmente e fisicamente? O cidadão que paga seu imposto e cumpre com suas obrigações pode ser desacatado e nada acontece. É crime o cidadão desacatar a autoridade, mas vice versa, não!

 Por sua vez, você paga suas contas e impostos em dia. Faz um sacrifício danado para não ser inadimplente. Ai o mercado e o governo dão descontos graciosos e até isentam os maus pagadores. Agora mesmo o Governo do Estado está dando descontos e fazendo negociações para quem deixou de pagar o ICMS e o IPVA do carro. Isso é justo e coerente? É só chegar o final de ano e aí vem a reconciliação das dívidas atrasadas. É um incentivo ao trambiqueiro e ao malandro.

Na sociedade moderna, as mulheres conquistaram seus espaços, e isso foi bom e salutar. Na disputa pelos direitos iguais com os homens são elas próprias a dizer que têm a mesma capacidade, mas não dispensam privilégios em certas ocasiões, e muita gente ainda solta essa de que a mulher tem o sexo frágil.

Não consigo entender, por exemplo, porque a mulher tem maior longevidade que o homem, mas tem o direito de se aposentar primeiro. Não é mais uma incoerência? Por que os partidos políticos são obrigados a reservar para as mulheres um percentual de 30% de seus candidatos a cargos eletivos? Não têm capacidades iguais? E agora já se fala em cotas para as mulheres no Congresso. Onde fica o mérito de cada um? O que deve se levar em conta é a competência, e não se é mulher ou homem, hetero ou homo.

Por falar em cotas, sou contra essa política por entender que tem seu fundo de incoerência quando menospreza e humilha determinada categoria pela cor, quando se prega que todos têm inteligência e capacidade para vencer, basta ter ensino de qualidade. Não passa de ação eleitoreira e assistencialista, quando se esquece que o mais vulnerável é o pobre, sem distinção de cor. Mas, quem não concorda é visto como reacionário, racista ou outra terminação em ista.

O Supremo Tribunal Federal aprovou as cotas que iriam funcionar até que as escolas públicas fossem dotadas das qualidades que possuem as particulares. Há mais de dez anos elas só têm piorado. Olhando o passado, quantos negros e brancos vindos das mesmas faculdades foram bons médicos, juízes, advogados e escritores?

Reserva de 20% das vagas para negros em concursos públicos para juízes e servidores do Judiciário, entre outros órgãos e instituições, é premiar a incompetência e atentado à meritocracia, no lugar da mediocracia. Já não houve cotas lá na frente para entrar na universidade? São, na verdade, cotas das cotas. Concurso é para ninguém ser favorecido. Sem educação de qualidade não se vai a lugar nenhum.

Intrigante essas notícias que saem na mídia sobre descobertas de curas de doenças da medicina que só têm alcance para os endinheirados e afortunados, isto depois de cinco a dez anos que chegam aos países pobres. É alimentar o sonho dos eternos excluídos. Aí, o doente fica acreditando que ele também vai ser beneficiado pela tecnologia moderna capitalista, quando ela é excludente.

Ainda na área da saúde no Brasil, a imprensa faz matérias com especialistas, recomendando às pessoas que façam sempre exames rotineiros de prevenção contra determinadas doenças, como se cada brasileiro tivesse um médico particular à sua disposição. O plano SUS é uma beleza! Você marca uma consulta com a maior facilidade! Os exames pedidos são feitos na hora!

Em nome da vontade de Deus, no Brasil e nos países da América do Sul e Central, milhões de nativos foram exterminados, sem falar das vítimas da Inquisição. Hoje, na onda evangélica, fala-se até na “cura gay”, e tudo o que acontece de bom ou ruim foi Deus que quis. Deus faz parte até das jogatinas. “Vou ganhar essa, se Deus quiser”. No futebol, então, Deus vira até torcedor de time! Se ganhar, foi Deus que quis e se perde, também. Ele está na intolerância dos pastores e até nas chamadas “guerras santas”.

Existem mais e mais absurdos e incoerências por aí que não contestamos, mas aceitamos e adotamos de bom grado, com receio de um linchamento ideológico. Fora da lógica, já fazem parte da cultura do conformismo e da falta de indignação. Admitimos e pronto, como uma imposição que se torna verdade.