A FELICIDADE NOS PÉS
(Chico Ribeiro Neto)
Par ou ímpar? Vai ser quatro na linha e um no gol. Deu ímpar, é você quem escolhe.
Vai começar o “baba” em cima dos paralelepípedos da Rua Gabriel Soares, no pé da Ladeira dos Aflitos, em Salvador. Uma trave era formada por um poste e uma pedra. Do outro lado do “campo” a outra trave tinha duas pedras. É início da década de 60. Tenho uns 12 anos.
A duração do “baba” era medida por tempo ou por gols. “Quem tomar o primeiro gol sai” era a lei quando havia outros times esperando. Muitas vezes não tinha duração, a gente jogava até cansar.
Sem juiz, o “baba” era apitado pelos próprios jogadores. “Não foi gol, não, a bola foi alta”. “Alta uma porra!” Não havia o travessão e bola alta ou gol era questão de interpretação. O VAR estava longe.
O “baba” era interrompido quando um idoso ou mulher com criança precisava atravessar a rua. “Para a bola”, “parou, parou”, gritava logo alguém. Parava também quando passava um carro, um Citroen preto ou um DKW Vemag.
O “baba” era interrompido também pela Polícia Militar, após telefonemas dos nossos vizinhos preocupados com seus jardins e vidraças. A gente corria com medo, mas os policiais só queriam a bola. Mas havia sempre outra de reserva.
Preparado pra bater a falta. Até que a bola saiu alta, quase é gol, mas a cabeça do dedão ficou lá no paralelepípedo. Joelho ralado era quase todo dia.
O jogador ruim era um “arranca-toco” que só sabia “dar nó (drible) de carroceiro”. Igualmente ruim era o dono da bola, geralmente escalado pra “pegar no gol”. Ninguém podia reclamar muito do seu desempenho, senão ele pegava a bola e ia embora.
Se der uma “dor de facão”, aquela “pontada aguda e lancinante na lateral do abdômen”, coloque umas três folhas verdes na cintura que passa logo. A zorra complicou na área e o zagueiro “deu um São João” (chutaço pra cima) pra aliviar a defesa.
Aquele cara tomou um “banho de cuia” (chapéu) da porra e o outro foi reclamar de falta. “Futebol é pra homem, porra!”
Quando havia muitas faltas dos dois lados era dado o grito de guerra: “O baba virou!” Era a senha pra se bater à vontade e as faltas estavam suspensas. Salve-se quem puder.
Aos domingos, a gente pulava o muro do Instituto Feminino, no Politeama, para jogar na quadra. Uma tranquilidade, pois não passava carro nem vinha a PM tomar a bola.
Fomos jogar contra o time do Politeama, 5 na linha e 1 no gol. Botamos logo 1 x 0 no começo. Aí nosso zagueiro deu uma raspada em André Catimba (mais tarde ídolo do Vitória e do Grêmio), que se estatelou no chão. Aí o bicho pegou. André já tinha fama de brigão e eles tinham o time e a turma em volta nos ameaçando. Nós éramos cinco, apenas o time.
Aí, toda bola dividida com André, o zagueiro saía de baixo e Catimba fazia o gol. Tomamos 8 x 1, mas saímos sem tomar porrada.
Chego na janela e lembro dos gritos de “olha o baba!” Era a hora de arregimentar os amigos para aquela festa em torno da bola. Uma aventura mágica, feliz e eterna. “Foi gol, porra!”
(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)