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:: 14/nov/2025 . 23:43

O CANGAÇO ENDÊMICO E O EPIDÊMICO

O historiador e escritor Frederico Pernambucano de Mello, autor de “Guerreiros do Sol”, classifica o cangaço em duas fases, o endêmico e o epidêmico. O primeiro se situa a partir da segunda metade do século XIX, um tipo mais romântico e bonachão, com suas regras, normas e éticas.  O segundo, nas primeiras décadas do século XX, tendo como auge 1926, mais violento e com maior número de grupos atuantes. Lampião foi o expoente dessa fase,

Sobre os dois ciclos nordestinos, o da cana e o do gado, ele cita Câmara Cascudo, quando enfatiza que o primeiro não poderia ter produzido o cangaceiro. Exagero a parte, o homem do cangaço disputa com o próprio vaqueiro a primazia, no representar do modo mais completo, o conjunto dos atributos que caracterizam o ciclo do gado.

Ninguém mais que ele (o vaqueiro) soube gozar e sofrer, a um só tempo, as peculiaridades do viver nômade. “Foi, a ferro e fogo, senhor de suas próprias ventas, atuando sem lei, nem rei”. Frederico destaca que sempre existiu uma tradição de simbiose e simpatia entre o cangaceiro e o coronel através de gestos de auxílio constante entre um e outro.

Existiam entre eles uma relação de alianças de apoios mútuos, numa forma espontânea onde uma parte não era patrão da outra para sua sobrevivência. Mediante os acordos, o bando colocava-se a serviço do fazendeiro ou chefe político. Tudo se convertia em contrapartida, “naquela figura tão decisivamente responsável pela conservação do caráter endêmico de que o cangaço sempre desfrutou no Nordeste, que foi o coiteiro.

O escritor alagoano Graciliano Ramos, em “Viventes das Alagoas” ressalta que a aliança se mostrava vantajosa às duas partes porque ganhavam os bandoleiros, que obtinham quartéis e asilos na caatinga, e os proprietários que se fortaleciam cada vez mais. O relacionamento não representava vínculo de subordinação entre os dois. Existia ausência de patrões.

De acordo com estudos publicados pelo Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais (1974), houve cangaço dentro do cangaço, isto é, modalidades criminais distintas. Em cada modalidade tinha uma forma de viver, bem como de conduta e violência empregada.

Para Frederico Mello, existia o cangaço-meio de vida, o da vingança e aquele do refúgio, principalmente quando o sertanejo cometia algum crime e estava sendo perseguido pelas volantes. Na primeira forma, Mello aponta Lampião e Antônio Silvino como representantes máximos.

O de vingança foi o traço definidor mais forte, na opinião de Mello, o cangaço nobre, representado pelo Sinhô Pereira, Jesuíno Brilhante ou Luis Padre. Na terceira forma, o cangaço figura como última instância de salvação para o homem perseguido.

Quanto aos modos de guerrear dos indígenas e dos cangaceiros em território inóspito, difícil de penetração, o autor de “Guerreiros do Sol” escreve que os portugueses, que usavam doutrinas militares clássicas, tiveram muito que aprender. Essa situação ocorreu não somente entre os portugueses, mas também no caso holandês que sofreu movimentos de resistência.

Na guerra contra os holandeses, por exemplo, historiadores destacam a contribuição militar do rastejador. O frei Manuel Calado de Salvador cita o capitão Francisco Ramos, índio ou mameluco, como o um dos mais espertos homens em diligência no Brasil.

Quem descreve com detalhes o papel do rastejador durante a década de 30 é Ranulfo Prata. Em trecho da sua narração diz que ele “segue a tropa pressurosa, com o batedor à frente, “escanchado” no rastro. Sem perde-la, trazendo-a sempre debaixo dos olhos atentos, a marcha se estira por dias e semanas, até que as feras humanas, acuadas longe, ofereçam combate, negaceiem e escapem em fuga precipite”.

O rastejador percebe pequena folha machucada, cinza de cigarro ou barulho, um fósforo, toiças de capim acamado. “Segue os pequenos animais, o preá, de pata minúscula, o teiú, que mal acama a vegetação sob seu peso leve, o tatu-bola, todo delicadeza, a pisar o chão com sutiliza de quem traz veludo nos pés”.

No que tange ao banditismo no Nordeste, Frederico de Mello faz referência a salteadores ainda no século XVII. “Ao longo do período de colonização holandesa, vamos surpreender nosso banditismo caboclo enriquecido pela presença de estrangeiros, desertores das tropas de ocupação…”

Segundo ele, houve chefes de grupos que eram holandeses, como o caso do célebre Abraham Platman e Hans Nicolaes, que agia na Paraíba, à frente de 30 bandoleiros, por volta de 1641. Ele lembra ainda que foi na segunda metade do século XVII que o bandoleiro pernambucano, José Gomes, o Cabeleira, desenvolveu sua atividade.

No entanto, somente em fins do século XVII, o banditismo começa a se converter no cenário por excelência, até porque, no litoral, a colonização florescia em todos os sentidos. O ciclo do gado, com sua malha vegetal quase impenetrável e uma cultura receptiva à violência, fornecia um cenário propício ao banditismo. Graciliano Ramos afirma que o cangaço era um fenômeno próprio da zona de indústria pastoril, no Nordeste.

No entanto, Câmara Cascudo assinala que o cangaço não existia somente no sertão, mas que era uma figura também presente em outros países. O historiador Hobsbawn, em seu livro “Bandidos”, lançado em 1969, reafirma a tese da universalidade.  Segundo ele, o banditismo social se encontra em todas as Américas, na Europa,  no mundo islâmico, na Ásia e até na Austrália.





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