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:: 7/nov/2025 . 23:36

O CICLO DO GADO E OS VALENTÕES

Por muitos séculos os nordestinos, acossados pelas secas intermitentes e cruéis, nas lutas com os índios, pela falta de ordenamento dos governantes, sem lei e justiça, longe dos litorais e a conviver com o banditismo, viveram em total isolamento apegados ao misticismo religioso, suas crenças e suas culturas.

Sobre o flagelo das secas, vários narradores traçam cenas de terror. O padre Joaquim José Pereira, do Rio Grande do Norte, escreve que, além da seca, apareceu nos sertões do Apodi uma tal quantidade de morcegos, que mesmo à luz solar, atacavam as pessoas e os animais, já inanidos pela fome. Homens, mulheres e crianças eram encontrados mortos e moribundos pelas estradas. Entre os mortos, encontravam-se miseráveis ainda vivos prostrados no chão, cobertos pelos vampiros.

Frederico Pernambucano de Mello, em “Guerreiros do Sol”, um estudioso do Nordeste e do cangaço, nos narra que, “quando em fins do século XVII e ao longo do século XVIII a necessidade de expansão colonizadora empurrou o homem para além das léguas agricultáveis do massapê, projetando-se no universo cinzento da caatinga, fez surgir um novo tipo de cultura cujos traços mais salientes podem ser resumidos na predominância do individual sobre o coletivo”.

O homem passou a ser condicionado pelo cenário agressivo que é o sertão. Ele experimentou sobreviver através das plantações, mas foi vencido pelas secas. Então, partiu para a criação do gado, criando assim um novo ciclo que fez surgir os valentões nas figuras dos cabras, dos capangas, dos jagunços, dos pistoleiros e dos cangaceiros.

O escritor Graciliano Ramos escreveu em um dos seus livros que, “sendo a riqueza do sertanejo, principalmente constituída de animais, o maior crime que lá se conhece é o furto de gado. A vida humana exposta à seca, à fome, à cobra e à tropa volante, tinha valor reduzido – e pior que isso, o júri absolve regularmente o assassino. O ladrão de cavalo é que não acha perdão. Em regra, não o submete a julgamento, matam-no”.

Na verdade, o maior crime no sertão naquela época era roubar cavalos e bois. Para o ladrão, só restava a morte e de forma sangrenta. Aliados ao misticismo, ao culto da coragem e o apego ao direito de propriedade, os sertanejos estabeleciam um quadro de violência do ciclo do gado.

O viajante holandês Adriaen Verdonck constatou, em 1630, que na região próxima ao rio São Francisco, os moradores possuíam muito gado, que era principal riqueza e constituía na melhor mercadoria destas terras.

Além das intempéries do tempo e outros fatores adversos, os nordestinos tiveram que enfrentar uma guerra desesperada contra os índios, os verdadeiros donos daquelas terras, expulsos das zonas litorâneas.

Como exemplo, Frederico de Mello nos conta a luta que Teodósio de Oliveira Ledo teve que levar a cabo no início do século XVIII contra as nações tapuias, dos pegas e dos coremas, para se estabelecer com sua gente nos campos de Piancó (Paraíba). Essa guerra chegou a durar mais de 10 anos contra cerca de 10 mil indígenas.

O ciclo do gado também teve que enfrentar o felino. “A onça faz dura guerra a todos os gados do sertão”, escreve Fernando Denis, na primeira metade do século XIX. Esse animal, que atacava os rebanhos, foi exterminado pela bravura dos nordestinos.

Diante das guerrilhas indígenas, dos facínoras poderosos, o nordestino se tornou num homem desconfiado e exposto a emboscadas dos temidos “tiros de pé-de-pau, ou dos que dormiam na pontaria.

Frederico de Mello cita diversos autores, como Câmara Cascudo que chama a atenção para a carta régia de 1701 pela qual os criadores, em divergência com os plantadores de cana e mandioca, viram-se obrigados a procurar no sertão terras diferentes das exigidas por essas culturas

Este fator respondeu pelo incremento da internação sertaneja ao longo do século XVIII, tendo que enfrentar temperaturas infernais. A carta régia determinava que o criatório só poderia fundar-se para além de uma faixa de dez léguas da costa.

O autor de o “Guerreiros do sol” faz um paralelo sobre o ciclo do gado no Nordeste com a epopeia norte-americana da conquista do Oeste, quando relata que “quanto mais demorada tenha sido a fase cruenta de um processo de colonização, tanto mais duradoura se mostrará a permanência de hábitos violentos que não mais se justificam”.

O sertanejo sofreu uma estagnação em sua evolução por conta do isolamento em que esteve secularmente relegado. Sobre a questão dos valentões, Mello destaca a impressão que teve o viajante Henry Koster. Em sua visão, esses valentões eram homens de todos os níveis, cujo serviço consistia em procurar oportunidades para lutar. Onde chegavam, nas feiras ou nas festas, eles amedrontavam as pessoas.

Para o escritor paraibano José Américo de Almeida, o cangaceiro originou-se da instituição do guarda-costas, como uma necessidade de defesa das fazendas ameaçadas pelo gentio. Segundo ele, quando o cabra era despedido, sua reação era procurar um bando, mas historiadores contestam esta tese.

“O emprego do capanga, do cabra e do jagunço fez-se largamente no Nordeste ao longo de todo o ciclo do gado, nas questões de terra, nas lutas de famílias e, de modo particular, nas disputas políticas” – descreve Frederico de Mello.

Mais uma vez, Mello cita, o folclorista Câmara Cascudo, quando escreve que o sertão foi povoado dos fins do século XVII para o correr do século XVIII, por gente fisicamente forte e etnicamente superior.

Diz ele que esse nordestino enfrentava os índios, que não tinha medo de morrer nem remorso de matar. “As famílias seguiam o chefe que ia fazer seu curral nas terras povoadas de paiacus, janduís, panatis, pegas, caicós, nômades atrevidos, jarretando o gado e trucidando os brancos”.

Os sucurus, panatis e os coremas nutriam ódio contra os portugueses que tomaram seus lugares marítimos. Em contrapartida, eles se levantaram em todas as partes contra os sertanejos que não se sentiam seguros.

ECONOMIA CRIATIVA E CULTURAL

Mais do que economia criativa, o evento realizado pelo instituto da Clínica São Lucas, organizado pela médica Rosa Aurich, nos dias 7 e 8 de novembro, no Centro de Cultura Camilo de Jesus Lima, foi também cultural, com uma programação plural, envolvendo artesanato, apresentação teatral de alunos de escolas, como o Juvêncio Terra, e shows musicais, inclusive com a participação do músico e compositor Alisson Menezes. Dentro da programação coube uma roda de conversa sobre a Serra do Periperi, só que o tempo foi curto para se falar sobre essa faixa de terra em torno de Vitória da Conquista, que durante anos foi depredada pelo homem através da extração de areia, pedras e outros materiais utilizados, principalmente, na construção civil. Com uma vegetação baixa e maltratada, a Serra já foi uma mata como bem descreveu o príncipe alemão Maximiliano, em visita ao Arraial Imperial da Vitória, em 1817. Da Serra hoje só resta o Poço Escuro, cuja preservação ainda deixa a desejar. Além de abrigar o Cristo erguido pelo escultor Mário Cravo, um centro de proteção de animais, torres de operadoras de telefonia, rádio e televisão; ser cortada pelo Anel Viário e abrigar moradores pobres em suas encostas, a Serra tem suas histórias e personagens que nela habitaram, como o escultor Cajaíba que se inspirou para esculpir figuras importantes do cenário nacional e internacional. Foi uma programação plural, mas muita coisa deixou de ser dita nessa roda de conversa, como a de que a cidade tem uma grande dívida para com a Serra do Periperi.





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