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:: 24/out/2025 . 0:07

PACOTES DA VIDA

(Chico Ribeiro Neto)

Antes de nascer, a gente já é empacotado na bolsa amniótica e vai lidar com embalagens durante toda a vida.

Acho que foi minha primeira ideia de infinito: no rótulo da lata de aveia  havia uma mulher segurando uma lata daquela aveia, em cujo rótulo tinha uma mulher segurando uma lata…e por aí ia minha imaginação.

Quem compra um sanduíche ganha uma coroa. A criança pega a coroa e larga o sanduíche. Hoje o pessoal embala até carro zero, que vem coberto por um laço vermelho.

Muitas lojas hoje não embrulham pra presente. Algumas dão o papel pra você embrulhar em casa. Outras, nem isso. Quem viveu nas décadas de 70/80 lembra das lojas Mesbla e Sandiz. Tinham um balcão especial de embaladores. As vitrines de Natal eram fantásticas e a Prefeitura de Salvador promovia um Concurso de Vitrines.

Uma vez, a Mesbla da Avenida Sete, em Salvador, colocou uma mulher de maiô na vitrine. Era uma multidão, a maioria homens, apinhada diante da vitrine. Uns dizendo leros e outros fazendo sinais com as mãos diante da acuada manequim viva.

A história das embalagens revela que há 10 mil anos se usava cascas de coco, conchas e folhas de árvores para guardar e transportar alimentos. Muitos séculos depois viriam os barris de madeira, os barros para potes e

cestos de fibras vegetais. Com a revolução industrial, vieram a folha de flandres (para latas) e o papel em escala industrial.

Na feira de Ipiaú cada um levava sua cesta ou então pagava um carrinho guiado por meninos.

 

Nas décadas de 50/60 a carne do açougue era embrulhada em jornal. As compras no armazém eram enroladas naquele papel grosso, cinza, e passavam o barbante. Meu pai Waldemar tinha a Padaria Minerva, em Ipiaú, e convocava meu irmão Luiz, toda sexta à noite, para fazer os pacotes de 250 gramas de feijão, arroz, café e açúcar, porque sábado era dia de feira. Antigamente, se vendia meio quilo ou duzentos-e-cinquenta de vários produtos. Isso devia voltar. Quem mora sozinho não precisa comprar, por exemplo, um quilo de sal nem de açúcar.

A embalagem com papel bolha é boa pra pocar as bolhas, uma por uma. Ninguém resiste. A caixa de sapatos era um trambolho, mas mamãe Cleonice usava pra guardar as bolas da árvore de Natal.

Depois que morre, a gente é empacotado.

(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)

 

 

UM ACERVO ARTÍSTICO CULTURAL E SUA HISTÓRIA DE LUTA PELA PRESERVAÇÃO

Há mais de 30 anos, desde quando aqui cheguei em Vitória da Conquista, venho construindo, aos poucos, um acervo cultural que hoje contém cerca de sete mil itens entre livros, artesanatos, vinis, revistas em geral, recortes de jornais antigos, CDs. DVDs, quadros fotográficos autorais, outros objetos de valor e uma coleção em torno de 200 chapéus.

No decorrer deste tempo, o acervo passou a se chamar de Espaço Cultural a Estrada e já sofreu quatro mudanças, sendo a última do Bairro Felícia para o loteamento Sobradinho (Zabelê). Entre essas mudanças perdi alguns materiais, mas, os mais valorosos ficaram em minhas lembranças que foram umas gramáticas e dicionários raros de latim e grego.

Em todas as mudanças é sempre normal que alguma coisa se quebre pelo caminho. Este acervo foi crescendo e tomando dimensões que nem eu mesmo esperava e, consequentemente, os problemas foram aumentando no sentido da responsabilidade pela sua preservação para que fique para outras gerações.

A última mudança foi realizada com muito sacrifício e luta. No entanto, o mais grave estava por vir e confesso ter ficado muito abalado porque ele já faz parte da minha vida, como se fosse um filho, e de tantas outras pessoas amigas frequentadoras deste espaço através do Sarau A Estrada, que completou quinze anos de existência.

Em razão de um telhado mal feito, sem o devido caimento, por um “mestre de obra” de nome Luciano Gomes, as águas da chuva do último domingo (dia 19/10/2025) e as outras que vieram em sequência na segunda-feira penetraram entre as telhas como cachoeiras. A cena era de total alagamento.

O desespero não poderia ter sido maior e imaginei naquele momento que tudo estaria perdido, mas não existia outra opção a não ser lutar até o fim para salvar o nosso acervo que, há muitos anos, não mais pertence a mim. É como uma obra de arte que se torna pública e de pertencimento coletivo. É um acervo de todos nós.

Foi nessa hora de agonia que eu e minha esposa juntamos forças e coragem para arrastarmos com rodo, baldes e outros utensílios as águas que não paravam de cair. Tudo estava prestes a alagar, mas conseguimos conter e evitar que tudo fosse por “água abaixo”. As nossas lentes registraram a situação.

Nos momentos de maior perigo, nossas forças humanas de preservação duplicam e triplicam. Se lá atrás, em maio, sua mudança foi complicada, o inesperado superou e, depois do cansaço, bateu o dilema da reconstrução da parte física para asseguráramos a integridade deste patrimônio cultural.

Foi aí que entrou o grupo de estradeiros do Sarau a Estrada que nos deu ânimo e nos encheu de esperanças para recomeçarmos. Antecipadamente, agradecemos a todos que, de forma voluntária e espontânea, estão chegando juntos através de suas contribuições.

Nossa gratidão é também extensiva aos que não puderam contribuir financeiramente, mas expressaram seus sentimentos com relação ao ocorrido e se uniram a todos nós com suas palavras de esperança de nunca desistir.

Este acervo tem outras histórias de lutas e união, bem como de resistência em defesa da nossa cultura que, infelizmente, foi abandonada nos últimos anos em Conquista. É um espaço onde tem o pedaço de cada um, sem nenhuma ajuda do poder público.

É aqui que debatemos diversos assuntos, trocamos conhecimento e saber, fazemos nossas cantorias, declamamos nossos poemas, contamos nossos causos, soltamos nossas vozes e nos confraternizamos. Tornou-se um espaço de visitação de jovens estudantes e estamos com o propósito de levarmos o sarau até às ruas, ou ao povo.

 





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