COISAS DO NOSSO NORDESTE DO SÉCULO XIX, EXTRAÍDAS DO LIVRO “OS CANGACEIROS”, De Luiz Bernardo Pericás.

Um “cabra” tarado praticou atos libidinosos e foi levado a julgamento.  O pronunciamento do promotor e a pena do juiz foram lastreadas com base nos Mandamentos do Antigo Testamento da Igreja Católica (Moisés) e até no Alcorão (Maomé) mulçumano. Imaginou essa prática nos tempos atuais? Com certeza, muita gente iria concordar nos tempos atuais.

Uma Sentença judicial do juiz municipal suplente em exercício, Manuel Fernandes dos Santos, para o juiz de Direito da Comarca de Porto da Folha (Sergipe), datada de 15 de outubro de 1833, é bastante curiosa pelos termos condenatórios a um indivíduo que praticou estupro contra uma mulher grávida.

Naqueles tempos, as palavras estupro e relações sexuais não eram usadas e tinham interpretações diferentes. Para os conceitos da época, o ato nem era caracterizado como estupro. O “meliante” não podia ver uma vizinha do outro lado que rufiava e pulava a cerca como touro bravo para cruzar na tora.

Na súmula, diz o juiz que comete pecado mortal o indivíduo que confessa em público suas patifarias e seus deboches e faz coças de suas vítimas desejando a mulher do próximo para com ela fazer suas chumbregâncias. Sua condenação final foi a de mandar CAPAR o “cabra”, capadura feita a MACETE. Nos dias de hoje pelo Código Civil, ou Penal, o ato é julgado como estupro, mesmo que não consumada a penetração carnal.

A representação do promotor foi contra o “cabra” Manuel Duda porque no dia 11 do mês de Nossa Senhora Sant´Ana, quando a mulher do Xico Bento ia para a fonte e o suspeito que estava perto de tocaia em uma moita de mato, saiu de supetão e fez a proposta à senhora por quem “roía brocha”, para coisa que não se pode fazer a lume. O “cabra” estava mesmo era doidão e ia esperar pelo escuro!

Como ela se recusou, o dito “cabra”, com ella, deitou-a no chão, deixando as encomendas della de fora e ao Deus dará e não conseguiu matrimônio porque ella gritou e veio em assucre della Nocreto Correia e Clemente Barbosa, que prenderam o sujeito em flagrante, na hora, naquele estado durão.

Pediu-se a condenação delle como incurso nas penas de tentativas de matrimônio proibido. Afirmou o promotor que a dita mulher estava peijada e, com o sucedido, deu à luz um menino macho que nasceu morto. Só no susto, matou o bebê no ventre da mulher.

As testemunhas bisparam a perversidade do “cabra”. Em suas considerações, o juiz descreveu que o “cabra” deitou a paciente no chão e quando ia começar suas conxambrancas, viu todas as encomendas della, que só o marido tinha o direito de ver, e mais ninguém. A paciente estava peijada e, em consequência do sucedido perdeu o filho. A morte do menino trouxe prejuízo na herança que poderia ter quando o pai delle  ou a mãe falecesse. E pobre nordestino naqueles tempos tinha alguma herança? Só dívida com o “coronel”.

Considero o “Cabra” que é um suplicante debochado que nunca soube respeitar as famílias de seus vizinhos, tanto que quis também fazer conxambranças   com a Quitéria e a Clarinha, que são moças donzelas e não conseguiu porque  ellas repugnaram e deram aviso à polícia. O cara já havia cometido outros delitos de estuprador em outros lugares.  Tinha uma extensa ficha corrida, do Ceará à Bahia.

O Manuel é um elemento perigoso e se não tiver uma causa que atalhe a perigança dele, amanhã está metendo medo até nos homens por via de suas patifarias que eram grandes por demais. Considero que o “cabra” está em pecado mortal porque nos Mandamentos da Igreja é proibido desejar a mulher do próximo. O bicho queria até homem.

Considero que sua majestade imperial e mundo inteiro precisam ficar livres do “cabra” Manuel Duda, para secula, seculorum  amem, por causa de seus deboches e servengonhesas. Elle é um sujeito sem vergonha que não nega suas conxambranças e ainda fez isnoga das encomendas de suas vítimas.

No final, o juiz condena o Duda pelo malefício que fez à mulher de Xico Bento a ser CAPADO,  capadura que deverá ser feita a MACETE. A execução da pena deverá ser feita na cadeia desta villa. Nomeio o carrasco e carcereiro. Feita a capação depois de 30 dias, o mesmo carcereiro solte o cujo “cabra” para que se vá em paz, claro, sem seus tentáculos exagerados.

“O nosso pior aconselha – Homini debochado deboxatus mulheroru, inovacabus est sententias quibus capare est mace macetorium carrascus sinefacto notre negare pete. Apelo ex-ofício desta sentença para o Dr, Juiz de Direito desta Comarca”.