CONVÉM NÃO MISTURAR
(Chico Ribeiro Neto)
Há alguns anos me contaram: “Tem lugar na Bahia em que entra um caminhão de cachaça e saem dois”.
O Brasil já registrou duas mortes pelo consumo de bebidas com metanol, além de 181 notificações, das quais 14 casos confirmados em laboratórios. Cachaça contaminada por metanol deixou 37 mortos na Bahia em 1999.
Adulterar, “batizar”, misturar, isso é coisa que, infelizmente, acontece em todo lugar do Brasil.
Quem nunca achou um caroço de milho ou uma pedrinha no feijão ou no arroz?
Conheço uma baiana de acarajé que deixou de comprar o saco de camarão seco com 10 quilos. “Vinha de tudo misturado. Pequenos búzios, sirizinhos e pedrinhas. Isso tudo junto dava quase meio quilo ou mais”.
Conheço um dono de padaria que uma vez comprou 10 latas de manteiga, cada uma com 10 quilos, por 300 reais. O vendedor trouxe uma lata aberta, de onde retirou manteiga de verdade, e o dono provou. O preço estava ótimo (na época, o quilo de manteiga custava 6 reais e para ele ia sair por 3) e ele deu logo o cheque.
No fim da tarde, abriu a primeira lata e tomou um susto: era batata batida. Abriu as outras 9 latas e só tinha “purê”. Tentou sustar o cheque, mas já tinham descontado. Na época, os malandros aplicaram o golpe em vários estabelecimentos comerciais da Vasco da Gama e do Nordeste de Amaralina.
No interior da Bahia era frequente se colocar água na cachaça vendida em barris, aquela pinga sem marca e que era chamada de “lava jega”. O que nunca me fez mal foi a cachaça com jiló da Barraca de Seu Izidro, em Salvador.
A tramóia parece que é mundial. Um grupo de pescadores nos Estados Unidos todo ano ganhava um torneio de pesca, até que um ano descobriram o golpe: eles enfiavam bolinhas de chumbo goela abaixo dos peixes para pesarem mais.
De volta ao Brasil, muitos postos de combustível vendem gasolina com um percentual de etanol acima do permitido. Aí o carro começa a falhar, surgem vários problemas no motor.
Confesso que eu também já misturei. Quando tinha uns 10 anos, eu e meu irmão Cleomar, então com 12 anos, colocamos uma rolimã no meio de um pacotão de jornais velhos e o vendemos para um açougueiro (a carne era embrulhada em jornal) na feira do Largo 2 de Julho. Ele pesou, pagou e a gente se picou.
Nem toda mistura é ruim. O molho da baiana melhorou o prato do Tio Sam. Tem coisa melhor do que misturar feijão com arroz e farinha?
Uma vez, o cronista Carlinhos Oliveira, do Jornal do Brasil, e Tom Jobim saíam de um bar às 5 da manhã, no Rio, e Carlinhos perguntou a Tom:
“Vamos tomar um táxi?”
“Convém não misturar”, respondeu o compositor.
(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)