:: 29/ago/2025 . 23:42
CABEÇAS DECEPADAS E DOIS “PARTIDOS” NORDESTINOS NA ÉPOCA DO CANGAÇO
A maioria das pessoas considera uma barbaridade a decapitação das cabeças de cangaceiros mortos pelas forças das volantes e tem suas razões, mas existem explicações.
Do outro lado, o cangaço, entre final do século XIX até 1940, fazia o mesmo com os chamados “macacos” e até esquartejavam impiedosamente. O cangaceiro Antônio Silvino tinha o prazer de sangrá-los depois de tombados em combate.
Sobre o assunto, veja o que nos diz o pesquisador e escritor Luiz Bernardo Pericás em sua obra “Os Cangaceiros”. Depois das lutas, o fardamento dos soldados das volantes (vestimentas parecidas a partir de 1925) ficam em péssimas condições, muitas esfarrapadas.
Quando ganhavam os embates, de acordo com Pericás, decepavam as cabeças dos rivais por eles assassinados. O autor do livro aponta três motivos para a decapitação do inimigo.
Um deles para demonstrar desprezo e, consequentemente, humilhar o rival. Se o cristianismo defende a inviolabilidade do corpo, a decapitação seria uma forma de tirar esse “privilégio” dos bandidos. Com a cabeça separada do tronco, sua alma estaria perdida. Essa seria uma forma estranha de punição. Exemplo claro foi o de Corisco, enterrado inteiro e depois exumado e decapitado. Para alguns, o ato teve como objetivo estudar seu crânio.
Luiz Pericás deixa claro que isso funcionava para os dois lados. Ao terminar o ataque a Betânia, os civis pediram a Lampião permissão para sepultar os soldados assassinados. O “governador do sertão” respondeu que “macaco” não se enterrava. Para ele, os policiais deveriam ficar por cima da terra para serem comidos pelos urubus. Depois de muita insistência, o cangaceiro deu permissão.
Antônio Silvino (1897-1914) havia feito o mesmo. Em 1904, após assassinar o sargento Manoel da Paz, proibiu que o povo de Mogeiro o enterrasse. Não poderiam colocá-lo num cemitério, já que seria uma profanação sepultar um “bandido” daquele tipo num lugar sagrado – disse Silvino.
O segundo motivo era de implicações mais práticas. Como era inviável o transporte de cadáveres e, considerando que era fundamental exibir as provas da eliminação de muitos cangaceiros procurados, o corte das cabeças se mostrava a melhor opção. A exposição em praça pública daria mais segurança para o povo de que aqueles indivíduos não seriam mais ameaças.
O último motivo é que as cabeças serviam como troféus macabros para os oficiais, que poderiam usá-las como símbolo de suas eficiências militares. Em última estancia, seriam estudadas por cientistas, antropólogos e criminalistas, e depois guardadas em museus.
Por outro lado, as cabeças terminaram virando moeda de troca com as autoridades. Qualquer bandido arrependido que entregasse a cabeça de um cangaceiro para a polícia teria seus crimes perdoados pelo governo e ainda ganharia prêmios e garantias de vida.
Com José Osório de Faria, o Zé Rufino, que alugou serviços às autoridades baianas, havia um acordo secreto com o governo. Cada cabeça era trocada por uma promoção. Após 16 combates e 22 decapitações ele se tornou coronel de polícia.
No começo do século XX, cidadãos comuns decapitavam cangaceiros para roubar seus pertences. O sujeito que não fosse sangrado e torturado poderia se considerar um privilegiado. Depois de capturar e interrogar “Lavandeira”, o tenente Alencar decidiu sangrar o bandido, mas atendendo a um pedido do soldado, deu um tiro na cabeça.
DOIS “PARTIDOS”
No final do século XIX e nas primeiras décadas do XX, o Nordeste, sem justiça, era uma terra de ninguém onde mandavam os coronéis, fazendeiros e senhores de engenho, se bem que os poderosos só mudaram de vestes e de lugar.
Os pobres e miseráveis ficavam numa linha de fogo cruzado e só tinham dois “partidos” para sobreviver, o do cangaço ou o da volante. Conforme relata Luiz Pericás, o governo contratava civis para as forças volantes.
“As tropas volantes, assim, se tornavam também uma forma de garantir um emprego e de ascensão social para muitos sertanejos. Outros se alistavam por terem recebido ameaças até mesmo de policiais e também para garantir sua segurança contra cangaceiros inimigos”.
A ideia de se perseguir desafetos que cometeram crimes contra suas famílias era um dos principais motivos de ingresso nas fileiras policiais. Pericás conta que um coiteiro de Lampião, Elias Marques, de Santa Brígida, depois de entrar em desavença com o “governador do sertão” ingressou na força policial.
Em alguns casos, quando o sertanejo não conseguia entrar nas volantes, caso do cangaceiro Tenente, decidia ingressar no grupo dos salteadores. “Fiapo”, depois de se desentender com Lampião, foi para a volante.
Quando “Volta Seca” foi capturado disse que nunca mais retornaria ao cangaço. Segundo ele, o jeito seria virar “macaco”. Também ocorria o inverso. Desertores da força pública se tornavam cangaceiros, como Ignácio Loyolla Medeiros, vulgo “Jurema”. Ficou na polícia até 1922 e depois se incorporou ao grupo de Lampião.
“Corisco” também foi militar, tendo servido no 28º Batalhão de Caçadores do Exército, em Aracaju-Sergipe. Após participar de uma rebelião, em 1924, desertou e mais tarde se tornou cangaceiro. O caso mais conhecido de um militar do exército brasileiro a se tornar um cangaceiro foi o de José Leite Santana, vulgo “Jararaca”, que chegou a lutar na revolta tenentista de São Paulo, em 1924, e também esteve no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro.
Um, dos filhos de Antônio Silvino se tornou oficial do exército. Certa vez Lampião disse que não havia nascido para a vida de cangaceiro. “Se não houvesse nêgo na polícia pra manobrar com a gente, eu ainda iria ser soldado”. Joca Bernardo, coiteiro de “Corisco” e delator do paradeiro de Lampião em Angico, recebeu a oferta de cinco contos de reais e uma patente de sargento. Foi enganado e caiu em desgraça.
- 1