O São João passou e, mais uma vez, ficou a sensação de que os maus espíritos se infiltraram pra valer no templo sagrado da nossa festa, para roubar nossas seculares tradições trazidas pela corte portuguesa que herdou símbolos do hemisfério norte e até mesmo dos povos egípcios.

Os maus espíritos são os “breganôjos” e outras introduções do capitalismo predador nas bebidas, comidas, vestimentas e nas danças, cujo sistema não tem nenhum escrúpulo de derrubar e desfigurar um patrimônio cultural. O pior é que a maior parte das prefeituras está contaminada.

Prefeitos, principalmente, com exceções de alguns mais lúcidos, são atraídos por esse falso brilho vendido por empresários que convencem a maioria do poder público de que é disso que o povo gosta e aplaude. Há também o lado corrupto do superfaturamento nos contratos. É uma tentação!

Acontece que muita gente já começa a apedrejar e a jogar latas nesses palcos de “artistas” eletrônicos do “tira o pé do chão”. É só zoeira! Os mais sensatos e conscientes do verdadeiro espírito histórico do São João, inclusive jovens, não estão nada satisfeitos com esses usurpadores das festas juninas.

Atitudes e leis severas precisam conter a invasão desses maus espíritos que, com suas artes nefastas e suas máscaras de fantasmas, levam de nós a alma da festa por dinheiro, não importando para a questão da preservação cultural. Infelizmente, ainda temos uma nação inculta que deixa se enganar pelos “safadões” do som e dos rebolados.

Bem, está dado o meu recado e o meu desabafo de protesto. Vamos agora ver um pouco das origens da nossa festa, de todas, a mais brasileira e nordestina. Segundo o analista cultural Anderson Rios, em comentário num jornal da capital, o São João é uma festa sincrética, pois admite a equivalência entre Xangô, orixá ligado ao fogo, e o santo cristão nos terreiros de candomblé da Bahia.

Mesmo proibido, o costume de soltar balões, entre cinco a sete, tem o sentido de avisar as pessoas sobre o início das comemorações, bem como de levar os pedidos para os santos até o céu. Nessa mesma época de junho, os nossos índios realizavam seus rituais para celebrar a agricultura. Com os jesuítas, as festas se fundiram e os pratos passaram a utilizar alimentos nativos, como a mandioca e o milho, segundo Anderson.

Na tradição popular e milenar, os fogos são para acordar São João, e as fogueiras visam espantar os maus espíritos. Portanto, para espantar os invasores do mal, temos que acender milhões de fogueiras. Como o mês é propício para a colheita, as comidas são derivadas do amendoim e do milho verde, substituídas nos tempos atuais pelos “cachorros quentes”, sanduiches e outras iguarias americanizadas dos Estados Unidos.

O tradicional casamento na roça que virou brincadeira, já foi pra valer nas localidades mais isoladas onde era difícil a presença dos sacerdotes. A cerimônia era realizada em volta da fogueira e tinha padrinhos de verdade. Quem não se lembra do pula-pula em torno das fogueiras junto com os pedidos de felicidade, saúde e amor!

A festa já foi muito forte no Brasil e se incorporou mais no Nordeste com as vestimentas de cangaceiros, quadrilhas e danças inspiradas da nobreza francesa. O forró passou a ser um destacado produto musical a partir dos sucessos de Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, agora vítimas da invasão dos bárbaros que estão impondo seus próprios deuses fajutos ao povo.

Na verdade, as festas juninas, de acordo com pesquisadores e estudiosos no assunto, são antigas e eram realizadas no solstício de verão (21 de junho) no hemisfério norte em comemoração às colheitas. Eram também organizadas por egípcios e outros povos. Com a expansão do Império Romano e a chegada do cristianismo, a Igreja Católica colocou seus santos no lugar das celebrações pagãs.

O agrônomo e escritor Luiz Ferreira da Silva diz que as festas juninas de hoje nada têm a ver com a essência do seu significado rural. Segundo ele, a festança tem uma conotação abrangente com o labor da terra, com o homem rural e com a produção agrícola. Em sincronia, nesse período São José ajuda com as chuvas, Santo Antônio com os casamentos, São João provem os alimentos e São Pedro protege as viúvas.

Com seu ritmo típico nordestino, a dança fala das coisas do sertão sob os acordes fantásticos da sanfona, da zabumba e do triângulo que não deixam ninguém parado. Agora, estes instrumentos estão seriamente ameaçados pelas guitarras e os rebolados dos bumbuns safados e exibicionistas, com músicas de mau gosto e péssimos cantores acompanhados de coreografias ridículas. Nada a ver com o forró autêntico pé de serra.

Enquanto lá do céu Luiz Gonzaga e Dominguinhos derramam suas lágrimas ao verem a descaracterização do São João, dizem os mais otimistas que os “safadões da vida” e os maus espíritos vão desaparecer na poeira. Será mesmo? Pode ser se cada vez mais levantarmos a bandeira em defesa da eternização dos versos: A fogueira tá queimando/Em homenagem a São João/O forró já começou/Vamos gente, rapapé neste salão. “Olha pro céu, meu amor”, e leve pra bem longe estes maus espíritos com seus sons e danças de horror.