Em tom bem-humorado e com uma linguagem coloquial, clara e simples, a escritora Angela Dutra de Menezes, autora dos romances “A Tecelã de Sonhos” e “Santa Sofia” resgata a epopeia portuguesa na navegação no livro “O Português Que Nos Pariu”, em edição de 2010 revista, atualizada e ampliada pela Editora Record.

A escritora enaltece o espírito aventureiro do português que com sua arte de navegar conquistou oceanos na procura de novos mercados, alimentos e ouro, visando a expansão da Coroa. A conquista de Ceuta, em 1415, foi o pontapé inicial. Depois veio Madeira e Açores. Tudo isso se deveu ao infante D. Henrique (1394-1460) que fundou a Escola de Sagres.

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No reinado de D. João II, o Injustiçado (1455 – 1495), após 53 anos de tentativas, Bartolomeu Dias dobrou o cabo da Boa Esperança. Foi D. João II quem dirigiu a política das navegações e assinou o Tratado de Tordesilhas. No seu reinado, ainda negociou com Cristóvão Colombo e organizou a expedição de Vasco da Gama, navegando até as Índias.

Quem aproveitou os frutos do trabalho de D. João II foi o venturoso D. Manuel a quem coube entregar a missão do “achado” do Brasil ao seu amigo de juventude, o fidalgo Pedro Alves Cabral, ou Gouveia, mesmo sem experiência náutica. Do rio Tejo ele partiu em 9 de março de 1500 com 1.200 homens e 13 embarcações com destino a Calecute, Índia. Na verdade era a Vasco da Gama a quem o rei pretendia entregar a esquadra.

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A obra é cheia de curiosidades e revelações de fatos históricos que se tornaram mitos como a tradução sobre as cores da bandeira nacional brasileira que o amarelo representa o ouro das nossas terras e o verde as florestas. Na verdade, o verde é a cor dos Bragança, dinastia quer nasceu na batalha de Aljubarrota e reinou no Brasil até 1889. O amarelo da família real dos Habsburgo, da qual pertencia dona Leopoldina, primeira mulher de D. Pedro I.

A escritora engrandece os feitos portugueses, principalmente entre final dos séculos XV e início do XVI, inclusive com o “achamento” do Brasil há 516 anos. Para ela, Cristóvão Colombo chegou à América graças a Portugal que entregou o quadrante, o astrolábio e os mapas com os conhecimentos náuticos, desde 1200.

Angela Dutra, com sua forma lúdica de contar a história, destrincha a origem lusa no capítulo “Receita de Português”, uma mistura de homens pré-históricos do vale do Tejo e do Sado, de povos indígenas, celtas, romanos, bárbaros, mouros (tribos islamizadas do Marrocos e da Mauritânia) e uma boa talagada de árabes.

Na receita, ela ensina que depois de bater tudo isso a massa revelará um povo urbano, meio escravo e meio livre que falava latim vulgar e sofisticou o comércio e a agricultura. Com o tempo, o português “desbravou mares, conquistou continentes, tornou-se dono do mundo. Pena que por pouco tempo… O português foi gênio na política da miscigenação por ordem do El Rey D. Manuel, que mandou misturar, apesar de ter sido também arquiteto da segregação”.

Antes de 1200, com a esperteza do infante Afonso Henriques, filho de Henrique de Borgonha com dona Teresa, bastarda do rei Afonso VI de Leão e Castela, Portugal foi a primeira nação europeia a se estabelecer como Estado independente, com direito a falar o galaico-português. A partir do Condado Portucalense, herança dos seus pais dada por Afonso VI como dote de casamento, Henriques unificou e fundou o reino.

Depois de intrigas e atrapalhadas da mãe com a Igreja Católica, Afonso Henriques, aos 13 anos se sagrou cavaleiro na catedral de Zamora colocando sua própria coroa na cabeça, num gesto feito 600 anos depois por Napoleão. Nas disputas das fronteiras com os primos Afonso VII e Fernando II, seus maiores inimigos foram os mouros.

Na batalha de Ourique, em 25 de julho de 1139, contra um exército mouro bem maior, o infante sagrou-se vitorioso. Fala-se dos cinco reis mouros degolados. Até hoje, o 25 de julho é dedicado a Santiago, o mata-mouros, santo que não abandonava cristão em perigo. A partir daí, o infante passou a se intitular “rei dos portugueses”.

Mesmo diante de todas suas façanhas, somente em 1179 a Igreja de Roma veio a reconhecer a realeza de Afonso Henriques, quando Portugal já havia consumado sua soberania e independência com ampliação do seu território (Lisboa em 1147, Santarém, Almada, Óbidos, Cozimbra). Nas suas conquistas, praticou táticas de guerrilha, contratou mercenários (Cruzados a caminho da Terra Santa) e adotou a política de terra arrasada.

 

O fundador de Portugal morreu em 6 de dezembro de 1185, em Coimbra. De acordo com seu testamento, até na morte se comportou como um estadista. Destinou tudo que tinha de fortuna para o fortalecimento da nação e até os mais pobres receberam seu quinhão.

Tudo isso é narrado pela escritora que transita pelos costumes islâmicos na península ibérica, os quais, como enfatiza, passaram ao longo dos tempos aos portugueses, como a prática da degola. Aí, ela cita passagens do Alcorão destinadas aos combatentes do Jihad “(…) quando, no campo de batalha, enfrentardes os que descreem, golpeai-os no pescoço (Surra 47, versículo 4). Na reconquista, os mouros acreditavam travar uma Guerra Santa.

A herança moura se repetiu no Brasil, segundo Angela. “Cortamos gargantas nas guerras de Independência no Contestado, Canudos, na Revolução Federalista, no Rio Grande do Sul. Lampião também degolava os soldados”.

Com a inquisição instituída, em 1231, pelo papa Gregório IX, a Península naufragou em sangue. As guerras pela reconquista, como a de Alcácer, deixaram um rastro de carnificina de ambos os lados, principalmente com a entrada dos guerreiros templários.

No capítulo “Nossos Mestres Desconhecidos”, Angela Dutra destaca que os islâmicos foram chutados a pontapés para fora de Portugal e Espanha. Os judeus sefarditas (judeus ibéricos) foram batizados à força com o nome de cristãos-novos. Para aqui vieram a banda podre da sociedade portuguesa. Pencas de marginais desembarcaram na nova colônia chamada Brasil.

“Entre 1501 e 1516 a recém descoberta Terra de Santa Cruz estava arrendada a um grupo de cristãos-novos liderados por Fernão de Noronha, exatamente o cidadão que batizou o arquipélago”. Bento Teixeira, cristão-novo, nascido em Portugal, autor de Prosopopeia (1601), considerado o primeiro poeta brasileiro, foi preso durante a primeira visitação do Santo Ofício, em 1589, sob acusação de práticas judaizantes. Padre Antônio Vieira e Caramuru também eram cristãos-novos, conforme figura a autora em seu trabalho.

Em 1506 ocorreu o pogrom de Lisboa. Em 1536 o reino oficializou a inquisição e aí houve uma debandada dos cristãos-novos para as colônias. Relata Angela em sua obra que os judeus ibéricos marcaram o caráter luso-brasileiro e que os movimentos aqui em nossa terra tomaram rumos messiânicos com o Sebastianismo.

A escritora nos ensina que os islâmicos que conquistaram a Península Ibérica, em 711, nada ficam a dever aos judeus em termos de influência do caráter português. O Alcorão recomenda que “nunca digas de coisa alguma, sim, farei amanhã sem acrescentar, se Deus quiser. Repetimos a frase, desconhecendo se tratar de uma ordem do Islã”.

Entre tantas outras influências, as palavras iniciadas por Al e El são vocábulos árabes. Deram-nos ainda a introdução do açúcar de cana e do arroz, as técnicas de irrigação, a arte da azulejaria, o machismo e o pensamento helênico (Escola do Toledo). Os mouros dominaram Portugal por cinco séculos. A Igreja Católica salvou nossa língua, estimulando os moçárabes – cristão fingindo-se de islâmicos – a falarem o idioma português.

Sobre a última “Flor do Lácio”, a escritora destaca que o berço do português foi a região entre a Galícia, o Minho e o Douro, local onde o latim transmutou-se em galaico-português. Ao se referir sobre  Os Lusíadas, de Luiz Vaz de Camões, assinala que a obra sinalizou o enterro do português arcaico e o estabelecimento do moderno.

De lá herdamos também a malandragem, o jeitinho brasileiro, o nepotismo e até a prática do jabá. O fino da nobreza era não trabalhar e apoiar politica e militarmente o soberano. “Durante muitos séculos, a elite brasileira primou pelo conforto de se espreguiçar na rede.”

“O Português Que Nos Pariu”, com linguagem dinâmica, deve ser lido por todos interessados pelas nossas origens, mas principalmente por estudantes, pesquisadores e professores. No decorrer da sua obra, Angela Dutra escreve sobre outros variados temas, como a cruz que abençoou as navegações, a Ordem Templária, a ideologia da miscigenação, a batalha de Aljubarrota (1385) que fundou as dinastias Avis e Bragança, a família Habsburgo e dos Bourbons, Filipe II que devolveu Portugal aos portugueses em 1640, o domínio espanhol, o Sebastianismo, a batalha Alcácer-Quibir que aumentou o Brasil, a Inquisição Portuguesa, os tratados econômicos e o Governo de Pombal que expulsou os jesuítas.

Como não poderiam ficar de fora, a autora conclui seu livro falando dos defeitos e virtudes de D. João VI e da sua destrambelhada infanta de Espanha, Carlota Joaquina. Vale a pena ler esta obra, bem apimentada e temperada com deliciosas especiarias de humor e sarcasmo, trazidas dos mouros, das Índias, do Açores, do Douro e da Madeira.