SOB OS OLHOS DO MUNDO
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Itamar indica artigo de Orlando Senna:
A estarrecedora votação na Câmara dos Deputados no dia 17 de abril, para autorizar o Senado a prosseguir com o processo de impeachment contra a presidente Dilma, chocou a grande massa de brasileiros que assistiu àquele teatro dos horrores por tv e internet. Todos os deputados se pronunciaram e pela primeira vez os brasileiros viram a baixa qualidade humana dos representantes parlamentares que elegeram, ouviram as palavras vazias e o elogio à tortura, os gestos beirando a obscenidade, os gritos descontrolados, caras e bocas em esgares alucinados. O mundo também viu, nas tvs de vários países, alguns “melhores momentos” da feiura daquele espetáculo. Ou leram nos jornais relatos sobre aquele triste retrato do Congresso de um dos maiores países do planeta.
Dias depois, ao ser anunciado o discurso de Dilma na Assembleia Geral da ONU, ministros do Supremo Tribunal Federal sairam a campo para dizer ao povo que o impeachment é legal e que era “estranho” a presidente ir ao exterior dizer que se trata de um golpe de estado. Os magistrados, em uma precipitação que nada tem a ver com o papel da magistratura, criticaram uma ação que deveria acontecer no futuro. Usaram uma bola de cristal certamente com defeito: a presidente não se referiu ao assunto em seu discurso. Foi a vez do Poder Judiciário mostrar ao mundo uma surpreendente insensatez. Logo o Poder Judiciário, que no início da crise, ao mandar políticos e empresários corruptos para a cadeia, injetava alguma alegria e confiança nos corações brasileiros, uma compensação às agruras geradas pelos outros poderes, o tragicômico Legislativo e o enfraquecido Executivo.
O Judiciário apadrinha o processo de impeachment, apesar da inexistência de um crime de responsabilidade que justifique essa medida extrema da jurisdição republicana presidencialista. O Judiciário não dá andamento a um processo em que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, é réu, acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro (outros três processos contra Cunha correm no STF). O comportamento do STF gerou uma situação em que um réu da Justiça, acusado de crimes graves, estará na linha direta da sucessão se a presidente perder o mandato e o vice-presidente Michel Temer assumir o poder. Se Temer viajar ou adoecer, assume Cunha. Um bandidaço no Palácio do Planalto.
Geopolítica
O mundo está sabendo de tudo isso, dessa lambança política do Brasil, dessa distonia dos poderes e da dissonância entre eles, e não adianta tentar tapar o Sol com uma peneira. Exatamente porque se trata de Brasil, líder da América Latina, uma das dez maiores economias do mundo, um dos maiores emergentes do século XXI. E também um ícone da alegria de viver. Uma debacle do Brasil significaria a ruína do Mercosul e da Unasul-União das Nações Sul-americanas e um recuo geral das políticas de inclusão social que estão sendo operadas pelos países latino-americanos.
Apesar do esforço da oposição para convencer ao mundo que a democracia brasileira vai bem, o que as pessoas pensam mundo a fora é que está acontecendo no Brasil um golpe parlamentar, ou golpe branco, no mesmo estilo do que aconteceu em Honduras em 2009 e no Paraguai em 2012. No que concordam com a OEA-Organização dos Estados Americanos, que afirmou não existir “fundamento jurídico” para o impeachment (21 de março).
Só que é enorme a diferença entre os pequenos Paraguai e Honduras e o gigante sul-americano no que se refere a tudo, incluindo a incidência internacional. Por exemplo, muitos analistas acreditam que os EUA têm interesse na substituição do governo brasileiro, na esperança de que outras forças políticas governando o Brasil possam mudar o posicionamento do País no que se refere aos Brics, o grupo de cooperação política e econômica formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Os EUA não querem a consolidação desse grupo, com potencial mercadológico e industrial maior do que os EUA e a União Europeia.
Os Cinco Grandes
Com o Brasil em crise profunda, os Brics se fizeram ouvir através de um comunicado da chancelaria russa, do dia 19 de abril, destacando a ligação com o Brasil “por laços de parceria estratégica, de cooperação em várias plataformas”, mencionando os Brics e encerrando com a frase “que os problemas que possam surgir neste período complexo para nosso parceiro sejam solucionados no âmbito do Direito Constitucional, sem intervenções externas”. O recado era para Obama, que até o momento não se pronunciou sobre a situação.
Nos últimos dois anos, após a fundação do Novo Banco de Desenvolvimento dos Brics, em 2014, as tentativas de isolamento da China e da Rússia por parte dos EUA são notáveis e a crise brasileira é uma oportunidade para reforçar o ataque de Washington contra o projeto Brics, também conhecido como os Cinco Grandes. Para o Brasil do futuro, ser Brics é vital, é ser um dos protagonistas de um possível novo desenho geopolítico mundial.
Em suma, qualquer movimento drástico na política e/ou na economia brasileiras reverbera no cenário planetário, incide diretamente na América Latina, põe a União Europeia de orelha em pé, facilita os esforços dos EUA para desmembrar os Brics. E a opinião pública fora do Brasil? Se tivermos como padrão as redes sociais e uma caminhada pelas ruas de Montevidéu ou Paris, a resposta é que um golpe está em andamento no país de Lula.
A referência Lula continua viva em toda parte, a maioria das pessoas que se interessam pela crise brasileira em outros países começaram esse interesse quando Lula foi alvo de condução coercitiva para depor sobre a operação Lava Jato em uma sala do aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Lula não é um herói social apenas no Brasil, é no mundo todo. Por falar em liderança, outro aspecto complicador da crise brasileira é a inexistência de líderes, com exceção do citado Lula. Que tipo de gente nos governará até que cheguemos, em algum momento ainda incerto, às urnas? Triste Brasil, tão dessemelhante.
Por Orlando Senna