AS FACES DAS DESIGUALDADES
O Brasil é o país visceralmente desigual, de uma humilhação de doer até mesmo ao mais empedernido coração. Duas cenas mais recentes, em Vitória da Conquista, só para localizar a situação que é geral em todo território brasileiro, nos dão a dimensão da total exclusão social.
Nesta semana transitava numa das ruas do centro da cidade e vi idosos, gestantes, senhoras e senhores bem vestidos com suas crianças entrando calmamente numa clínica particular de vacinação. Muitos por ali ainda estavam estacionando seus carros de luxo com o mesmo intuito de tomar a vacina paga contra a gripe H1N1.
No outro quarteirão, numa distância de 300 a 500 metros, passei por uma unidade de saúde pública onde mulheres grávidas, crianças e idosos, estes com aparências de 70 a 80 anos se espremiam em longas filas na porta principal da entrada para receber a mesma vacina que, para os pobres coitados sem dinheiro, chega em lotes racionados.
A aberração mais gritante e doída desta cena do centro do SUS é a humilhação em que grande parte dos brasileiros é submetida para conseguir a esmola de um pedaço de pão do Bolsa Família, um remédio, uma consulta médica, um documento, uma matrícula escolar, um título obrigatório de eleitor para votar nos mesmos ou um serviço social qualquer do governo.
Saindo de longe, muitos chegam um dia antes, no meio da noite ou na madrugada e “dormem” no chão dos locais de atendimento. Como as senhas são regradas e o serviço de péssima qualidade, boa parte retorna para suas casas sem nada resolvido e começa a mesma peregrinação no outro dia, como na mitologia grega onde Sisífio é condenado a passar a vida rolando uma pedra morro acima.
Nas filas humilhantes, degradantes e medievais, batem o cansaço, a sede e a e a fome, mas ainda assim sobra tempo para rezar. Muitos choram e outros brigam com seus semelhantes para pegar uma senha numerada que tem limite. Quase sempre a polícia armada é acionada pelo próprio poder público para bater e controlar a confusão. Na ânsia de ser atendido, o próprio pobre desassistido se vira contra o outro para obter o benefício.
De tanto tempo de espera, a maioria dos idosos não consegue ficar em pé, mas ninguém ali desiste de ir até o fim, mesmo com tamanha humilhação. Depois de luta e sacrifício, as pessoas, movidas pela fé e pela esperança, saem daquele ambiente infernal com as mãos postas para o alto agradecendo a Deus por ter conseguido chegar lá, prontas para enfrentar outra ação humilhante imposta pelos governantes.