Albán González – jornalistaUma indústria bem administrada, alimentada por empresários, cervejarias, instituições financeiras, políticos, poder público, artistas, compositores e, naturalmente, carnavalescos, descobriu no começo dos anos 90, com a criação do circuito Dodô (Barra-Ondina), que poderia ganhar muito dinheiro com o que eles chamam de “maior festa do planeta”. E pensaram em oferecer, não somente no período dedicado a Momo, mas em todos os 365 dias do ano, um show mambembe, com música de péssima qualidade e apelativa, a uma minoria da população de Salvador e a grupos de turistas mochileiros.

Não há um só dia em Salvador, a cidade mais festeira do Brasil, que não haja uma apresentação de shows, que levam os mais variados nomes, como ensaios, saraus, bênçãos, bailes, marchas com Jesus e desfiles de segmentos da sociedade que se acham discriminados. Com exceção dos artistas que já estão na estrada há muito tempo, diariamente surge uma nova banda de axé, pagode, falso sertanejo ou funk, lançando no cenário musical dezenas de carreiristas. Alguns deles, envolvidos com drogas, têm sido impedidos pelos órgãos de fiscalização do cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, de se apresentarem em festinhas infantis.

O que não falta é patrocínio para manter de pé a lona do “circo”. Se o apoio vem do campo empresarial, o cidadão que zela pela cultura desta terra só tem a lamentar. Mas, quando a ajuda vem de órgãos e empresas públicos, como estamos assistindo nos festejos momescos de um ano eleitoral, o sentimento é de revolta. Por que blocos, vocalistas, trios elétricos e camarotes têm que ser subvencionadas por instituições governamentais?

Há poucos dias, o médico Djalma Duarte divulgou nas redes sociais carta aberta ao governador baiano Ruy Costa, condenando o descaso com o Hospital Geral do Estado, onde há falta de profissionais e de equipamentos cirúrgicos, mostrando que os R$ 840 mil que serão pagos pelo governo aos cantores Bel Marques e Ivete Sangalo, nas apresentações para os foliões “pipocas”, dariam para contratar um plantonista por 20 anos. O dr. Costa desabafou depois de ter dado um plantão de 12 horas no HGE, ao lado de um colega e de seis enfermeiros, cuidando de dezenas de pacientes entre a vida e a morte, enquanto políticos em véspera de eleições e foliões desfilavam na Lavagem do Bonfim.

Esta semana os jornais noticiaram que a prefeitura de Salvador gastará R$ 15 milhões com o Carnaval, independente do patrocínio de uma cervejaria e de um banco; que a Caixa Econômica Federal distribuirá R$ 900 mil entre os blocos Ilê Aiyê, Filhos de Gandhi e Timbalada. No meu tempo de folião – não se trata de saudosismo – as entidades carnavalescas se mantinham com as mensalidades dos seus sócios – “Os Internacionais” chegou a ter uma sede própria na Mouraria, aberta durante todo o ano, – e disputava com “Os Corujas” uma espécie de Ba-VI no circuito Campo Grande – Praça da Sé.

Como escrevi acima, o surgimento dos negociantes de abadás e dos proprietários de camarotes , os autênticos foliões rasgaram suas fantasias. A propósito, por anda Rubens Carvalho, o Rubinho dos Carnavais, fundador, com outros jovens do bairro de Santo Antônio Além do Carmo, dos blocos “Fantasmas”, “Os Internacionais” e “Os Corujas”,pioneiros do verdadeiro carnaval de rua baiano.Estou tomando conhecimento da volta dos blocos de rua no Rio e São Paulo, sem cordas, sem violência nem vandalismo, onde se brinca “com dinheiro ou sem dinheiro”, entoando marchinhas do passado. Creio que é mais uma preocupação para os donos da festa baiana, que este ano lamentam a queda nas vendas de abadás e ingressos para os camarotes, dos aluguéis de apartamentos e das reservas em hotéis.

No mais, sugiro a quem vai ficar diante da televisão, assistir a passagem da Mangueira na Sapucaí, apresentando o tema “Maria Bethânia, a menina dos olhos de Oyá”