:: fev/2016
O EX-HIPPIE QUE ELEGEU LULA E DILMA
Albán González – jornalista
Era uma manhã ensolarada do começo de julho de 1980. Salvador estava em ebulição com a chegada do papa João Paulo II, que cumpriria naquele dia na Cidade Baixa uma visita à basílica do Bonfim, inauguração de uma capela nos Alagados e um encontro com a Irmã Dulce, em Roma. Sob forte vigilância das forças de segurança – o país vivia os últimos anos da ditadura militar, sob a presidência do general João Batista Figueiredo –, um grupo de jornalistas aguardava debaixo de um sol escaldante, no pátio do II Distrito Naval, na praça Cairu, a chegada do helicóptero conduzindo o sumo pontífice, que dali iria dar continuidade a sua programação religiosa.
Espremido entre os colegas, no interior de um cercado, com bloco de papel e caneta nas mãos – a tecnologia da comunicação não era nem sonho -, o periodista autor destas linhas fazia a cobertura para o jornal “O Estado de S. Paulo” e para um semanário da Galícia, na Espanha. O helicóptero já estava sobrevoando a praça quando uma figura vestindo um terno espalhafatoso, cujas peças sobravam no seu corpo magro, acabava de atravessar o portão da unidade militar. Todos os olhares se voltaram para aquela miniatura do Falcão (cantor brega, cearense, de dois metros de altura).
– É o Patinhas, reconheceu um dos jornalistas.
Mais tarde voltei a ter notícias do Patinhas, que ainda não era chamado de João Santana, considerado atualmente como um dos 60 homens mais influentes do Brasil, eleitor de seis presidentes e objeto da Operação Acarajé, braço da Lava Jato da Polícia Federal. Antes de ingressar no jornalismo o baiano de Tucano, a 252 kms. de Salvador, onde nasceu em 5 de janeiro de 1953, adotou a filosofia hippie. Cabelo black power, foi membro da guerrilha cultural, participou da Tropicália, ao lado de Caetano Veloso e Gilberto Gil, criou o grupo musical Bendegó, curtiu Waldick Soriano (“Eu não sou cachorro não”), fumou maconha e adotou como guru espiritual ao professor e inventor de instrumentos musicais, o suíço-baiano Walter Smetak (1927-1990).
Apelido recebido no Colégio Marista, de Salvador, por zelar com rigor pelas finanças do grêmio estudantil, Patinhas, na década de 80, mudou de postura, enveredando pelo jornalismo. Passou pelo “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “IstoÉ” e Veja; em 1992 ganhou o Prêmio Esso, com a reportagem “Eriberto: Testemunha Chave”, uma das peças do processo que derrubou Fernando Collor da Presidência da República. O tio sovina do Pato Donald, personagem de Walt Disney, está proibido hoje de ser mencionado diante do todo poderoso João Santana.
Responsável pelas eleições de Lula, Dilma e dos últimos presidentes de Angola, El Salvador, República Dominicana e Venezuela, Santana encontrou neste século a chave do cofre do seu ex-companheiro Patinhas. Ao lado da jornalista baiana Mônica Moura, sua sétima mulher, adquiriu carros importados e antigos de luxo, viaja constantemente para Nova Iorque e Paris, suas cidades prediletas, frequenta restaurantes de luxo, tem apartamentos e mansões. Tudo isso, como ele garante, adquirido com dinheiro de campanhas políticas.
PONTO DE VISTA “AESTRADA”
NOS MATAGAIS DA CIDADE
Nos tempos do domínio do aedes aegypti o que mais se vê em Vitória da Conquista, principalmente nos bairros fora do centro, são os matagais nos terrenos vazios e “abandonados”. A Prefeitura Municipal não faz valer a lei do uso do solo (cadê o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano?) para obrigar que os donos cerquem e conservem seus lotes.
Nos terrenos há de tudo, desde mosquitos, escorpiões, ratos, baratas, cobras, insetos de várias espécies e muita doença, sem contar que servem de esconderijos para marginais. O matagal invade as calçadas e as pessoas têm que passar pelas ruas. O bairro Jardim Guanabara, onde resido, é um típico exemplo e o poder público nada faz para exigir que os especuladores de terrenos limpem sempre as sujeiras.
Nas praças públicas, o mato também está tomando conta. Se o executivo não dá o exemplo, fica difícil fazer um ordenamento. Se os vereadores, que só estão preocupados com seus “rebanhos” eleitorais, não denunciam, a quem apelar? A impressão que temos é que está tudo cooptado. Precisamos de uma comissão comunitária livre e independente para lutar pela transparência e bem-estar das pessoas.
PRESÍDIOS SUPERLOTADOS
Dizem que a Defensoria Pública está trabalhando em uma força tarefa para minimizar a superlotação nos presídios e cadeias. Em Vitória da Conquista, por exemplo, a situação é caótica e olha que há um ano existe uma unidade pronta com capacidade para 533 homens e 286 mulheres. O complexo, como nas outras cidades baianas, depende do processo licitatório para escolha das empresas que farão a cogestão. É bom lembrar que depois de selecionar, a empresa tem 60 dias para iniciar o trabalho. É a Bahia, gente!
Em Itabuna, o conjunto penal tem capacidade para abrigar 574 pessoas, mas está com 1.400 detentos. O local tem sido palco de rebeliões, fugas e mortes. Enquanto os presídios estão superlotados, o estado está com vários espaços prontos sem serem utilizados, como o de Barreiras com capacidade para 533 presos. O Conjunto Penal de Jequié também está superlotado porque o presídio de Conquista não está funcionando. O atual é uma cadeia medieval com mais de mil pessoas onde só cabe 416. No Brasil são 600 mil amontoados em verdadeiras pocilgas.
UMA CIDADE FANTASMA
Lixo em pleno centro da cidade ao lado do mar
Do seu esplendor em 1823 quando reuniu tropas para lutar contra os portugueses, até o final do século 20 quando fervilhava de turistas do Brasil e do mundo, Itaparica, do escritor João Ubaldo Ribeiro, de “Viva o Povo Brasileiro” se tornou numa cidade fantasma com casarões fechados e ruas abandonadas com lixo em vários pontos. Por todo lado, percebe-se sua decadência com poucos visitantes nas praias e alguns bares e restaurantes abertos.
Na década de 70 e 80 ainda conheci esta Itaparica de muitos barcos e navios chegando na “Marina,” hoje somente algumas colunas de concreto e armações enferrujadas no mar. Curti com amigos e a família bons finais de semana naquele outro lado prazeroso da ilha que atraia centenas e milhares de turistas. Depois de mais de 30 anos voltei ao local no último final de semana e confesso que fiquei decepcionado com a situação.
Contada e decantada por João Ubaldo, é até compreensível que o filho ilustre preferisse seu sossego, tanto que estava sempre lá durante suas férias de janeiro e continuasse do Rio de Janeiro citando em suas crônicas dominicais do jornal A Tarde as histórias de seus amigos, como a do Zeca Comunista. No entanto, não se pode negar seu abandono pelo poder público, com o fechamento de residências e casas comerciais.
Mesmo assim, ainda continua todo imponente e charmoso o Grande Hotel Itaparica, atualmente pertencente ao Sesc, onde foi realizado de 19 a 21 de fevereiro, o encontro de ex-seminaristas, com as presenças do presidente da Fecomércio (Federação do Comércio da Bahia), Carlos Souza Andrade, seu chefe de gabinete José Humberto, bispo João Nilton, José Ribeiro Rosário, Fernando Sandes e muitos outros ilustres colegas de jornada na década de 60 no Seminário Nossa Senhora do Bom Conselho, em Amargosa.
Foram dias memoráveis de um bom papo, uma boa conversa e debates sobre a vida em geral. Muita filosofia, causos e testemunhos de cada um comprovaram, mais uma vez, que a formação do seminário deixou marcas positivas de que valeu a pena o tempo de convívio naquele ambiente de estudos e trabalho.
Foi como entrar no túnel do tempo e recordar o passado cheio de magias numa época de quebra de paradigmas e despertar para uma vida de mais conhecimento rumo à liberdade individual e coletiva. No meu caso, voltar a Itaparica foi também entrar no túnel do tempo, só que não é a mesma cidade entusiástica como era há mais de 30 anos. Aproveitei para dar um dedo de prosa com muitos moradores que concordaram com minha impressão e colocaram a culpa pela decadência no poder público que não tem dado a devida atenção que a cidade merece.
É uma pena que a histórica Itaparica, da heroína Maria Felipa, tenha se transformado numa cidade fantasma. O que mais vi foram ruas sujas, calçadas quebradas e quase ninguém para passar uma informação. A visão que se tem é de uma cidade que teve seu auge e agora está vivendo seus últimos momentos. Alguns pontos turísticos ainda estão lá como a Fonte da Bica de água jorrando nas torneiras, o Centro Cultural e o Mercado.
ESTÃO QUERENDO ACABAR COM O AUDIOVISUAL
Blog Refletor TAL-Televisión América Latina
Itamar Aguiar indica
Orlando Senna
A partir de 2003, com a consolidação da agência reguladora e fiscalizadora Ancine, a instituição da Condecine, tributos cobrados na própria atividade e investidos nela, e a criação de um Fundo Setorial, um projeto estatal inteligente e inédito ancorou o forte crescimento do audiovisual brasileiro, levando o Brasil a ser o décimo mercado audiovisual do mundo. Essa política pública, escalonada, gradual, tem como meta estabelecer o País como quinto mercado mundial até a próxima década. A última ação regulatória de peso, a lei da tv por assinatura, com quatro anos de vigência já provocou o aumento da produção em mais de 100%. Outro bom exemplo é o cinema: são poucos, bem poucos, os países que conseguem ter 18% da bilheteria nacional para seus próprios filmes como acontece no Brasil.
A Condecine-Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional incide sobre todos os segmentos industriais, comerciais e tecnológicos da atividade, gerando a maior parte dos recursos necessários. Ou seja, os recursos vêm da própria atividade. Ao contrário da tendência geral de queda de outras grandes atividades econômicas, o audiovisual cresce, seu peso na economia já é maior do que o da indústria farmacêutica. Sua condição autoalimentadora blinda o audiovisual contra a crise econômica e política que o Brasil está enfrentando.
Ou blindava. Este mês as empresas de telecomunicações, conhecidas como teles, impetraram um mandado de segurança contra a Condecine. O argumento é que não fazem parte da cadeia produtiva do audiovisual, apesar da telefonia prestar serviços de distribuição e recepção de conteúdos audiovisuais. Na verdade se trata de mais um ataque do capital internacionalizado à soberania brasileira e à sua autonomia legislativa. Quando falamos em atividade audiovisual não nos referimos apenas (e esse apenas é uma figura de linguagem conhecida como ironia) à enorme importância cultural do cinema, tv, vídeo, videogame e toda a gama das artes audiovisuais e de sua inigualável penetração psicossocial. Estamos falando também do mais importante setor econômico do século XXI, de uma poderosa atividade industrial-comercial que gera, direta e indiretamente, trabalho, renda e segurança familiar à população. O que significa que o ataque das teles impacta em cheio, ou no bolso, a sociedade civil brasileira.
ESTÁ RINDO DO QUE?
Mosquito do aedes aegypti causando pânico no país, economia descendo a ladeira, inflação subindo, política do toma lá dá cá, corrupção em todos os setores, 100 mil lojas comerciais que fecharam suas portas no ano passado, desemprego batendo nas portas, mau cheiro e sujeiras nas ruas de Salvador, gente morrendo nos corredores fedorentos dos hospitais, propaganda enganosa da educação, esgotos correndo a céu aberto e você em pleno carnaval com músicas apelativas pulando como macaco e rindo do quê?
É isso ai, meu camarada, temos festas sem fim, o pão faltando na mesa enquanto se aproximam o São João, as olimpíadas e o dia das urnas para ouvirmos aquela cantilena de dever cívico para escolha consciente do seu candidato. A esperança se distancia e a fé está nas últimas. Tudo isso e os governos meteram 10 dias de carnaval gastando milhões dos nossos bolsos com uma cerveja de quinta categoria e músicas do tipo Cabelo de Chapinha e Paredão Metralhadora.
Triste Bahia! Oh quão desigual, injusta e campeã dos piores índices nos setores da saúde, educação, violência e saneamento básico. Precisamos ressuscitar um Gregório de Mattos em cada esquina para denunciar as mazelas e satirizar os governantes que só pensam em se manter no poder. Enquanto gente bonita e rica curte suas luxúrias nos camarotes, os Zés Ninguéns se espremem nos asfaltos das doenças. Infelizmente, o povo não enxerga que é movido pelo prazer enganoso.
CARNAVAL DAS DIVISÕES
A dicotomia entre preto e branco ficou bem escancarada no carnaval das divisões de classes de Salvador (carne nada vale). As castas são bem visíveis e separadas como as dos camarotes, blocos de trios e as do asfalto das pipocas pulando como nos fornos de micro-ondas.
Cada um dispara sua metralhadora (olha aí gente, o tra-tra-tra!) racista carregada de ódio e intolerância. Confesso que não consigo assimilar o comportamento fascista de certos movimentos negros quando dizem, textualmente, que, em relação ao branco (aqui incluído o moreno e o pardo), o preto pode praticar racismo porque não se trata de uma camada hegemônica.
Peguei alguns lances de uma entrevista do Vovô, do Ilê Aiyê, que considera não ser atitude racista o bloco negro que rejeita a entrada de branco no seu grupo, e justifica que é uma forma de firmar sua identidade, no sentido de manutenção de suas tradições culturais.
Ora, comunidade ou país nenhum cresce e se desenvolve na base do isolamento em guetos. Isso é pura segregação e fonte alimentadora da raiva entre cores de peles. Basta analisar os casos da Albânia e da Coréia do Norte!
Não me venham argumentar que os blocos de riquinhos fazem limpeza étnica, preferindo a beleza estética e, por isso, agem do mesmo jeito. Um erro não justifica outro em questão nenhuma
Outro absurdo é dizer que não aceita branco em suas agremiações porque o branco resiste em não ser comandado ou dirigido por um negro. Vovô declarou que só é racismo quando o branco decide não cadastrar o negro em seu bloco, mas se for o contrário, pode. Em minha opinião, se assim procedem, ambos são racistas e passíveis de punição.
“A CORTE DO CZAR VERMELHO” (PARTE I)
Li há pouco tempo o livro “A Corte do Czar Vermelho”, do escritor Simon Sebag Montefiore, e muitos relatos me fizeram lembrar o ex-presidente Lula e sua corte, a começar pelo ex-ministro José Dirceu, envolvida em negociações duvidosas, para não dizer apropriações indébitas no estilo rapinagens das grandes. A corte que morava no Kremlin recebeu a alcunha de “os magnatas”.
O Triplex de Guarujá (edifício Solaris) e o sítio Santa Bárbara em Atibaia, (São Paulo), investigados pelo Ministério Público Federal como bens de Lula através de “doações” da construtora OAS, lembram as datchas (eram dezenas) de Stálin e sua gente na época em que comandou a União Soviética, de 1924 a 1953. José Dirceu pode ser comparado ao ministro do exterior, Mólotov, que foi abandonado pelo líder russo no final de sua vida.
As relações podem até ser absurdas, principalmente em termos de nações e regimes diferenciados que levaram dezenas ao fuzilamento, mas tanto lá como aqui, muitos camaradas da corte foram presos. Bem, não vou fazer mais analogias, mesmo porque meu propósito é comentar algumas curiosidades da corte de Stálin, um mandatário que tinha sede de execuções, embora tenha sido um intelectual devorador de livros.
Para subir ao poder e derrubar Trotsky logo que Lênin faleceu em 21 de janeiro de1924 (infarto fatal), Stálin se aliou à direita de Rikov, Kamenev, Bukharin e Zinoviev e depois destruiu seus camaradas. Kamenev propôs que Stálin permanecesse como secretário, mas não imaginava que ele fosse ficar 30 anos no poder.
Simon Sebag, em dois livros, fez uma pesquisa minuciosa e cuidadosa sobre a vida do grande chefe, desde jovem até sua morte. As obras têm uma dinâmica acelerada, cheia de fatos inéditos, que faz o leitor não parar no meio do caminho. Conta que certa vez (início da década de 30) Stálin atravessava a rua ao lado de Mólotov quando um mendigo estendeu a mão pedindo uma esmola. O líder deu uma moeda, mas não satisfeito, o velho o chamou de capitalista usurário.
CARNAVAL CULTURAL DE CONQUISTA
Todos os anos neste período de carnaval, a cidade de Vitória da Conquista se transforma num feriadão com pouca gente nas ruas. Boa parte da população viaja para Ilhéus, Salvador e Rio de Contas na Chapada Diamantina. Para quem fica, a Prefeitura Municipal promove o carnaval cultural de três dias onde as famílias se divertem.
Neste ano, o evento foi realizado na praça conhecida como Pau da Bandeira no, centro da cidade, com a participação de cerca de duas a três mil pessoas por dia. A estrutura bem que atende a demanda, mas a folia começa sempre atrasada, por volta das 15 às 16 horas, deixando muita gente na espera da entrada das bandas.
Para quem tem condições de viajar e gosta de apreciar as batucadas do carnaval, a melhor pedida é Rio de Contas onde a festa é tradicional com desfile de mascarados e outras apresentações folclóricas da terra. De dia os visitantes vão às cachoeiras, rios e trilhas e, à noite, a curtição acontece na praça da antiga cadeia. É muito bom e tudo ocorre na maior tranquilidade.
Não se pode dizer o mesmo de Salvador, cujo o carnaval, agora de oito dias de disputa eleitoral entre ACM Neto e o governador Ruy Costa, foi descaracterizado pelo barulho ensurdecedor de trios elétricos com “música” de péssima qualidade. O que mais se destaca são as bundas das mulheres e os corpos sarados e marombados dos puxadores, com gritos e macaquices de “tira o pé do chão” e “sai do chão”.
Oh que saudades daqueles tempos quando, como repórter, cobria o carnaval nos anos 70 e 80 onde a participação era bem mais igualitária com músicas que tinham letras! Hoje existe a concorrência do pior, e a separação de classe entre o asfalto e os camarotes é bem mais visível.
Mesmo com crise e aperto fiscal, os governos municipal e estadual investiram quase 100 milhões de reais tirados dos cofres públicos para beneficiar uma minoria já enriquecida com a festa (cantores, donos de blocos e trios, camarotes, empresários da rede hoteleira e das agências de viagens). Os barraqueiros e ambulantes ficam com as migalhas.
O próprio Governo do Estado alardeia com orgulho que está investindo 69 milhões, enquanto afirma que não vai dar aumento para os servidores. O carnaval é o circo sem pão. Oh quanto paradoxo! Ao tentar imitar os ricos e os que têm maior poder aquisitivo, o pobre entra na gandaia e, ao término da festa, descobre que está mais pobre ainda. Vai de ônibus lotados e depois de um dia sofre para retornar para casa, com fome e sem dinheiro para pegar um taxi.
Os turistas de outros países acham que aqui é um paraíso de felicidade e não vê nenhuma crise econômica e política. Todos entram na farra e os governantes se esbaldam na disputa pelo voto. Quem faz mais festa leva a melhor.
Todos ficam contentes e realizados, porque, afinal de contas, todos merecem entrar na orgia insensata dos oito dias. O cantor Gilberto Gil pede um mês de carnaval e todos aplaudem. Enquanto isso, continuamos atolados na corrupção. Sem problemas!
Quem aponta as contradições e contrastes do nosso povo é visto como um fora do contexto que não sabe viver a vida como ela é. Pelo menos, com o circo superamos por oito dias nosso complexo de vira lata e somos o povo mais feliz do mundo. Somos a Roma antiga, só que lá era um império.
TRÊS SÉCULOS
Blog Refletor TAL-Televisión América Latina
http://refletor.tal.tv/ponto-de-vista/orlando-senna-tres-seculos
Indicação de Itamar Aguiar
Orlando Senna
Tenho a sensação e o espanto de que vivi os séculos 19 e 20 e estou vivendo este surpreendente e perigoso século 21. Essa suposta mágica do tempo não tem nada a ver com longevidade, com os mitos bíblicos de Matusalém e Noé (tenho apenas 75 anos), mas sim com circunstâncias históricas e geográficas. Na infância minha vida transcorreu em um mundo rural: em uma fazenda e em uma pequena cidade do interior baiano. As atividades da fazenda eram criatório de gado bovino e pequenas manufaturas. Não havia eletricidade, rádio, automóveis, nada dessas “modernidades” que já estavam em uso em outros lugares. A locomoção era feita em cavalos, carroças e carros de boi e o pensamento e comportamento se remetiam a 50 anos atrás. Era, em tudo e por tudo, uma extensão do século 19.
A pequena cidade, que tinha conhecido um esplendor econômico no passado com extração de diamantes, estava decadente, debilitada, sem rumo e sem futuro nas décadas 1940 e 1950 devido a uma severa diminuição das pedras preciosas em seu solo e subsolo. Uma comunidade isolada, esquecida pelo resto do mundo. Ou seja, parecia que também estava parada no tempo, com suas lembranças, suas saudades da monarquia e da escravidão, seus costumes ultrapassados, os tabus impedindo o desenvolvimento mental dos jovens, meu avô abismado com as garrafas de água mineral: “comprar água é o começo do fim do mundo”. Só parecia, pura aparência porque dois elementos básicos do século 20 já estavam presentes: eletricidade e cinema.
A eletricidade graças a um pequeno gerador movido a água, alimentado por um tanque, que fornecia luz elétrica para as ruas e metade das casas das seis da tarde às dez da noite, quando os rádios funcionavam. Luz amarela e fraca, luminosidade semelhante aos candeeiros domésticos. E o cinema graças à visão empreendedora de um empresário local, que também abriu outras salas de exibição nas cidades vizinhas, os filmes eram transportados entre elas em lombo de burro. E também havia uns poucos automóveis e caminhões, tão poucos que a criançada e os cachorros corriam gritando e latindo atrás deles quando algum aparecia. Entre as famílias de classe média a referência cultural era a França, mesmo depois da Segunda Guerra e com os filmes dos Estados Unidos sendo exibidos no cinema.
OS CONTRASTES DO RIO COM A CIDADE
Fora as belezas do rio São Francisco que desfila sereno e imponente quando recebe águas das chuvas como agora, exibindo suas correntezas e um pôr-do-sol sumindo nas curvas das paisagens, a cidade de Juazeiro, na qual estive visitando na semana passada, está abandonada com muito lixo nas ruas e pontos visíveis de criadouros do mosquito aedes aegypti.
Fiquei estarrecido com o que vi, principalmente se tratando de uma cidade turística por natureza e destaque como maior produtora de frutas do Vale do São Francisco. Por mais que a situação econômica esteja crítica, o poder público não pode deixar que estes contrastes entre cidade e o rio passem uma imagem negativa aos olhos dos moradores e visitantes.
Além do lixo e sujeira da principal avenida da orla que abriga bares, restaurantes e lojas, o que mais me chamou a atenção foi a Praça da Matriz onde um chafariz abandonado tem muita água empoçada, fonte mais que ideal para a proliferação do mosquito que tomou conta do Brasil, mais por negligência e incompetência dos governos do que culpa dos brasileiros.
A primeira impressão que se tem é que a praça foi entregue à própria sorte por falta de manutenção. Cachorros e outros animais perambulam na área enquanto moradores de rua dormem debaixo dos bancos. Com pouca iluminação, a praça se tornou passagem perigosa quando escurece. Fui logo avisado que tivesse cuidado à noite porque ali são registrados furtos e até assaltos.
No local, crianças e adolescentes aproveitam para fumar cigarros e maconha entre umas barraquinhas feiosas que ficam abertas até a madrugada e, muitas vezes, por 24 horas. Um porteiro de um hotel disse que a policia passa e faz de conta que nada vê. Será que também o prefeito Isaac Carvalho, do PC do B, também nada sabe?
Pelo centro da cidade que tanto curti em tempos passados com amigos em memoráveis farras, fotografei vários pontos de esgotos a céu aberto com mau cheiro insuportável, locais apropriados para mosquitos, moscas e muriçocas que tomam conta da cidade.
O lado da Bahia é assim horrível com sujeiras e buraqueiras nas ruas, como a deplorável saída que dá acesso a Sobradinho, mas é só atravessar a ponte Getúlio Vargas e você cai em Petrolina (PE), uma cidade limpa, bem estruturada e aprazível. Não é sem motivo que muitos, em forma de deboche e crítica, apelidaram Juazeiro de “Isaquistão” e Petrolina de Bruxelas brasileira.
Esse contraste entre o desarrumado (Juazeiro) e a arrumada (Petrolina) sempre existiu. O visitante sente logo esta diferença no meio da ponte. A parte pernambucana é larga e a baiana é estreita com entradas apertadas de paredões de concreto para se chegar ao centro.
O único quesito que Juazeiro consegue ser mais atrativo que Petrolina é quando se trata de festa e muito barulho. Tem também o rio do lado baiano que oferece muitas opções de lazer, como passeios agradáveis de caíques e, como já comentei, o pôr-do-sol.
Naveguei num deles até a Ilha do Fogo e outros locais como em volta da ponte e adorei as paisagens, mas as margens do Velho Chico continuam sujas e degradadas, mesmo com o maior volume de água que recebeu das chuvas de janeiro. Lamentável é que com as novas águas, por muito tempo vão deixar de falar em revitalização do rio. Sem gestão e planejamento, quase tudo neste país fica a depender de Deus e São Pedro.