Carlos González

“Resultado histórico, estamos entre os três principais países das Américas”, escreveu, com orgulho desmedido, Dilma Rousseff, na página social que mantém na internet, dando início a uma série de mensagens que serão dirigidas nos próximos dias à população, estratégia adotada pelo marqueteiro João Santana (Patinhas), com a finalidade de alavancar a baixa popularidade da presidente, aconselhada a evitar aparecer na televisão, o que, certamente, iria provocar novos“panelaços”. Os mais otimistas preveem que nosso país ficará entre os dez primeiros nas Olimpíadas de 2016, que receberá 205 delegações – no Pan foram 41.

Vários fatores decorrentes do Pan-Americano de Toronto demonstram que não se justifica o ufanismo da presidente, cujo envolvimento com o mundo esportivo está no mesmo nível do seu conselheiro publicitário e, principalmente, do seu ministro do Esporte, o pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, George Hilton. Galgado ao cargo para preencher vaga concedida ao seu partido, o baiano de Alagoinhas admitiu, ao tomar posse, diante das críticas da imprensa, que conhecia muito pouco de seu campo de trabalho. Meses depois, pressionado pela crônica especializada, declarou que era torcedor da Catuense e que o handebol era seu esporte favorito.

As 141 medalhas (41 de ouro, 40 de prata e 60 de bronze) ganhas pelo Brasil em Toronto, no Canadá, repetindo Guadalajara (México) há quatro anos, deram ao Brasil o terceiro lugar, superado pelos Estados Unidos e Canadá. Nas 17 edições do Pan, com exceção de 1963, em São Paulo, quando ficamos na segunda posição, estivemos sempre abaixo de Cuba, que totaliza 875 medalhas, desde 1951, em Buenos Aires, contra 328 dos brasileiros.

O território brasileiro, com 8,5 milhões de km², é ocupado por 200,4 milhões de habitantes; Cuba, com 110 mil km², abriga uma população de 11 milhões de pessoas. O Comitê Olímpico Brasileiro (COB) enviou a Toronto 590 atletas, enquanto o país do Caribe, que atravessa uma grave crise econômica, fruto do boicote americano, foi representado por 444 atletas, sendo que 30 deles viraram as costas para sua pátria e cruzaram a fronteira que separa o Canadá dos Estados Unidos, alguns antes do início das competições. Na opinião da ex-jogadora de vôlei Mireya Luis, tricampeã olímpica e bi mundial, a deserção se dá por motivos de ordem econômica. Os maiores nomes do vôlei da ilha dos irmãos Castro foram atrás dos dólares e euros na Europa. Cito um deles, talvez o melhor: León, 19 anos, 2 metros de altura, tornou-se polonês.

Na sua mensagem Dilma não mencionou o fato de que no momento o esporte brasileiro se beneficia de um forte incentivo por parte de órgãos estatais, como Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Petrobras, Correios e Embraer, e de empresas privadas. A Lei 12.395, de 16 de março de 2011, instituiu a Bolsa Atleta Pódio, que hoje conta com cerca de 250 beneficiários, recebendo uma ajuda mensal de R$ 5 mil a R$ 15 mil, pelo período de um ano. Os contemplados devem estar entre os 20 melhores em seus respectivos esportes no ranking mundial e ter chances reais de medalhas nas Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro. O canoísta baiano de Ubaitaba, Isaquias Queiroz, com dois ouros no Pan 2015, é um dos beneficiados pelo programa do Ministério do Esporte.

Na condição de oficial da reserva (R/2) do Exército surpreendi-me ao ver pela televisão judocas medalhistas em Toronto, trajando quimono e com a cabeça descoberta, prestando continência à bandeira e ao hino nacional durante cerimônia de premiação. Esses judocas integram o Programa de Incorporação de Atletas de Alto Rendimento nas Forças Armadas, criado em 2008, recebendo temporariamente soldos de cabo e sargento. A delegação brasileira no Pan contou com 123 atletas do projeto, sendo que dos 13 judocas que subiram ao pódio 12 recebem instrução militar. Exagero cometeu a maratonista Adriana da Silva: ao cruzar em segundo lugar a linha de chegada perfilou-se e levou a mão direita à testa.

Vale ressaltar que a Organização Pan-Americana (Odepa) incluiu nos Jogos de Toronto alguns esportes que não são considerados olímpicos, como o caratê, boliche, patinação, esqui aquático, raquetebol, softbol e squash, que contribuíram com o total de medalhas conquistadas pelos brasileiros. Se a atividade sexual fosse considerada esporte o jogador de polo aquático Thyê Bezerra, procurado pela polícia canadense, certamente subiria no lugar mais alto do pódio. E a corrupção?…O Brasil, não resta dúvida, é o primeiro do ranking mundial.

Os Estados Unidos têm por hábito, desde 1951, quando da primeira edição dos Jogos Pan-Americanos, mesmo aquelas que foram realizadas em seu território, não escalar os melhores atletas de algumas modalidades, como a natação, atletismo e basquete, beneficiando os adversários. O Brasil, por exemplo, conquistou dez ouros na natação e, de quebra, foi campeão no basquete masculino. Essa falta de importância para com seus vizinhos das Américas não afastou os norte-americanos do primeiro lugar em 15 edições do Pan, perdendo apenas em 1951 e 1991, quando os Jogos foram disputados, respectivamente, em Buenos Aires e Havana.