CAMPO DE JOGO
Blog Refletor TAL-Televisión América
Indicação de Itamar Aguiar
Orlando Senna
O futebol é o esporte mais popular do mundo, o que tem o maior número de praticantes, torcedores, fãs, profissionais e gestores. No que se refere aos gestores, estamos assistindo a uma eclosão de desvendamentos e providências relacionados à homérica corrupção dos cartolas em níveis nacionais e internacional. Em boa hora, a justiça dos EUA e da Suíça, o Congresso brasileiro e outras instituições decidiram acabar com a criminalidade e a impunidade dos mandriões da FIFA e das federações regionais e nacionais, começando pela prisão de sete dirigentes do alto escalão e o desmonte progressivo da máfia organizada por Joseph Blatter.
O suíço Blatter, à frente da FIFA há quase duas décadas, não foi o introdutor da criminalidade em alta escala na gestão do futebol, ele apenas seguiu a linha inventada e planejada pelo brasileiro João Havelange, presidente da entidade durante 24 anos, de 1974 a 1998. Segundo a procuradora-geral dos Estados Unidos, Loretta Lynch, a corrupção é sistêmica e enraizada e faz muitas vítimas: “dos países em desenvolvimento que deveriam se beneficiar com o dinheiro gerado pelos direitos comerciais aos fãs do futebol ao redor do mundo”.
A situação no Brasil, berço de Havelange, é das mais calamitosas, com os clubes endividados, a qualidade do futebol profissional em queda acelerada e uma política suicida de venda de atletas em formação para o exterior (só este ano já foram expatriados cerca de 400 jovens jogadores). Uma crise sem precedentes no antigo “país do futebol”, a ser analisada nos próximos meses em uma Comissão Parlamentar de Inquérito criada pelo senador Romário, que abordará, inclusive, os contratos de clubes com a TV e as ações obscuras das empresas de marketing esportivo. E isso é só uma levantada na tampa, ainda não é a abertura total da Caixa de Pandora. É o lado sombrio do futebol.
Em sentido contrário a esse cenário de degradação moral, caminhando contra o vento, sem lenço, sem documento e sem fronteiras, está em cartaz em várias cidades brasileiras, e já com distribuição acertada na França e nos EUA, um filme encantador de Eryk Rocha, Campo de jogo. Como diz o próprio Eryk, autor de filmes vanguardistas e envolventes como Rocha que voa, Transeunte, Pachamama, Jards, “cinema é emoção e poesia”. Emocionado, emocionante e poético, Campo de jogo nos leva para dentro de um campo de futebol na zona norte do Rio de Janeiro, para dentro de uma partida final de um campeonato de favelas.
Essa intimidade (“faz sentir o cheiro e o gosto do pó”, escreveu um comovido Juca Kfouri na Folha de São Paulo) me transportou ao campo de terra da minha infância e adolescência, reviveu no meu espírito a intensa felicidade de brincar com a bola e os amigos em um campo improvisado que, embora não fosse plano, embora descambasse para um dos lados, era um terreno de perfeição para o lazer, a convivência criativa e o aprendizado da vida. Para mim e para muita gente o futebol é isso, um entendimento da essência do viver.
Isso não significa, em absoluto, que Campo de jogo é um filme para boleiros, como também não é um filme apenas para cinéfilos, para alimentar a falsa dicotomia criada pelos exibidores e pela mídia entre filme de arte e filme comercial ou quaisquer outras separações ou oposições ignorantes. É um filme para todas as pessoas sensíveis à beleza e à verdade intrínsecas do cinema, a arte mais popular da humanidade. É como um gol de placa, reconhecível e admirado por qualquer pessoa, mesmo para as que não dão a mínima pelota para o futebol. É a transparência e a lucidez da poesia em estado puro, é a sensação de viver uma epifania. É o lado luminoso do futebol.
Por Orlando Senna
Orlando Senna nasceu em Afrânio Peixoto, município de Lençóis Bahia. Jornalista, roteirista, escritor e cineasta, premiado nos festivais de Cannes, Figueira da Foz, Taormina, Pésaro, Havana, Porto Rico, Brasilia, Rio Cine. Entre seus filmes mais conhecidos estão Diamante Bruto e o clássico do cinema brasileiro, Iracema. Foi diretor da Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños e do Instituto Dragão do Mar, Secretário Nacional do Audiovisual (2003/2007) e Diretor Geral da Empresa Brasil de Comunicação – TV Brasil (2007/2008). Atualmente e presidente da TAL – Televisão América Latina e membro do Conselho Superior da Fundacion del Nuevo Cine Latinoamericano.
Itamar Pereira de Aguiar nasceu em Iraquara – Bahia; concluiu o Ginásio e Escola Normal em Lençóis, onde foi Diretor de Colégio do 1º e 2º graus (1974/1979); graduado em Filosofia, pela UFBA em 1979; Mestre em 1999 e Doutor em Ciências Sociais – Antropologia – 2007, pela PUC/SP; Pós Doutor em Ciências Sociais – Antropologia – em 2014, pela UNESP campus de Marília – SP. Professor Titula da Universidade Estadual do Sudoeste do Estado da Bahia – UESB; elaborou com outros colegas os projetos e liderou o processo de criação dos cursos de Licenciatura em Filosofia, Cinema e Audiovisual/UESB.